Valor Econômico
O sentimento de injustiça decorrente da
cobrança de impostos fez com que a “ciência” da tributação evoluísse
razoavelmente ao longo da história
Consta no Evangelho de São Marcos que Jesus
se reuniu à mesa com cobradores de impostos, entre eles Mateus, que viria a se
tornar seu discípulo. Ouvindo reclamação dos escribas por se reunir com este
“tipo” de pessoa, Jesus respondeu: “Não vim chamar os justos, mas os
pecadores”.
Justiça e tributos parecem não caber na mesma
frase (ou mesa) desde os tempos de Cristo. A fim de esclarecer melhor a posição
de Jesus na questão tributária, cabe citar o próprio São Mateus. Jesus quando
questionado se era lícito pagar “tributo a César, ou não”, respondeu
prontamente: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”.
O sentimento de injustiça decorrente da cobrança de impostos fez com que a “ciência” da tributação evoluísse razoavelmente ao longo da história. Adam Smith há quase 250 anos já definia em seu livro “A Riqueza das Nações” (1776) princípios de tributação que são, ou deveriam ser, a base para um sistema tributário justo e eficiente. É sobre estes princípios que gostaria de fazer comentários e mostrar o quanto são importantes para o Brasil no momento em que estamos discutindo a reforma no sistema de tributação.
Adam Smith analisa os tipos de impostos
existentes à época. No entanto, ele dá muita atenção aos princípios tributários
que chama de máximas. O primeiro deles estipula que a contribuição (tributo)
para custear o governo deve ser, no máximo possível, proporcional às
habilidades do contribuinte. Quase 200 anos depois (1976) o prêmio Nobel J.E.
Stiglitz e A.B. Atkinson ainda buscavam uma forma de medir as habilidades a fim
de determinar a tributação ótima. Adam Smith sugeriu medir a habilidade a
partir da a receita obtida sobre a “proteção daquele estado”. Temos este
princípio refletido no texto da Constituição Federal onde os “os impostos...
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Adam Smith
conclui que a observação ou não deste princípio seria a diferença entre
equidade ou iniquidade do sistema tributário.
De quebra, o autor institui o princípio da
territorialidade quando diz que o Estado tem direito de tributar o resultado
daquilo obtido sobre a sua “proteção”.
Adam Smith diz que o tributo deve ser cobrado
no tempo e na forma que seja a mais conveniente para o contribuinte pagar.
Assim, contribuinte deveria gastar pouco tempo para pagar e declarar o tributo.
Tão básico, mas ainda não aprendemos
A próxima máxima proclamada pelo autor é que
o imposto deve ser certo e não arbitrário. Isto é, a regra de cobrança deve ser
previamente estabelecida e a cobrança do imposto será feita na forma e no tempo
determinado. Para aqueles que acham que a definição de tributo pelo nosso
Código Tributário (CTN) foi algo pensado profundamente pelos seus autores, digo
que podem estar enganados. Bastava passar os olhos nos dizeres de Adam Smith
para definir tributo como uma prestação compulsória instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada (regrada), como consta
no CTN.
O fundador da ciência econômica acrescenta
que a cobrança deve ser clara e simples, em outras palavras, nada de
obscurantismo tributário que gere incertezas tributárias (e contencioso).
Fazendo um julgamento de valor ele afirma que mesmo um grau considerável de
desigualdade na tributação é melhor do que um pequeno grau de incerteza. Para
ele, a incerteza e por consequência a arbitrariedade é o pior dos males.
O terceiro enunciado de Adam Smith diz que o
tributo deve ser cobrado no tempo e na forma que seja a mais conveniente para o
contribuinte pagar. Seguindo este princípio, o contribuinte deveria gastar
pouco tempo para pagar e declarar o tributo. O compliance tributário deve ser o
menor possível para facilitar a vida do contribuinte. Tão básico, mas ainda não
aprendemos.
Interessante é que no mesmo enunciado, o
autor afirma que a cobrança do imposto sobre o consumo é mais conveniente para
o consumidor-contribuinte. A ideia por trás desta afirmação é a de que ao
contrário de tributar lucros e salários, que já reduz imediatamente o recurso
na mão do indivíduo, o tributo sobre o consumo só é pago na medida que a pessoa
decide comprar. Aqui podemos sentir um “cheiro” da ideia de que tributo sobre o
consumo não influencia a decisão de poupar do indivíduo.
Adam Smith ainda adiciona um quarto princípio
onde ele se preocupa com o processo de arrecadação de tributos. O dinheiro que
é retirado do bolso do contribuinte deve ser o mais próximo possível daquele
que entra nos cofres públicos. Uma máquina arrecadadora cara levaria a um
aumento do imposto cobrado para cobrir os custos de cobrança.
A cobrança de multas sobre aqueles que tentam
sonegar pode levar a empresa a ruína pondo um fim ao benefício econômico gerado
por aquele empreendimento. Em uma forma mais contemporânea de analisar esta
afirmação pode nos levar à conclusão de que penalidades elevadas e, muitas
vezes, desproporcionais, não são justas e são ineficazes em prevenir infrações.
O autor ainda faz uma curiosa afirmação sobre este assunto: a lei tributária,
contra qualquer senso comum de justiça, cria a tentação e depois pune aqueles
que se rendem a ela.
Falando ainda da administração tributária,
Adam Smith passa perto do princípio do sigilo fiscal, ao afirmar que frequentes
visitas da fiscalização podem levar a situação vexatória para o contribuinte, o
que atrapalharia os negócios.
Além dos princípios básicos da tributação, o
autor ao descrever os tipos de impostos existentes acaba tirando conclusões bem
atuais e aplicáveis à atual reforma tributária do consumo. Em uma destas
passagens Adam Smiths conta que em 1727, na localidade de Montauban na França,
o imposto sobre as terras estava sendo cobrado com base em um regime
desatualizado e injusto. Segundo a descrição que consta no seu livro “A Riqueza
das Nações”, dois distritos eram, pelo sistema antigo, igualmente tributados em
mil livres (moeda à época). Porém, considerando a habilidade de pagamento, uma
propriedade em um distrito deveria pagar 900 livres e a outra 1.100 livres. A
solução encontrada pelo governo foi aplicar a tributação de 1.100 livres no
distrito que tinha capacidade de pagamento e transferir 100 para o outro
distrito fazendo com que este pagasse efetivamente os 900. Parece que o
cashback não é uma novidade na área tributária com estamos alardeando
recentemente.
*Eduardo Fleury é advogado e economista, consultor do Banco Mundial, sócio e head da área tributária de FCR Law, Mestre e Doutorando (S.J.D.) em Tributação pela Florida University (EUA), especialista em International Tax Planning pela Leiden University (Holanda), Especialista em Direito Empresarial nos EUA pela Harvard Extension School.
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