sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

Editoriais / Opiniões

Ação da PF mostra onde vai parar o orçamento secreto

O Globo

Suspeita de corrupção na Codevasf é mais uma prova de que STF tem o dever de eliminar emendas do relator

O afastamento, por ordem da Justiça, de um gerente da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf), suspeito de receber propina para desviar recursos públicos, expõe os tentáculos da corrupção na estatal, controlada pelo Centrão e considerada uma espécie de paraíso do orçamento secreto. Era previsível que a transferência de verbas das emendas do relator para a Codevasf acabasse em roubalheira. Não deu outra.

A decisão da Justiça ocorre na esteira da Operação Odoacro, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em julho. Na época, a PF prendeu o empresário Eduardo José Costa, conhecido como Imperador e apontado como sócio oculto da empreiteira Construservice, uma das maiores beneficiadas pelas licitações da Codevasf. O servidor afastado é acusado de receber R$ 250 mil de empresas investigadas por fraudes em concorrências.

Além de desmentirem o discurso do presidente Jair Bolsonaro de que não há corrupção no atual governo, as fraudes na Codevasf são um exemplo eloquente dos descaminhos do orçamento secreto, a destinação de recursos orçamentários sem transparência nem critérios técnicos por meio das emendas do relator, identificadas pela sigla RP9. Em 2022, havia previsão de R$ 610 milhões em emendas para a Codevasf, mas elas chegaram a R$ 2,7 bilhões. Na lei orçamentária de 2023, as emendas do relator somam R$ 19,4 bilhões, R$ 3 bilhões a mais que em 2022.

Faria bem o Supremo Tribunal Federal (STF) se pusesse logo em pauta o julgamento das ações dos partidos PSB, Cidadania e PSOL que contestam a constitucionalidade dessas emendas. Elas passam ao largo da sociedade, que não obtém informações claras sobre seu destino. Recém-empossada como presidente do STF, a ministra Rosa Weber fez questão de manter a relatoria das ações, quando poderia passá-las para algum outro ministro.

No ano passado, ela já determinara em liminar que o Congresso desse transparência à tramitação das emendas RP9, com a divulgação do volume de recursos movimentado pelo parlamentar e do beneficiário das verbas. Em seguida, condicionou a liberação do dinheiro à inclusão dos valores movimentados numa plataforma própria, criada no Legislativo com essa finalidade. À época, O GLOBO revelou que apenas 30% dos recursos das emendas passaram a ser informados.

A explicação para tanto sigilo em torno das emendas do relator tem relação evidente com o destino dos recursos, ditado por interesses paroquiais, e não por políticas públicas comprovadas e decididas com transparência. O mecanismo cria oportunidade para superfaturamentos e beneficiamento de empresas em concorrências. É a porteira aberta à corrupção.

O preço pago por Bolsonaro para ser blindado no Congresso foi entregar essa fatia bilionária do Orçamento ao Centrão, sob o comando dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Distribui-se dinheiro com base em interesse político, não na necessidade da população. Pelo vulto a que chegaram e pela forma como são administradas, as emendas RP9 são uma afronta ao equilíbrio harmônico entre os Poderes da República. Já que nem o Legislativo nem o Executivo fazem algo a respeito, o STF tem o dever de acabar com elas.

Congresso com mais negros e mulheres reflete debate em prol da diversidade

O Globo

Lei que destina mais recursos a candidaturas específicas pode ter ajudado, mas não é a única causa

O Congresso Nacional terá em 2023 um conjunto de parlamentares mais diverso. Na Câmara dos Deputados, as mulheres passarão a ser 18% dos 513 deputados, ante os 15% eleitos em 2018. Negros ocuparão 26% das cadeiras, ante 24% há quatro anos. O novo Congresso terá pela primeira vez duas mulheres transgênero e a maior bancada de indígenas da História, com cinco representantes. É verdade que, no Senado, as mulheres perderam dois assentos (haverá apenas dez senadoras entre os 81). Serão, em contrapartida, 20 senadores negros, ante os atuais 14.

