O Globo
A concentração de riqueza e o racismo são
dois problemas interligados que persistem no Brasil, alimentando desigualdades
profundas e persistentes na sociedade
Na coluna de hoje trago um pouco sobre o
bate-papo com o Fernando Maskobi, consultor financeiro estrategista que aborda
a concentração de riqueza no Brasil e como isso está interligado ao racismo. A
concentração de riqueza e o racismo são dois problemas interligados que
persistem no Brasil, alimentando desigualdades profundas e persistentes na
sociedade. Essas questões têm raízes históricas que remontam ao período
colonial e à escravidão.
Conforme cita Fernando: “Num país onde a metade mais pobre possui menos de 1% da riqueza, fica difícil esperar um Brasil melhor sem encararmos o tema de concentração de riquezas de frente e com maturidade. De onde nasce a desigualdade social e qual a sua relação com o racismo? Qual o custo de viver numa sociedade com tamanha diferença social?
Vamos voltar um pouco na história. Do ponto
de vista social, o Brasil foi um dos, senão o último, país a sair do período
escravocrata, em 1888. Naquela época, a abolição foi votada pela elite,
evitando a reforma agrária. Portanto, numa população na qual negros e pardos
representam mais do que 50%, tivemos um total de 0% dessa etnia com direito a
compra de terras.
Sob o prisma econômico, vivemos num sistema
monetário baseado no crédito, no qual temos juros em cima de juros. Sem delonga
no sistema classista, comitês de diversidade nas empresas e movimentos como
o black lives matter (vidas negras importam) são fundamentais.
Entretanto, é como ‘colocar de colher enquanto o sistema econômico tira de pá’,
como dizia uma antiga chefe minha.
Precisamos ir mais fundo. A conta não fecha
e, por isso, mesmo com tanta visibilidade para o tema nos últimos anos, a
concentração de riquezas continua ampliando. Se não falarmos do tema com
maturidade, continuaremos romantizando o garoto(a) da comunidade que pegava
trem sem tênis e conseguiu uma bolsa em Harvard mesmo assim.”
A disparidade racial é igualmente evidente em
relação à educação e ao emprego. A taxa de analfabetismo entre negros é
consideravelmente mais alta do que entre brancos, e a representatividade de
negros em posições de liderança e cargos de alta remuneração ainda é limitada.
Segundo pesquisa do Instituto de Referência
Negra Peregum e do Projeto Seta, 81% das pessoas afirmam que o Brasil é um país
racista. A coleta de dados foi realizada em 127 municípios em 2023, com
participantes acima de 16 anos, num total de 2 mil pessoas. A pesquisa buscou
identificar como as pessoas compreendem o racismo.
“Mas vamos entender ainda melhor essa
engrenagem socioeconômica. Foram tirados os direitos dos negros de comprarem
terras e de terem acesso à educação, logo foram financeiramente e socialmente
prejudicados. Sem esse acesso, não participam na formulação e aprovação de leis
que ditam as ‘regras do jogo’. Com poder aquisitivo reduzido, são as pessoas
que se veem obrigadas a parcelar seus bens em inúmeras vezes pedindo mais
crédito aos bancos (aqui incide juros em cima de juros).
Comparado ainda aos Estados Unidos, a
criticidade no Brasil e muito maior. Falar de diversidade é considerar que os
negros são uma minoria. Porém, no Brasil, estamos falando da maioria. É muito
mais que diversidade, é direito de existir.
A cegueira social nos deixa cada vez mais
separados e apáticos, nos levando a naturalizar situações que não deveriam ser
comuns. Estamos tão identificados com a desigualdade social que sequer
conseguimos imaginar a sensação de liberdade que teríamos se vivêssemos numa
sociedade equilibrada. Ou será que é tão prazeroso assim viver cercado de
seguranças confinados em nossas bolhas?
O atual sistema claramente não funciona para
o pobre, que ainda luta todos os dias para sobreviver, mas não funciona para o
rico também, que precisa se isolar em suas bolhas. Nosso passado precisa ser
encarado e, acima de tudo, reparado. Pode parecer desafiador, mas precisamos
refletir e reparar!
Talvez, no mais íntimo, estejamos enfrentando
o medo de renunciar a conveniências e privilégios. Afinal, num sistema no qual
a competição é incentivada, talvez seja confortável viver em circunstâncias em
que a competitividade é baixa e a massa, desqualificada.”
Temos um grande caminho pela frente no
caminho da igualdade. Precisamos dar oportunidade, voz e amparo para aqueles
que foram discriminados durante toda sua existência. Precisamos lutar por um
país equânime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário