Valor Econômico
Os sonhos do bolsonarismo podem custar caro
Um dirigente de um grande partido, que hoje
transita no bolsonarismo, disse há muitos meses que seria capaz de apostar qual
seria um dos principais objetivos do presidente Jair Bolsonaro caso se
reelegesse: eliminar o limite para reeleições. Outro influente parlamentar que
terminou aderindo a Bolsonaro apostou: a agenda do presidente é controlar o
Judiciário, pela força, se preciso.
A tradicional classe política conservadora
e de direita em Brasília, que não se mistura com campeões de voto como Nikolas
Ferreira ou Carla Zambelli, mas que controla os cordéis do poder, parte da
premissa de que a agenda de Bolsonaro é muito ambiciosa. Vai muito além do que
pôde ser visto no primeiro mandato. Não há autoengano, nem cegueira deliberada:
há consciência, ou a palavra certa talvez seja cumplicidade, do real caráter do
projeto bolsonarista.
Nesta agenda ambiciosa há tópicos que vão exigir mais do que a robusta maioria parlamentar já garantida ao presidente. Circulam ideias como nova assembleia constituinte, retirada de direitos sociais, impeachment de ministros do Supremo, aumento do número de integrantes da Suprema Corte, reeleição indefinida, criminalização de partidos de esquerda, de movimentos sociais, desmonte ainda maior de legislação ambiental e por aí vai. É um projeto grandioso de poder, com apostas altas a serem feitas.
Para se conseguir enormidades, o preço é
alto. Bolsonaro conta no Senado com 40 de 81 parlamentares, se neste grupo
considerarmos o União Brasil, que arquiteta com o PP e o PL possivelmente um
bloco com as características da antiga Arena, o outrora maior partido do
Ocidente. Na Câmara, o bolsonarismo assim entendido agrega 272 de 513 cadeiras.
O lulismo conta com algo como 139 deputados e 16 senadores e o centro
desalinhado, nos quais as principais estrelas são o MDB e o PSD, mas que
engloba ainda outros partidos, soma 102 na Câmara e 25 no Senado.
Para Bolsonaro ter maioria parlamentar
tranquila, basta manter o seu núcleo central coeso, fazer um acordo com o União
Brasil e se acertar com pequenas siglas de direita, como Podemos, Novo,
Patriotas e PSC, entre outras. Para ir além e mudar o eixo do país, precisa
ainda do centro desalinhado: PSD, MDB, PSDB e partidos menores.
Alcançar isso envolverá muito impacto
fiscal na distribuição de prebendas. Consultor veterano e experiente em
questões do Legislativo, Antônio Augusto de Queiroz acha que nesta hipótese o
uso de instrumentos como o orçamento secreto irá escalar a alturas raramente
vistas. O que se viu no primeiro mandato, em sua opinião, permite supor que o
céu será o limite em relação ao custo que Bolsonaro estará disposto a pagar.
Convém não se ater aos R$ 19,4 bilhões previstos para emendas de relator
previstos no projeto orçamentário de 2023, de um total de R$ 38,8 bilhões em
emendas parlamentares.
Na hipótese de eleição de Lula, a conta é
outra. O petista de volta ao cargo parte de uma base muito menor, terá que
conquistar não apenas o centro desalinhado como precisará furar o bloco da
direita, o que implica não somente em fechar com o União Brasil e o Podemos,
mas também avançar sobre o PP, o Republicanos e o próprio PL, que são o núcleo
central do governismo.
Na visão de Queiroz, tem jogo. Ele avalia
que boa parte da bancada do PL na Câmara e no Senado é composta por
pragmáticos, e não ideológicos. É o caso de Antônio Carlos Rodrigues, de São
Paulo, que foi suplente de Marta Suplicy, ou de Wellington Roberto, da Paraíba,
ou de Giacobo, do Paraná, ou de Josimar Maranhãozinho.
Não é absurdo imaginar uma grande divisão
dentro do PL na hipótese de um governo Lula. Obviamente o governo federal terá
que agir para que isso aconteça. A ala ideológica, com uma ação oposicionista
intransigente, elevará o cacife dos que topam conversar.
Lula não há de querer refundar a República.
O objetivo central dos pragmáticos deve ser a manutenção do status quo, em
outras palavras, do orçamento secreto ou instrumentos assemelhados, da maneira
como funciona hoje.
Do lado do Planalto, haverá um poder
disposto a regatear em relação ao que já existe, a recuperar portanto controle
sobre o Orçamento. Do lado do Congresso, um poder disposto a resistir em suas
prerrogativas. É uma equação diferente da que uma reeleição de Bolsonaro
projetaria, com um custo fiscal até menor. Mas da qual os apoiadores de Lula
não podem ter ilusões. Com um pacto em relação ao Orçamento, o Congresso poderá
não ter mais apetite de avançar uma pauta conservadora em costumes, o que não
quer dizer que Lula irá conseguir avançar a sua agenda ou reverter boiadas
passadas pelo bolsonarismo. Será difícil, por exemplo, o petista conseguir
emplacar um nome progressista no STF. Poderemos ter um fenômeno de barreira
dupla.
Capitão Contar
O Capitão Contar, primeiro colocado nas
eleições para governador do Mato Grosso do Sul, surgiu como um raio em céu azul
no cenário nacional por ter Bolsonaro como cabo eleitoral no debate da TV
Globo, no fim do primeiro turno. Ele está aí para provar que o fenômeno da
antipolítica não se esgotou.
Concorrendo pelo nanico PRTB, com o apoio
do igualmente nanico Avante, chegou à frente de uma coligação entre PSDB, MDB e
União Brasil. Até 2016, seu feito mais impressionante era ter ido de moto de
Campo Grande até o Alasca em suas férias. Dois anos depois tornou-se o deputado
estadual mais votado e foi para a reforma do Exército.
Ao ser perguntado se ele, fenômeno
eleitoral, confia na urna eletrônica, o capitão hesita. “Pode ter algumas
falhas, não dá para colocar a mão no fogo”, diz, calculando as palavras, depois
de um certo silêncio.
E ao comentar sobre a influência do apoio
de Bolsonaro em seu desempenho eleitoral, demonstra que confia nas pesquisas.
“Eu já estava em primeiro lugar antes”, disse.
Indagado como seria a relação entre ele,
bolsonarista raiz, e Lula, caso o petista seja eleito presidente, outra longa
pausa. “Não consigo imaginar. Acho que eu como governador manterei princípios,
vou proteger a população das ideologias estranhas”, disse, indicando que a
convivência entre contrários no Brasil não será fácil.
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