segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Carlos Pereira* - Regular a política é criminalizá-la?

O Estado de S. Paulo

Não existe solução ótima ao se (não) regular a política pela Justiça

Em conferência realizada em Paris, o ministro do STF Gilmar Mendes deixou clara a sua interpretação da relação entre a política e a Justiça. Para ele, “se a política voltou a ter autonomia, eu queria que fizessem justiça, foi graças ao STF (...), se a política deixou de ser judicializada e de ser criminalizada, isso se deve ao STF”. Disse isso ao se referir ao freio colocado pela Suprema Corte na Lava Jato.

É como se, para Gilmar, os atores políticos tivessem a capacidade de se autorregular sem a necessidade de interferências da Justiça, mesmo diante de potenciais riscos de comportamentos desviantes e oportunistas por parte dos políticos, como apontados pelo último relatório da OCDE. A entrada da Justiça regulando a política teria como efeito perverso a sua criminalização, o que seria mais custoso do que deixar que os políticos se autoequilibrassem.

No artigo The Problem of Social Cost, o economista Ronald Coase, laureado com o prêmio Nobel de Economia em 1991, propõe de forma contraintuitiva o seguinte teorema para ressaltar a importância das instituições: uma vez que os direitos de propriedade sobre um determinado recurso disputado forem bem definidos e os custos de transação forem iguais a zero, a negociação entre os agentes privados tenderá a levar à alocação eficiente desse recurso.

Ou seja, não haveria a necessidade de intervenção da Justiça para resolver externalidades negativas (corrupção) do mundo político, pois as negociações entre as partes já seriam economicamente e socialmente eficientes.

Entretanto, como lembra Coase, essas condições raramente são encontradas na realidade. Os custos de transação, especialmente no mundo político, não são baixos. Este é um ambiente de informação incompleta e assimétrica e, portanto, recheado de comportamentos oportunistas. Além do mais, existe na política uma indefinição dos direitos de propriedade sobre o poder, o que gera incertezas e problemas de negociação não apenas no presente, mas também no futuro.

A “solução” de Coase, portanto, não é considerada viável nem por ele mesmo. Daí a sua genialidade. Logo, ao contrário do que desejaria o ministro Gilmar, surge a necessidade da regulação. A sua ausência, como pretendia o governo Lula com o relaxamento da Lei das Estatais para a Petrobras, também traria altos riscos de externalidades negativas socialmente e economicamente indesejáveis.

É importante destacar, entretanto, que, como em qualquer área, os resultados da regulação da Justiça sobre a política raramente serão eficientes. Não existe solução ótima para esse dilema inexorável.

*Professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do Cebri

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