Os números da diversidade vêm crescendo eleição a eleição. Embora ainda sejam necessárias pesquisas sérias a respeito, é razoável supor que tenha surtido algum efeito a lei que obrigou os partidos políticos a destinar mais recursos da campanha eleitoral a candidaturas de mulheres e negros — pelo menos na Câmara.

Essa pode ser uma das razões para a transformação, mas certamente não a única. Nos últimos anos, o debate em prol da diversidade tem crescido na sociedade. Está presente nos lares, nas ruas, na cultura, na educação e nos negócios. Faz sentido que o tema se reflita também na política. A maior evidência disso é o aumento de eleitos entre indígenas e transgêneros sem nenhum tipo de lei para favorecer tais grupos.

Fará bem ao Congresso ter um rosto mais parecido com a sociedade. Porém são descabidas as críticas dos que reivindicam paridade perfeita, exigindo que ele espelhe a população, com 51% de vagas para mulheres, 54% para negros etc. Gênero, cor da pele, orientação sexual ou cultura não são os únicos fatores a considerar na escolha dos candidatos. E é óbvio que negros e brancos podem ser aguerridos protetores dos direitos dos indígenas, homens podem defender pautas caras às mulheres e assim por diante. Na mão contrária, deputadas e senadoras podem votar a favor de retrocessos na pauta feminista.

A discussão iniciada depois do anúncio dos indígenas eleitos para a Câmara revela os limites do argumento em favor de cotas de cadeiras para grupos específicos. A esquerda elegeu Sonia Guajajara (PSOL-SP) e Célia Xakriabá (PSOL-MG). A direita elegeu Silvia Waiãpi (PL-AP), próxima à senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF). Para Guajajara, a futura colega Waiãpi não representa a luta dos povos indígenas, pois defende o presidente Jair Bolsonaro. Waiãpi afirma que Guajajara não entende o Norte do Brasil, onde está a maior concentração de indígenas do país, por ter nascido no Nordeste e sido eleita por São Paulo.

Essa troca de farpas é prova de que, na política, não há blocos monolíticos. Negros, mulheres, indígenas, transgêneros e outras minorias podem ser de esquerda ou direita, religiosos ou ateus, liberais ou conservadores. A origem, cor da pele ou orientação sexual de alguém não determina suas crenças políticas. O valor da diversidade não está em ampliar bancadas específicas, mas em assegurar, por meio da maior variedade de origens e histórias pessoais, maior pluralidade de perspectivas para enriquecer o trabalho do Parlamento.

A urna e o cofre

Folha de S. Paulo

Bolsonaro compromete o erário por reeleição e realimenta teorias conspiratórias

A tentativa desesperada de reeleger o presidente Jair Bolsonaro (PL), que terminou o primeiro turno em desvantagem inédita para um incumbente, compromete cada vez mais o futuro das contas públicas. O Planalto empilha promessas que não cabem no Orçamento.

Não bastassem os múltiplos furos já produzidos no teto de gastos federais e as carências de recursos para despesas humanitárias básicas —inexiste, por exemplo, previsão de receitas para manter o Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de janeiro de 2023—, o mandatário flerta com mais irresponsabilidades na sanha de arrebatar o pleito.

Se o problema imediato do candidato situacionista é a rejeição das mulheres e do eleitorado mais pobre, ele não hesita em financiar a sua resposta no Tesouro Nacional. Promete um 13º pagamento do auxílio que substituiu o Bolsa Família, mas direcionado apenas às beneficiárias do programa.

Uma ação mais descaradamente eleitoreira seria possível apenas caso se exigisse da receptora do pagamento extraordinário uma comprovação de voto no presidente.

O ciclo eleitoral de 2022 terá sido um marco do enfraquecimento das instituições fiscais e políticas que refreiam o uso da máquina e dos dinheiros públicos para finalidades eleitorais. As chamadas emendas de relator, o fundo partidário recorde, as soberbas reduções de impostos e a abrupta elevação de gastos desequilibram a disputa a favor de quem tem mandato e dos oligarcas que controlam as siglas.

Às favas também foram mandadas as preocupações com a manutenção dos programas e das organizações federais. Corta-se sem pestanejar verba para fármacos e educação, e semeiam-se descontinuidades de políticas públicas para os meses vindouros, a fim de alimentar o vórtice da caça ao voto.

Mesmo com toda a vantagem extraída do erário, o presidente não parece contentar-se com a hipótese de vencer ou perder a reeleição nas urnas no próximo dia 30.

Voltou a ventilar a ideia estapafúrdia de que teria sido vítima de fraude na apuração dos votos no primeiro turno, como se uma conspiração implantada no mecanismo de divulgação da Justiça Eleitoral lhe tivesse tirado a vitória à medida que a contagem avançava.

A pilhéria não resiste à constatação de que as regiões mais bolsonaristas do país tiveram a sua votação divulgada antes das mais petistas. O resultado de uma eleição é o mesmo independentemente da ordem em que se contam os votos.

A maluquice propagada pelo presidente da República se presta a manter acesa a centelha da baderna em caso de derrota nas urnas. Arrombar seja o cofre, seja a institucionalidade democrática, continua em seus planos delirantes.

Petróleo em guerra

Folha de S. Paulo

Opep reduz produção; Ocidente teme recessão e vê a medida como apoio a Putin

O cartel de países produtores de petróleo —Opep+, que inclui a Rússia— anunciou redução das cotas de produção em 2 milhões de barris por dia. A providência logo elevou as cotações do barril do tipo Brent em mais de 5%, para US$ 94.

Não é certo que o efeito seja duradouro, já que os países na prática vinham produzindo bem menos do que a cota anterior, de modo que a medida agora tem impacto menor do que o volume anunciado.

De toda forma, importa a sinalização. O corte foi justificado como um incentivo para investimentos e produção a longo prazo.

Não sensíveis a tal argumento, países do Ocidente, em particular os EUA, veem na decisão um alinhamento do cartel com a Rússia. Preços mais altos beneficiam os cofres de Vladimir Putin, que assim pode manter sua máquina de guerra em funcionamento na Ucrânia.

Além disso, as economias americana e europeia estão fragilizadas pelo choque inflacionário e o aumento acelerado dos juros nos últimos meses. Custos de energia maiores só exacerbam a possibilidade de recessão num contexto internacional já difícil.

É plausível, entretanto, que a decisão do cartel não seja propriamente um aceno a Putin, e sim uma resposta à ameaça ocidental de fixar um teto para os preços das importações do petróleo russo.

O mecanismo ainda não está definido, mas é provável que eventuais limites de preços obriguem a Rússia a vender com desconto em outros mercados, afetando a receita dos demais produtores. Um cartel de compradores seria uma novidade perigosa para a Opep+, e o anúncio do corte de produção pode ter o objetivo de alertar o Ocidente.

A Arábia Saudita, maior produtor mundial e na prática líder da organização, não gostaria de permitir tal precedente, que um dia pode se voltar contra ela —por razões geopolíticas, humanitárias, ou porque o Congresso dos EUA decidiu que o petróleo está caro demais.

A decisão também enfraquece ainda mais a aliança estratégica com os americanos, que já não são os principais clientes —perderam o posto para a China. As consequências de longo prazo dessa mudança ainda são desconhecidas.

Seja como for, preços mais altos exacerbam a inflação e diminuem o poder de compra dos consumidores. No Brasil, o aumento das cotações dificulta novas reduções dos preços de combustíveis, um tema de forte apelo eleitoral para o governo Jair Bolsonaro (PL).

