Editoriais / Opiniões
Ação da PF mostra onde vai parar o
orçamento secreto
O Globo
Suspeita de corrupção na Codevasf é mais
uma prova de que STF tem o dever de eliminar emendas do relator
O afastamento, por ordem da Justiça, de um
gerente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (Codevasf), suspeito de receber propina para desviar recursos
públicos, expõe os tentáculos da corrupção na estatal, controlada pelo Centrão
e considerada uma espécie de paraíso do orçamento secreto. Era previsível que a
transferência de verbas das emendas do relator para a Codevasf acabasse em
roubalheira. Não deu outra.
A decisão da Justiça ocorre na esteira da
Operação Odoacro, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em julho. Na época, a PF
prendeu o empresário Eduardo José Costa, conhecido como Imperador e apontado
como sócio oculto da empreiteira Construservice, uma das maiores beneficiadas
pelas licitações da Codevasf. O servidor afastado é acusado de receber R$ 250
mil de empresas investigadas por fraudes em concorrências.
Além de desmentirem o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção no atual governo, as fraudes na Codevasf são um exemplo eloquente dos descaminhos do orçamento secreto, a destinação de recursos orçamentários sem transparência nem critérios técnicos por meio das emendas do relator, identificadas pela sigla RP9. Em 2022, havia previsão de R$ 610 milhões em emendas para a Codevasf, mas elas chegaram a R$ 2,7 bilhões. Na lei orçamentária de 2023, as emendas do relator somam R$ 19,4 bilhões, R$ 3 bilhões a mais que em 2022.
Faria bem o Supremo Tribunal Federal (STF)
se pusesse logo em pauta o julgamento das ações dos partidos PSB, Cidadania e
PSOL que contestam a constitucionalidade dessas emendas. Elas passam ao largo
da sociedade, que não obtém informações claras sobre seu destino.
Recém-empossada como presidente do STF, a ministra Rosa Weber fez questão de
manter a relatoria das ações, quando poderia passá-las para algum outro
ministro.
No ano passado, ela já determinara em
liminar que o Congresso desse transparência à tramitação das emendas RP9, com a
divulgação do volume de recursos movimentado pelo parlamentar e do beneficiário
das verbas. Em seguida, condicionou a liberação do dinheiro à inclusão dos
valores movimentados numa plataforma própria, criada no Legislativo com essa
finalidade. À época, O GLOBO revelou que apenas 30% dos recursos das emendas
passaram a ser informados.
A explicação para tanto sigilo em torno das
emendas do relator tem relação evidente com o destino dos recursos, ditado por
interesses paroquiais, e não por políticas públicas comprovadas e decididas com
transparência. O mecanismo cria oportunidade para superfaturamentos e
beneficiamento de empresas em concorrências. É a porteira aberta à corrupção.
O preço pago por Bolsonaro para ser
blindado no Congresso foi entregar essa fatia bilionária do Orçamento ao
Centrão, sob o comando dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do
Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Distribui-se dinheiro com base em interesse
político, não na necessidade da população. Pelo vulto a que chegaram e pela
forma como são administradas, as emendas RP9 são uma afronta ao equilíbrio
harmônico entre os Poderes da República. Já que nem o Legislativo nem o
Executivo fazem algo a respeito, o STF tem o dever de acabar com elas.
Congresso com mais negros e mulheres
reflete debate em prol da diversidade
O Globo
Lei que destina mais recursos a
candidaturas específicas pode ter ajudado, mas não é a única causa
O Congresso Nacional terá em 2023 um
conjunto de parlamentares mais diverso. Na Câmara dos Deputados, as mulheres
passarão a ser 18% dos 513 deputados, ante os 15% eleitos em 2018. Negros
ocuparão 26% das cadeiras, ante 24% há quatro anos. O novo Congresso terá pela
primeira vez duas mulheres transgênero e a maior bancada de indígenas da
História, com cinco representantes. É verdade que, no Senado, as mulheres
perderam dois assentos (haverá apenas dez senadoras entre os 81). Serão, em
contrapartida, 20 senadores negros, ante os atuais 14.
Os números da diversidade vêm crescendo
eleição a eleição. Embora ainda sejam necessárias pesquisas sérias a respeito,
é razoável supor que tenha surtido algum efeito a lei que obrigou os partidos
políticos a destinar mais recursos da campanha eleitoral a candidaturas de
mulheres e negros — pelo menos na Câmara.
Essa pode ser uma das razões para a
transformação, mas certamente não a única. Nos últimos anos, o debate em prol
da diversidade tem crescido na sociedade. Está presente nos lares, nas ruas, na
cultura, na educação e nos negócios. Faz sentido que o tema se reflita também
na política. A maior evidência disso é o aumento de eleitos entre indígenas e
transgêneros sem nenhum tipo de lei para favorecer tais grupos.
Fará bem ao Congresso ter um rosto mais
parecido com a sociedade. Porém são descabidas as críticas dos que reivindicam
paridade perfeita, exigindo que ele espelhe a população, com 51% de vagas para
mulheres, 54% para negros etc. Gênero, cor da pele, orientação sexual ou
cultura não são os únicos fatores a considerar na escolha dos candidatos. E é
óbvio que negros e brancos podem ser aguerridos protetores dos direitos dos
indígenas, homens podem defender pautas caras às mulheres e assim por diante.
Na mão contrária, deputadas e senadoras podem votar a favor de retrocessos na
pauta feminista.
A discussão iniciada depois do anúncio dos
indígenas eleitos para a Câmara revela os limites do argumento em favor de
cotas de cadeiras para grupos específicos. A esquerda elegeu Sonia Guajajara
(PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). A direita elegeu Silvia Waiãpi (PL-AP),
próxima à senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Para Guajajara, a
futura colega Waiãpi não representa a luta dos povos indígenas, pois defende o
presidente Jair Bolsonaro. Waiãpi afirma que Guajajara não entende o Norte do
Brasil, onde está a maior concentração de indígenas do país, por ter nascido no
Nordeste e sido eleita por São Paulo.
Essa troca de farpas é prova de que, na política, não há blocos monolíticos. Negros, mulheres, indígenas, transgêneros e outras minorias podem ser de esquerda ou direita, religiosos ou ateus, liberais ou conservadores. A origem, cor da pele ou orientação sexual de alguém não determina suas crenças políticas. O valor da diversidade não está em ampliar bancadas específicas, mas em assegurar, por meio da maior variedade de origens e histórias pessoais, maior pluralidade de perspectivas para enriquecer o trabalho do Parlamento.
A urna e o cofre
Folha de S. Paulo
Bolsonaro compromete o erário por reeleição
e realimenta teorias conspiratórias
A tentativa desesperada de reeleger o
presidente Jair Bolsonaro (PL), que terminou o primeiro turno em desvantagem
inédita para um incumbente, compromete cada vez mais o futuro das contas
públicas. O Planalto empilha promessas que não cabem no Orçamento.
Não bastassem os múltiplos furos já
produzidos no teto de gastos federais e as carências de recursos para despesas
humanitárias básicas —inexiste, por exemplo, previsão de receitas para manter o
Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro de 2023—, o mandatário flerta com
mais irresponsabilidades na sanha de arrebatar o pleito.
Se o problema imediato do candidato
situacionista é a rejeição das mulheres e do eleitorado mais pobre, ele não
hesita em financiar a sua resposta no Tesouro Nacional. Promete um 13º pagamento
do auxílio que substituiu o Bolsa Família, mas direcionado
apenas às beneficiárias do programa.
Uma ação mais descaradamente eleitoreira
seria possível apenas caso se exigisse da receptora do pagamento extraordinário
uma comprovação de voto no presidente.
O ciclo eleitoral de 2022 terá sido um
marco do enfraquecimento das instituições fiscais e políticas que refreiam o
uso da máquina e dos dinheiros públicos para finalidades eleitorais. As
chamadas emendas de relator, o fundo partidário recorde, as soberbas reduções
de impostos e a abrupta elevação de gastos desequilibram a disputa a favor de
quem tem mandato e dos oligarcas que controlam as siglas.
Às favas também foram mandadas as
preocupações com a manutenção dos programas e das organizações federais.
