quinta-feira, 20 de novembro de 2025

A Black Friday do Estado policial, por Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Quem entrar no gabinete de Lula movido pela expectativa de arrancar panos quentes no Master corre o risco de sair com as mãos abanando

Quem entrar no gabinete presidencial movido pela expectativa de arrancar panos quentes, tamanho é o imbricamento do caso Master, corre o risco de sair com as mãos abanando. Lula I e II tinham um projeto de poder. O de Lula III é um projeto de legado que passa, sim, pela extensão do poder até 2030, mas se invalidará se abrigar as petições desta pauta, venham do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal, da Casa Civil ou do Ministério das Minas e Energia.

Sem preso algemado, condução coercitiva, imprensa na porta das operações, coletivas espalhafatosas ou uma máquina de conluios como a de Curitiba, é o Estado policial que está de volta. Na verdade, uma prolongada Black Friday do Estado policial, que vai garantir emoção na folhinha do calendário até o fim do primeiro semestre de 2026. Dos desdobramentos dos inquéritos que resultaram no desbaratamento das fraudes do INSS ao caso Master, passando pela operação Carbono Oculto e pela venda de sentenças no STJ, cabe tudo lá.

A operação nos morros do Alemão e da Penha, no Rio, seguida pela escolha do deputado Guilherme Derrite (PP-SP) como relator do PL Antifacção, deixaram claro, para o Palácio do Planalto, que a oposição havia encontrado, finalmente, um projeto de poder capaz de reeditar a dobradinha entre uma pauta (segurança pública), que saiu da direita para alcançar também o eleitorado da esquerda, e a ânsia do Centrão por proteção.

Pareceu não restar alternativa ao presidente senão guardar os traumas da Lava-Jato embaixo do colchão e deixar seguir. Além da proporção tomada pela dobradinha, explicitada nas seis versões do relatório de Derrite, colaborou ainda para o enfezamento presidencial a máquina de decisões judiciais do STJ que faz com que o governo consiga ganhar uma bolada num dia com uma aprovação suada no Congresso e perder duas boladas no outro com derrotas em série no Judiciário. O presidente Lula fez chegar a uma advogada de suas relações e com parente em Corte superior, que, se ela continuasse atuando de maneira desabrida numa causa gigantesca contra uma grande estatal, deveria saber que a União a derrotaria.

A pauta que o Palácio do Planalto está decidido a abraçar alia a um discurso para a segurança pública o carimbo do embate contra a corrupção. A direita sobe o morro para pegar os bagrinhos enquanto Lula pega os tubarões. Falta ver como o slogan muda a vida da mãe da periferia de Fortaleza cuja filha universitária salta no ponto de ônibus deserto às 23h para voltar pra casa, mas é o que o Palácio tem para hoje. Para amanhã há quem defenda que o programa de governo da campanha abrigue uma proposta de retomada de territórios ocupados pelo crime que vá além do que as UPPs foram capazes de oferecer. Há um projeto embrionário no Rio Grande do Norte nesse sentido do qual ninguém sabe ninguém viu.

Ainda não se encontrou uma saída para traduzir o impacto do combate à lavagem de dinheiro do crime organizado no cotidiano de uma população insegura, mas tampouco se encontrou um meio de o governo chamar para si a própria repercussão da operações da PF - cumpridas as regras de não exposição dos réus ou espetacularização das ações. Não há uma autoridade com perfil para tanto. A um ministro que argumentou ao presidente com a necessidade de se ter um porta-voz para o tema como a “loirinha” (Karoline Leavitt) de Donald Trump, Lula respondeu: “Minha loirinha é você”.

Foi em meio ao amadurecimento desta pauta no governo que o Congresso resolveu reagir - usando as armas que o próprio Executivo lhe deu, o PL Antifacção. A sexta versão do relatório de Derrite, protocolado no sistema da Câmara no momento em que o deputado começou a lê-lo no plenário, é uma mitigação das anteriores, mas continua a privar a PF de recursos e dificultar o confisco de bens das facções criminosas. Mantém ainda a criação de um novo tipo penal para facilitar a vida de advogados que resolvam partir para a tática protelatória explorando artigos em conflito de um emaranhado leis.

A relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE) permite mais diálogo, mas o problema é o próprio Senado, abespinhado com a escolha a ser anunciada do ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, para o STF, e com os desdobramentos da operação que levou a prisão do banqueiro do Master, Daniel Vorcaro.

As investigações que levaram à prisão têm meses e a votação do PL Antifacção já havia sido anunciada pelo presidente da Câmara, mas a concomitância dos fatos está longe de ser apenas uma coincidência. É causa e efeito, ação e reação, do governo e da oposição, tudo junto e misturado.

O que o Master traz para a roda com uma força inexistente em outras operações em curso é a capacidade de chacoalhar o sistema financeiro. Instituições que lucraram bilhões com os CDBs vitaminados do Master jogaram a conta para o Fundo Garantidor de Crédito. Tudo legal, imoral e importa porque a conta ficou para os grandes bancos - R$ 41 bilhões não é troco nem aqui nem em Malta.

O imbróglio tem força para conferir a este embate pressão por mudanças reais. Se não vai brotar do subsolo do Planalto uma fábrica de panos quentes, há uma chance real de seu inquilino estar do mesmo lado de grandes instituições financeiras para mudar o estado de coisas que, até aqui, alimentou as falcatruas do Master sob o abrigo dos Poderes.

 

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