Lula precisa fazer jus a tanto apoio

O Estado de S. Paulo

Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha cedem valor de seu legado à candidatura do petista, o que não é endosso à desconhecida política econômica de sua campanha

A candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu um apoio de peso do mundo econômico nos últimos dias. Os economistas Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha, que tiveram papel-chave na implantação do Plano Real, declararam voto no petista por meio de uma nota pública tão sucinta quanto simbólica. “Votaremos em Lula no 2.º turno; nossa expectativa é de condução responsável da economia”, afirmam.

A nota diz tudo sobre o posicionamento do grupo – e, a despeito de seu tamanho, não é pouco. Não há imposição de condições para o anúncio de apoio à candidatura de Lula. Não há sugestão sobre a âncora a ser adotada em substituição ao teto de gastos. Não há críticas à heterodoxia que marcou o segundo mandato do petista e que foi extrapolada por sua sucessora, a ex-presidente Dilma Rousseff. Esses são conceitos que estão implícitos no pensamento liberal que norteou a atuação desses economistas, e que foram deixados de lado pelo retrocesso civilizatório e pela ameaça democrática que o grupo vê na reeleição do presidente Jair Bolsonaro. Logo, é dever de Lula e sua equipe de campanha fazerem jus a esse inestimável voto de confiança e apresentarem compromissos claros e críveis que conduzam o País a uma rota de desenvolvimento econômico sustentável.

O Plano Real – que, convém lembrar, foi hostilizado pelo PT – foi um divisor de águas na história brasileira. Domar a hiperinflação proporcionou a estabilidade que a sociedade desconhecia e almejava. Foi a maior conquista do plano econômico, mas ele não se limitou a isso. Além de devolver o poder de compra à moeda brasileira, ele deu início a um período de aumento de receitas e redução de despesas e de uma política fiscal alinhada à política monetária, sem gastança desenfreada e marretadas artificiais nos preços dos combustíveis. Reduzir a inflação teria sido impossível sem o compromisso de atingir, também, o equilíbrio fiscal – o oposto do que o governo de Jair Bolsonaro e o ministro Paulo Guedes promoveram nos últimos anos.

O sucesso do Plano Real não rendeu apenas frutos econômicos, mas também políticos – o líder da equipe do Real, Fernando Henrique Cardoso, elegeu-se e reelegeu-se presidente, sempre no primeiro turno. Mas nem tudo foram flores. Logo após a reeleição, o País teve que fazer ajustes para enfrentar crises internacionais, mas a adoção do tripé macroeconômico, composto por câmbio flutuante, metas de inflação e metas fiscais, deu sustentação ao crescimento que se seguiu nos anos posteriores.

Foi somente depois do Plano Real que o País aprendeu que o equilíbrio das contas públicas não é um dogma, mas uma premissa para a execução de qualquer política econômica, independentemente da linha defendida pelo governante de plantão. É esse o significado de uma “condução responsável da economia”, e é em nome disso que Pedro Malan, Arminio Fraga, Persio Arida e Edmar Bacha emprestam agora seu legado à candidatura de Lula – o que evidentemente não se traduz em endosso à política econômica da campanha, que, por sinal, nem sequer é conhecida.

Como mostrou o Estadão, a equipe de campanha do petista tem sido incapaz de se entender em relação ao rumo da política fiscal que seu governo seguirá caso seja eleito. Enquanto a ala política defende o retorno dos superávits primários e a fixação de bandas, a ala econômica é favorável a um mecanismo de controle de gastos que permita aumentar as despesas acima da inflação. Em ambos os casos, o diabo mora nos detalhes e, como Arminio Fraga disse ao Estadão, no escuro da irresponsabilidade fiscal, os pobres são os mais prejudicados.

É preciso mais do que a vaga sinalização do ex-ministro Guido Mantega sobre o acolhimento de propostas dos ex-candidatos Ciro Gomes e Simone Tebet no programa do partido, e bem mais do que o silêncio do coordenador da campanha, Aloizio Mercadante. É preciso que Luiz Inácio Lula da Silva apresente um programa econômico crível. Como não o fez até agora, das duas, uma: ou não o tem ou não quer mostrar. Em qualquer dos casos, é péssimo.

O joio e o trigo no sistema representativo

O Estado de S. Paulo

Se cláusula de barreira corrige as distorções da fragmentação partidária, o financiamento público a partidos e o orçamento secreto estão concentrando o poder nos mesmos de sempre

Enquanto políticos, analistas e eleitores se debruçam sobre o resultado das urnas para mapear as novas composições do poder no Executivo e no Legislativo, em âmbito federal e estadual, as eleições são também o momento de avaliar os vícios e as virtudes do sistema representativo para sanear os primeiros e otimizar as últimas.

No Brasil, a quantidade de partidos e de recursos alocados para a sua sustentação e suas campanhas é aberrantemente maior do que em outros países. Segundo dados levantados no estudo Quão diferente é o sistema político brasileiro?, publicado pela Câmara dos Deputados, entre 33 países o Brasil tem de longe o maior número de partidos efetivos (15, enquanto a média é de 4,5); o maior custo por parlamentar (528 vezes a renda média do brasileiro, enquanto a média é de 40); e o maior financiamento público de partidos (US$ 446 milhões ao ano, enquanto a média é de US$ 65,4 milhões).

Recentemente, houve uma série de mudanças pontuais, mas significativas para corrigir distorções no sistema representativo, entre elas o fim das coligações partidárias nas eleições proporcionais ou a proibição, por parte do STF, de financiamento de campanha por empresas. Uma das mais relevantes foi a cláusula de barreira, aprovada em 2017. Ao fixar porcentuais mínimos de números de parlamentares eleitos e coeficientes de Estados para que os partidos tenham acesso aos Fundos Partidário e Eleitoral e tempo de TV, a cláusula de barreira foi um passo importante para remediar a distorção talvez mais nociva do sistema representativo brasileiro: a fragmentação partidária.

A proliferação de legendas impacta o custo da governabilidade e a capacidade dos partidos de impor uma coesão entre seus membros, além de estimular o fisiologismo. A comparação internacional evidencia que, quanto maior o número de partidos, menor o grau de mudanças políticas.

A cláusula de barreira limita os incentivos a partidos nanicos, que, sem votos e sem representatividade, servem apenas a seus donos. Aqueles que não ultrapassam os porcentuais mínimos são incentivados a se fundir com outros, o que os obriga a negociar e pactuar conteúdos programáticos mais consistentes. Foi o caso, nas últimas eleições, de cinco partidos (PTB, PSC, Patriota, PROS e Solidariedade) que já discutem seu futuro em conjunto.

Se a cláusula de barreira está corrigindo distorções, outros mecanismos as estão perpetrando. Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, o porcentual de renovação da Câmara caiu para 40%, um dos menores nas últimas décadas. Essa é uma consequência do sistema espúrio de financiamento aos partidos.

Hoje, os partidos dependem quase que exclusivamente de recursos públicos para se custear e promover suas campanhas. Essa garantia é uma das razões que distanciam os líderes das bases e os próprios partidos dos cidadãos. Os feudos são controlados por poucos caciques que determinam a distribuição de recursos sem transparência, sempre a favor de seus apaniguados.

Somem-se a isso as distorções introduzidas pelo chamado orçamento secreto, que deu discricionariedade ao relator do Orçamento para distribuir, em troca de apoio ao governo, emendas a parlamentares utilizadas por congressistas para favorecer seus redutos eleitorais. Levantamento de O Globo mostrou, por exemplo, que 10 dos 13 deputados beneficiados com valores acima de R$ 100 milhões em emendas foram reeleitos com desempenho nas urnas superior ao de 2018.

Assim, a cláusula de barreira está reduzindo o número de partidos, e isso é sadio. Por outro lado, o financiamento público de campanha e o orçamento secreto estão concentrando os recursos nas mãos de uns poucos que tendem a se perpetuar no poder. É um claro atentado ao princípio da igualdade de oportunidades que desequilibra a competitividade eleitoral. Em outras palavras, a se manterem esses mecanismos, bancados com o dinheiro do contribuinte, a tendência da representação política no Brasil é que seja cada vez mais “mais do mesmo”. É a “velha política” no poder, e cada dia mais envelhecida.

