O Estado de S. Paulo
Não existe solução ótima ao se (não) regular
a política pela Justiça
Em conferência realizada em Paris, o ministro
do STF Gilmar Mendes deixou clara a sua interpretação da relação entre a
política e a Justiça. Para ele, “se a política voltou a ter autonomia, eu
queria que fizessem justiça, foi graças ao STF (...), se a política deixou de
ser judicializada e de ser criminalizada, isso se deve ao STF”. Disse isso ao
se referir ao freio colocado pela Suprema Corte na Lava Jato.
É como se, para Gilmar, os atores políticos tivessem a capacidade de se autorregular sem a necessidade de interferências da Justiça, mesmo diante de potenciais riscos de comportamentos desviantes e oportunistas por parte dos políticos, como apontados pelo último relatório da OCDE. A entrada da Justiça regulando a política teria como efeito perverso a sua criminalização, o que seria mais custoso do que deixar que os políticos se autoequilibrassem.
No artigo The Problem of Social Cost, o
economista Ronald Coase, laureado com o prêmio Nobel de Economia em 1991,
propõe de forma contraintuitiva o seguinte teorema para ressaltar a importância
das instituições: uma vez que os direitos de propriedade sobre um determinado
recurso disputado forem bem definidos e os custos de transação forem iguais a
zero, a negociação entre os agentes privados tenderá a levar à alocação
eficiente desse recurso.
Ou seja, não haveria a necessidade de
intervenção da Justiça para resolver externalidades negativas (corrupção) do
mundo político, pois as negociações entre as partes já seriam economicamente e
socialmente eficientes.
Entretanto, como lembra Coase, essas
condições raramente são encontradas na realidade. Os custos de transação,
especialmente no mundo político, não são baixos. Este é um ambiente de
informação incompleta e assimétrica e, portanto, recheado de comportamentos
oportunistas. Além do mais, existe na política uma indefinição dos direitos de
propriedade sobre o poder, o que gera incertezas e problemas de negociação não
apenas no presente, mas também no futuro.
A “solução” de Coase, portanto, não é
considerada viável nem por ele mesmo. Daí a sua genialidade. Logo, ao contrário
do que desejaria o ministro Gilmar, surge a necessidade da regulação. A sua
ausência, como pretendia o governo Lula com o relaxamento da Lei das Estatais
para a Petrobras, também traria altos riscos de externalidades negativas
socialmente e economicamente indesejáveis.
É importante destacar, entretanto, que, como
em qualquer área, os resultados da regulação da Justiça sobre a política
raramente serão eficientes. Não existe solução ótima para esse dilema
inexorável.
*Professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do Cebri
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