Folha de S. Paulo
Ascensão da direita e morte do centro é
assunto velho, mas novidade se consolidou só agora
A discussão política quase toda se afoga no
mar de ansiedade quanto ao resultado da eleição presidencial. É compreensível.
Podemos estar pela hora da morte da democracia. Conviria, porém, prestar
atenção ao Congresso,
assunto em parte obliterado pelo excesso de discussão de "apoios"
para o segundo turno, muita vez apenas fofoca politiqueira.
O Congresso é assunto de interesse prático e quase imediato. Embora pareça já história velha, ainda não se deu devida atenção ao fato de que a maioria do Congresso e as presidências de Câmara e Senado devem ser dominadas por uma coalizão de direita, fisiológica e/ou extremista, que jamais se viu na redemocratização.
Isso deve ter consequências sérias tanto
para Lula da Silva
(PT) como para Jair
Bolsonaro (PL). O blocão direitista terá influência na política do
Supremo (sic), ainda maior na malversação do Orçamento e no aparelhamento de funções
de Estado.
PL, União Brasil, o PP, que governa para
Bolsonaro, e o Republicanos (partido evangélico estrito senso) engordaram
devido ao bolsonarismo, a Bolsonaro ou eles aderiram. Em coalizão, teriam 246
votos.
Podem engordar mais, devido a fuga de parlamentares
de partidos ameaçados pela cláusula de barreira ou atraídos por outros
incentivos. A coalizão pode crescer ainda com a adesão fácil de uma dúzia de
direitistas dos nanicos.
Essa quadra direitista elegeu 154 deputados
em 2018 e 114 em 2014, note-se. O ano de 2014 foi também o da grande
fragmentação, do começo da dissolução do sistema partidário dominante entre
1990 e 2010, em que os maiores partidos eram em geral PMDB, PFL (depois DEM),
PSDB e PT. Desses partidos, o "velho centro", central na definição do
que era governo e oposição, acabou de se dissolver.
A fragmentação partidária na Câmara
diminuiu em 2022. Apesar de ainda grande, voltou mais ou menos ao nível do que
era entre 2002 e 2010. Na verdade, já diminuíra ao longo da legislatura de
2019-2022.
Nesses anos, o PL engordou com a migração
de bolsonaristas duros
do PSL, o União Brasil absorveu o bolsonarismo aguado do PSL restante, pois o
DEM tomou uma atitude a fim de não se tornar um nanico como o PSDB. Além disso,
elegeram ainda mais deputados.
O centrão, enfim, chegou ao centro do
poder, depois de duas décadas como agregado menor de PSDB-DEM e PT. Agora,
vestiu a roupa da direita extremada sobre a pele fisiológica —ou é de extrema
direita mesmo. Esses partidos são netos ou bisnetos da Arena, o partido da
ditadura. São liderados por alguns oligarcas regionais, mas de composição e base
social ainda lá não muito bem compreendidas.
A opinião popular e de muito cientista
político diz que é fácil comprar apoio parlamentar. Que seja. Ficou mais caro e
isto tem consequências várias.
Uma consequência, desprezada por muito
politólogo, foi o grande nojo da população por um sistema político negocista,
indiferenciado "ideologicamente", fechado à participação e a
exigências de mudanças e resultados reais. A revolta contra tal estado de coisas
explodiu em 2013 e continua. Não é por acaso que a atitude "antissistema"
tem apelo, mesmo depois da farsa de Bolsonaro.
De mais concreto, Bolsonaro pode ter vida
mais fácil na nova Câmara, em parte por afinidade ideológica. Ainda que siga o
arroz com feijão de certa politologia, redistribuição sem mais de poder, Lula
terá problemas. O miolo mais maleável do Congresso desapareceu e a esquerda é
ainda mais diminuta.
Essa mudança parece velha, pois começou a
ficar evidente já na eleição de 2014, tomou impulso em 2018 e deu sinal forte
de persistência na eleição municipal de 2020. Mas não estava consolidada, como
é gritante pelo resultado desta eleição de 2022. É uma novidade grande.
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