Compra de votos explícita

O Estado de S. Paulo

Ao propor 13.º para o Auxílio Brasil, Bolsonaro expõe convicção de que o voto das mulheres vulneráveis está à venda

O presidente Jair Bolsonaro decidiu aumentar o lance no leilão pelo voto dos mais pobres. Passado o primeiro turno, o governo não esperou um dia sequer para anunciar a antecipação do calendário de pagamentos do Auxílio Brasil. Até então, as transferências estavam programadas para serem encerradas no dia 31 de outubro, depois, portanto, da segunda etapa da disputa eleitoral. Não foi – nem será – a única investida. O governo prometeu um 13.º benefício para os 16,7 milhões de famílias chefiadas por mulheres. Antes, havia regulamentado uma modalidade criminosa de crédito consignado que tem tudo para expor os vulneráveis ao superendividamento.

É um feito impressionante. O arremedo de programa social que o governo inventou para substituir o bem-sucedido Bolsa Família paga mais, alcança um número maior de pessoas e não cobra qualquer contrapartida dos beneficiários, como o cumprimento do calendário vacinal ou a presença escolar obrigatória de seus filhos. E, a despeito do escancarado uso da máquina pública, cujo peso é muito maior que o Fundo Eleitoral, o presidente/candidato permanece na segunda posição com possibilidades reais de derrota. Para enquadrar o Auxílio Brasil ao Orçamento-Geral da União, o governo violou o teto de gastos, mas fez um esforço para criar um discurso social minimamente crível a justificar essa opção. Se nunca houve preocupação genuína com o bem-estar dos mais pobres, antes havia um mínimo de pudor, agora completamente abandonado.

Como nada disso gerou o efeito esperado, o governo se converteu em um puxadinho da campanha bolsonarista e compactua com seus devaneios sem qualquer empenho para manter a credibilidade. A proposta formal para o Orçamento de 2023 desmente a si própria e promete manter o piso em R$ 600 sem reservar os R$ 52,5 bilhões extras para custeá-la. A ela se junta o 13.º benefício às mulheres, cujo custo é estimado em R$ 10 bilhões. Não houve – nem haverá – qualquer explicação sobre a fonte de recursos para bancar a medida, tampouco sobre sua necessidade. Afinal, há algumas semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ser impossível que milhões de pessoas estivessem passando fome no País, dando a entender que o piso era suficiente para garantir todas as necessidades e despesas fixas de uma família. O que mudou para justificar a criação do 13.º benefício?

Há algo em comum a tudo que envolve o Auxílio Brasil desde sua concepção. Todas as discussões sobre o programa sempre foram superficiais e centradas unicamente no valor final a ser pago aos beneficiários, expondo a profunda convicção do presidente e de sua equipe de ministros de que o voto dos mais vulneráveis, de forma geral, e das mulheres mais pobres, em particular, está à venda. Quando era deputado federal, Bolsonaro chamou o Bolsa Família de bolsa farelo e chegou a compará-lo à prática do voto de cabresto. Sua opinião, evidentemente, não se alterou. A diferença é que agora ele espera colher frutos adotando uma estratégia que sempre condenou. 

Poder no Congresso se desloca para a direita

Valor Econômico

Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez

A combinação da proibição de coligações partidárias em eleições proporcionais, que estreou neste ano, com a cláusula de desempenho, começou a produzir fortes efeitos na configuração partidária do Congresso. Da barafunda de 32 siglas, seis perderão fundo eleitoral, fazendo companhia a 8 legendas que já não tinham atingido o mínimo exigido em 2018. Refletindo uma tendência iniciada no pleito de 2014, os partidos fisiológicos, mais conservadores, obtiveram uma fatia maior de vagas na Câmara e no Senado, em detrimento da esquerda, representada pelo PT (em federação com PCdoB e Rede).

Houve concentração partidária no Congresso, potencializada pelo enorme fundo eleitoral de R$ 5 bilhões, que deu vasto poder às cúpulas e elevou a barreira financeira para partidos menores e legendas de aluguel que, ao mesmo tempo, perderam a chance de colar em candidatos bons de voto para eleger representantes. Como o financiamento de campanha é exclusivamente público, com a perda de recursos do fundo partidário e tempo de propaganda na TV, essas legendas morrerão.

A grande fragmentação partidária, com 32 legendas, e novas a caminho, foi beneficiada pela permissão de coligações e pela ausência de desempenho mínimo. Com regras retrógradas, os partidos são quase uma repartição do Estado, da qual proveem os recursos para sobrevivência. São raros os que têm fatia significativa de sustentação advinda da contribuição de apoiadores. A mudança ocorrida é boa e vai na direção correta. A maior parte das legendas reprovadas no teste nas urnas não fará falta, nem deixará saudades nos eleitores.

A representação partidária, por outro lado, adensou-se. A esquerda passa a gravitar com mais força do que antes em torno do PT, que já havia arrastado para sua federação o PCdoB, e a Rede, ambos ameaçados de extinção. PDT e PSB saíram menores do que entraram nas eleições deste ano - os socialistas perderam 10 cadeiras na Câmara. O PT subiu de 56 deputados para 68, a segunda maior legenda da Casa. O Psol cresceu para 12 deputados, peso insuficiente para rivalizar com o do partido de Lula.

Os partidos de centro encolheram. A queda mais notável, em decadência que pode se revelar irreversível, é a do PSDB, nascido de uma dissidência social-democrata do então PMDB e que governou a República por oito anos. Aos economistas ligados ao partido se deve o fim da elevada inflação brasileira, a continuidade do processo de privatizações e da modernização do Estado. Após a conquista da Presidência pelo PT, os tucanos passaram a flertar com posições conservadoras até tentarem impugnar a eleição de Dilma Rousseff.

João Doria pegou carona na onda bolsonarista para se eleger, suplantando a velha guarda do partido e imprimindo um rumo conservador aos tucanos. Coube a Rodrigo Garcia, egresso do DEM, declarar apoio incondicional a Bolsonaro e ao PSDB liberar seus filiados para votarem em quem quiserem. Os tucanos perderam o comando do Estado mais rico do país, após 28 anos de governo.

Os partidos que apoiam Bolsonaro, com orientação de direita, aumentaram sua fatia de poder no Congresso. O PL tornou-se a maior bancada da Câmara, com 99 deputados e também do Senado (13 senadores). O núcleo que apoia o presidente (PL, PP e Republicanos) conquistou 187 cadeiras. O União Brasil, que negocia com o PP uma federação, obteve mais 59. Se a eles se somarem MDB e PSD de Kassab, que têm tido comportamento governista, a conta chega a 330 deputados, perto de dois terços da Casa.

A desafinada orquestra do Centrão, que começou a ser organizada por Eduardo Cunha, foi posta sob ordem unida pelo PP e PL, que entraram no vácuo da fragilidade política de Bolsonaro para ampará-lo contra um impeachment e prosperarem à sombra do governo. Como grande parte desses partidos se move mais por vantagens e poder, é difícil prever como se comportarão diante de um eventual governo Lula. Lula já abraçava esses partidos nas coalizões de seus dois mandatos. Eles costumam se dobrar à força eleitoral do presidente eleito, pelo menos por um tempo, e à sua vontade política de aprovar projetos no Congresso.

Bolsonaro terceirizou a coordenação política e lixou-se para o jogo parlamentar ou para as reformas, pelas quais não têm apetência. Mas atribuir à força redobrada dessa bancada fisiológica chances maiores de realização de reformas é ignorar o passado recente, onde a mesma ilusão prosperou. Quando o presidente caiu no colo do Centrão, as reformas estancaram de vez.

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