Corta-se sem pestanejar verba para fármacos e educação, e semeiam-se
descontinuidades de políticas públicas para os meses vindouros, a fim de
alimentar o vórtice da caça ao voto.
Mesmo com toda a vantagem extraída do
erário, o presidente não parece contentar-se com a hipótese de vencer ou perder
a reeleição nas urnas no próximo dia 30.
Voltou a ventilar a ideia
estapafúrdia de que teria sido vítima de fraude na apuração dos votos no
primeiro turno, como se uma conspiração implantada no mecanismo de divulgação
da Justiça Eleitoral lhe tivesse tirado a vitória à medida que a contagem
avançava.
A pilhéria não resiste à constatação de que
as regiões mais bolsonaristas do país tiveram a sua votação divulgada antes das
mais petistas. O resultado de uma eleição é o mesmo independentemente da ordem
em que se contam os votos.
A maluquice propagada pelo presidente da
República se presta a manter acesa a centelha da baderna em caso de derrota nas
urnas. Arrombar seja o cofre, seja a institucionalidade democrática, continua
em seus planos delirantes.
Petróleo em guerra
Folha de S. Paulo
Opep reduz produção; Ocidente teme recessão
e vê a medida como apoio a Putin
O cartel de países produtores de petróleo
—Opep+, que inclui a Rússia— anunciou
redução das cotas de produção em 2 milhões de barris por dia. A
providência logo elevou as cotações do barril do tipo Brent em mais de 5%, para
US$ 94.
Não é certo que o efeito seja duradouro, já
que os países na prática vinham produzindo bem menos do que a cota anterior, de
modo que a medida agora tem impacto menor do que o volume anunciado.
De toda forma, importa a sinalização. O
corte foi justificado como um incentivo para investimentos e produção a longo
prazo.
Não sensíveis a tal argumento, países do
Ocidente, em particular os EUA, veem na decisão um alinhamento do cartel com a
Rússia. Preços mais altos beneficiam os cofres de Vladimir Putin, que assim
pode manter sua máquina de guerra em funcionamento na Ucrânia.
Além disso, as economias americana e
europeia estão fragilizadas pelo choque inflacionário e o aumento acelerado dos
juros nos últimos meses. Custos de energia maiores só exacerbam a possibilidade
de recessão num contexto internacional já difícil.
É plausível, entretanto, que a decisão do
cartel não seja propriamente um aceno a Putin, e sim uma resposta à ameaça
ocidental de fixar um teto para os preços das importações do petróleo russo.
O mecanismo ainda não está definido, mas é
provável que eventuais limites de preços obriguem a Rússia a vender com
desconto em outros mercados, afetando a receita dos demais produtores. Um
cartel de compradores seria uma novidade perigosa para a Opep+, e o anúncio do
corte de produção pode ter o objetivo de alertar o Ocidente.
A Arábia Saudita, maior produtor mundial e
na prática líder da organização, não gostaria de permitir tal precedente, que
um dia pode se voltar contra ela —por razões geopolíticas, humanitárias, ou
porque o Congresso dos EUA decidiu que o petróleo está caro demais.
A decisão também enfraquece ainda mais a
aliança estratégica com os americanos, que já não são os principais clientes
—perderam o posto para a China. As consequências de longo prazo dessa mudança
ainda são desconhecidas.
Seja como for, preços mais altos exacerbam a inflação e diminuem o poder de compra dos consumidores. No Brasil, o aumento das cotações dificulta novas reduções dos preços de combustíveis, um tema de forte apelo eleitoral para o governo Jair Bolsonaro (PL).
Lula precisa fazer jus a tanto apoio
O Estado de S. Paulo
Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha
A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os
economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram
papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio
de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º
turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.
A nota diz tudo sobre o posicionamento do
grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de
condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre
a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à
heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por
sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão
implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e
que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça
democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é
dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de
confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a
uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.
O Plano Real – que, convém lembrar, foi
hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a
hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e
almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a
isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a
um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política
fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas
artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido
impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto
do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos
últimos anos.
O sucesso do Plano Real não rendeu apenas
frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando
Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno.
Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes
para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico,
composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu
sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.
Foi somente depois do Plano Real que o País
aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa
para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha
defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução
responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga,
Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o
que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha,
que, por sinal, nem sequer é conhecida.
Como mostrou o Estadão, a equipe de
campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da
política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala
política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a
ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita
aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos
detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da
irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.
É preciso mais do que a vaga sinalização do
ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos
Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio
do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula
da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das
duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.
O joio e o trigo no sistema representativo
O Estado de S. Paulo
Se cláusula de barreira corrige as distorções da fragmentação partidária, o financiamento público a partidos e o orçamento secreto estão concentrando o poder nos mesmos de sempre
Enquanto políticos, analistas e
eleitores se debruçam sobre o resultado das urnas para mapear as novas composições
do poder no Executivo e no Legislativo, em âmbito federal e estadual, as
eleições são também o momento de avaliar os vícios e as virtudes do sistema
representativo para sanear os primeiros e otimizar as últimas.
No Brasil, a quantidade de partidos e de
recursos alocados para a sua sustentação e suas campanhas é aberrantemente
maior do que em outros países. Segundo dados levantados no estudo Quão
diferente é o sistema político brasileiro?, publicado pela Câmara dos
Deputados, entre 33 países o Brasil tem de longe o maior número de partidos
efetivos (15, enquanto a média é de 4,5); o maior custo por parlamentar (528
vezes a renda média do brasileiro, enquanto a média é de 40); e o maior
financiamento público de partidos (US$ 446 milhões ao ano, enquanto a média é
de US$ 65,4 milhões).
Recentemente, houve uma série de mudanças
pontuais, mas significativas para corrigir distorções no sistema
representativo, entre elas o fim das coligações partidárias nas eleições
proporcionais ou a proibição, por parte do STF, de financiamento de campanha
por empresas. Uma das mais relevantes foi a cláusula de barreira, aprovada em
2017. Ao fixar porcentuais mínimos de números de parlamentares eleitos e
coeficientes de Estados para que os partidos tenham acesso aos Fundos Partidário
e Eleitoral e tempo de TV, a cláusula de barreira foi um passo importante para
remediar a distorção talvez mais nociva do sistema representativo brasileiro: a
fragmentação partidária.
A proliferação de legendas impacta o custo
da governabilidade e a capacidade dos partidos de impor uma coesão entre seus
membros, além de estimular o fisiologismo. A comparação internacional evidencia
que, quanto maior o número de partidos, menor o grau de mudanças políticas.
A cláusula de barreira limita os incentivos
a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a
seus donos. Aqueles que não ultrapassam os porcentuais mínimos são incentivados
a se fundir com outros, o que os obriga a negociar e pactuar conteúdos
programáticos mais consistentes. Foi o caso, nas últimas eleições, de cinco
partidos (PTB, PSC, Patriota, PROS e Solidariedade) que já discutem seu futuro
em conjunto.
Se a cláusula de barreira está corrigindo
distorções, outros mecanismos as estão perpetrando. Segundo o Departamento
Intersindical de Assessoria Parlamentar, o porcentual de renovação da Câmara
caiu para 40%, um dos menores nas últimas décadas. Essa é uma consequência do
sistema espúrio de financiamento aos partidos.
Hoje, os partidos dependem quase que
exclusivamente de recursos públicos para se custear e promover suas campanhas.
Essa garantia é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os
próprios partidos dos cidadãos. Os feudos são controlados por poucos caciques
que determinam a distribuição de recursos sem transparência, sempre a favor de
seus apaniguados.
Somem-se a isso as distorções introduzidas
pelo chamado orçamento secreto, que deu discricionariedade ao relator do
Orçamento para distribuir, em troca de apoio ao governo, emendas a
parlamentares utilizadas por congressistas para favorecer seus redutos
eleitorais. Levantamento de O Globo mostrou, por exemplo, que 10 dos
13 deputados beneficiados com valores acima de R$ 100 milhões em emendas foram
reeleitos com desempenho nas urnas superior ao de 2018.
