segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Rachel Maia - Concentração de riqueza e racismo no Brasil

O Globo

A concentração de riqueza e o racismo são dois problemas interligados que persistem no Brasil, alimentando desigualdades profundas e persistentes na sociedade

Na coluna de hoje trago um pouco sobre o bate-papo com o Fernando Maskobi, consultor financeiro estrategista que aborda a concentração de riqueza no Brasil e como isso está interligado ao racismo. A concentração de riqueza e o racismo são dois problemas interligados que persistem no Brasil, alimentando desigualdades profundas e persistentes na sociedade. Essas questões têm raízes históricas que remontam ao período colonial e à escravidão.

Conforme cita Fernando: “Num país onde a metade mais pobre possui menos de 1% da riqueza, fica difícil esperar um Brasil melhor sem encararmos o tema de concentração de riquezas de frente e com maturidade. De onde nasce a desigualdade social e qual a sua relação com o racismo? Qual o custo de viver numa sociedade com tamanha diferença social?

Vamos voltar um pouco na história. Do ponto de vista social, o Brasil foi um dos, senão o último, país a sair do período escravocrata, em 1888. Naquela época, a abolição foi votada pela elite, evitando a reforma agrária. Portanto, numa população na qual negros e pardos representam mais do que 50%, tivemos um total de 0% dessa etnia com direito a compra de terras.

Sob o prisma econômico, vivemos num sistema monetário baseado no crédito, no qual temos juros em cima de juros. Sem delonga no sistema classista, comitês de diversidade nas empresas e movimentos como o black lives matter (vidas negras importam) são fundamentais. Entretanto, é como ‘colocar de colher enquanto o sistema econômico tira de pá’, como dizia uma antiga chefe minha.

Precisamos ir mais fundo. A conta não fecha e, por isso, mesmo com tanta visibilidade para o tema nos últimos anos, a concentração de riquezas continua ampliando. Se não falarmos do tema com maturidade, continuaremos romantizando o garoto(a) da comunidade que pegava trem sem tênis e conseguiu uma bolsa em Harvard mesmo assim.”

A disparidade racial é igualmente evidente em relação à educação e ao emprego. A taxa de analfabetismo entre negros é consideravelmente mais alta do que entre brancos, e a representatividade de negros em posições de liderança e cargos de alta remuneração ainda é limitada.

Segundo pesquisa do Instituto de Referência Negra Peregum e do Projeto Seta, 81% das pessoas afirmam que o Brasil é um país racista. A coleta de dados foi realizada em 127 municípios em 2023, com participantes acima de 16 anos, num total de 2 mil pessoas. A pesquisa buscou identificar como as pessoas compreendem o racismo.

“Mas vamos entender ainda melhor essa engrenagem socioeconômica. Foram tirados os direitos dos negros de comprarem terras e de terem acesso à educação, logo foram financeiramente e socialmente prejudicados. Sem esse acesso, não participam na formulação e aprovação de leis que ditam as ‘regras do jogo’. Com poder aquisitivo reduzido, são as pessoas que se veem obrigadas a parcelar seus bens em inúmeras vezes pedindo mais crédito aos bancos (aqui incide juros em cima de juros).

Comparado ainda aos Estados Unidos, a criticidade no Brasil e muito maior. Falar de diversidade é considerar que os negros são uma minoria. Porém, no Brasil, estamos falando da maioria. É muito mais que diversidade, é direito de existir.

A cegueira social nos deixa cada vez mais separados e apáticos, nos levando a naturalizar situações que não deveriam ser comuns. Estamos tão identificados com a desigualdade social que sequer conseguimos imaginar a sensação de liberdade que teríamos se vivêssemos numa sociedade equilibrada. Ou será que é tão prazeroso assim viver cercado de seguranças confinados em nossas bolhas?

O atual sistema claramente não funciona para o pobre, que ainda luta todos os dias para sobreviver, mas não funciona para o rico também, que precisa se isolar em suas bolhas. Nosso passado precisa ser encarado e, acima de tudo, reparado. Pode parecer desafiador, mas precisamos refletir e reparar!

Talvez, no mais íntimo, estejamos enfrentando o medo de renunciar a conveniências e privilégios. Afinal, num sistema no qual a competição é incentivada, talvez seja confortável viver em circunstâncias em que a competitividade é baixa e a massa, desqualificada.”

Temos um grande caminho pela frente no caminho da igualdade. Precisamos dar oportunidade, voz e amparo para aqueles que foram discriminados durante toda sua existência. Precisamos lutar por um país equânime.


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