Assim, a cláusula de barreira está
reduzindo o número de partidos, e isso é sadio. Por outro lado, o financiamento
público de campanha e o orçamento secreto estão concentrando os recursos nas
mãos de uns poucos que tendem a se perpetuar no poder. É um claro atentado ao
princípio da igualdade de oportunidades que desequilibra a competitividade
eleitoral. Em outras palavras, a se manterem esses mecanismos, bancados com o
dinheiro do contribuinte, a tendência da representação política no Brasil é que
seja cada vez mais “mais do mesmo”. É a “velha política” no poder, e cada dia
mais envelhecida.
Compra de votos explícita
O Estado de S. Paulo
Ao propor 13.º para o Auxílio Brasil, Bolsonaro expõe convicção de que o voto das mulheres vulneráveis está à venda
O presidente Jair Bolsonaro decidiu aumentar
o lance no leilão pelo voto dos mais pobres. Passado o primeiro turno, o
governo não esperou um dia sequer para anunciar a antecipação do calendário de
pagamentos do Auxílio Brasil. Até então, as transferências estavam programadas
para serem encerradas no dia 31 de outubro, depois, portanto, da segunda etapa
da disputa eleitoral. Não foi – nem será – a única investida. O governo
prometeu um 13.º benefício para os 16,7 milhões de famílias chefiadas por
mulheres. Antes, havia regulamentado uma modalidade criminosa de crédito
consignado que tem tudo para expor os vulneráveis ao superendividamento.
É um feito impressionante. O arremedo de
programa social que o governo inventou para substituir o bem-sucedido Bolsa
Família paga mais, alcança um número maior de pessoas e não cobra qualquer
contrapartida dos beneficiários, como o cumprimento do calendário vacinal ou a
presença escolar obrigatória de seus filhos. E, a despeito do escancarado uso
da máquina pública, cujo peso é muito maior que o Fundo Eleitoral, o
presidente/candidato permanece na segunda posição com possibilidades reais de
derrota. Para enquadrar o Auxílio Brasil ao Orçamento-Geral da União, o governo
violou o teto de gastos, mas fez um esforço para criar um discurso social
minimamente crível a justificar essa opção. Se nunca houve preocupação genuína
com o bem-estar dos mais pobres, antes havia um mínimo de pudor, agora
completamente abandonado.
Como nada disso gerou o efeito esperado, o
governo se converteu em um puxadinho da campanha bolsonarista e compactua com
seus devaneios sem qualquer empenho para manter a credibilidade. A proposta
formal para o Orçamento de 2023 desmente a si própria e promete manter o piso
em R$ 600 sem reservar os R$ 52,5 bilhões extras para custeá-la. A ela se junta
o 13.º benefício às mulheres, cujo custo é estimado em R$ 10 bilhões. Não houve
– nem haverá – qualquer explicação sobre a fonte de recursos para bancar a
medida, tampouco sobre sua necessidade. Afinal, há algumas semanas, o ministro
da Economia, Paulo Guedes, disse ser impossível que milhões de pessoas
estivessem passando fome no País, dando a entender que o piso era suficiente
para garantir todas as necessidades e despesas fixas de uma família. O que
mudou para justificar a criação do 13.º benefício?
Há algo em comum a tudo que envolve o Auxílio Brasil desde sua concepção. Todas as discussões sobre o programa sempre foram superficiais e centradas unicamente no valor final a ser pago aos beneficiários, expondo a profunda convicção do presidente e de sua equipe de ministros de que o voto dos mais vulneráveis, de forma geral, e das mulheres mais pobres, em particular, está à venda. Quando era deputado federal, Bolsonaro chamou o Bolsa Família de bolsa farelo e chegou a compará-lo à prática do voto de cabresto. Sua opinião, evidentemente, não se alterou. A diferença é que agora ele espera colher frutos adotando uma estratégia que sempre condenou.
Poder no Congresso se desloca para a
direita
Valor Econômico
Quando o presidente caiu no colo do
Centrão, as reformas estancaram de vez
A combinação da proibição de coligações
partidárias em eleições proporcionais, que estreou neste ano, com a cláusula de
desempenho, começou a produzir fortes efeitos na configuração partidária do
Congresso. Da barafunda de 32 siglas, seis perderão fundo eleitoral, fazendo
companhia a 8 legendas que já não tinham atingido o mínimo exigido em 2018.
Refletindo uma tendência iniciada no pleito de 2014, os partidos fisiológicos,
mais conservadores, obtiveram uma fatia maior de vagas na Câmara e no Senado,
em detrimento da esquerda, representada pelo PT (em federação com PCdoB e
Rede).
Houve concentração partidária no Congresso,
potencializada pelo enorme fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, que deu vasto poder
às cúpulas e elevou a barreira financeira para partidos menores e legendas de
aluguel que, ao mesmo tempo, perderam a chance de colar em candidatos bons de
voto para eleger representantes. Como o financiamento de campanha é
exclusivamente público, com a perda de recursos do fundo partidário e tempo de
propaganda na TV, essas legendas morrerão.
A grande fragmentação partidária, com 32 legendas,
e novas a caminho, foi beneficiada pela permissão de coligações e pela ausência
de desempenho mínimo. Com regras retrógradas, os partidos são quase uma
repartição do Estado, da qual proveem os recursos para sobrevivência. São raros
os que têm fatia significativa de sustentação advinda da contribuição de
apoiadores. A mudança ocorrida é boa e vai na direção correta. A maior parte
das legendas reprovadas no teste nas urnas não fará falta, nem deixará saudades
nos eleitores.
A representação partidária, por outro lado,
adensou-se. A esquerda passa a gravitar com mais força do que antes em torno do
PT, que já havia arrastado para sua federação o PCdoB, e a Rede, ambos
ameaçados de extinção. PDT e PSB saíram menores do que entraram nas eleições
deste ano - os socialistas perderam 10 cadeiras na Câmara. O PT subiu de 56
deputados para 68, a segunda maior legenda da Casa. O Psol cresceu para 12
deputados, peso insuficiente para rivalizar com o do partido de Lula.
Os partidos de centro encolheram. A queda
mais notável, em decadência que pode se revelar irreversível, é a do PSDB,
nascido de uma dissidência social-democrata do então PMDB e que governou a
República por oito anos. Aos economistas ligados ao partido se deve o fim da
elevada inflação brasileira, a continuidade do processo de privatizações e da
modernização do Estado. Após a conquista da Presidência pelo PT, os tucanos
passaram a flertar com posições conservadoras até tentarem impugnar a eleição
de Dilma Rousseff.
João Doria pegou carona na onda bolsonarista
para se eleger, suplantando a velha guarda do partido e imprimindo um rumo
conservador aos tucanos. Coube a Rodrigo Garcia, egresso do DEM, declarar apoio
incondicional a Bolsonaro e ao PSDB liberar seus filiados para votarem em quem
quiserem. Os tucanos perderam o comando do Estado mais rico do país, após 28
anos de governo.
Os partidos que apoiam Bolsonaro, com
orientação de direita, aumentaram sua fatia de poder no Congresso. O PL
tornou-se a maior bancada da Câmara, com 99 deputados e também do Senado (13
senadores). O núcleo que apoia o presidente (PL, PP e Republicanos) conquistou
187 cadeiras. O União Brasil, que negocia com o PP uma federação, obteve mais
59. Se a eles se somarem MDB e PSD de Kassab, que têm tido comportamento
governista, a conta chega a 330 deputados, perto de dois terços da Casa.
A desafinada orquestra do Centrão, que
começou a ser organizada por Eduardo Cunha, foi posta sob ordem unida pelo PP e
PL, que entraram no vácuo da fragilidade política de Bolsonaro para ampará-lo contra
um impeachment e prosperarem à sombra do governo. Como grande parte desses
partidos se move mais por vantagens e poder, é difícil prever como se
comportarão diante de um eventual governo Lula. Lula já abraçava esses partidos
nas coalizões de seus dois mandatos. Eles costumam se dobrar à força eleitoral
do presidente eleito, pelo menos por um tempo, e à sua vontade política de
aprovar projetos no Congresso.
Bolsonaro terceirizou a coordenação política e lixou-se para o jogo parlamentar ou para as reformas, pelas quais não têm apetência. Mas atribuir à força redobrada dessa bancada fisiológica chances maiores de realização de reformas é ignorar o passado recente, onde a mesma ilusão prosperou. Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez.
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