Cheia no Sul afeta toda a economia brasileira
O Globo
A maior perda são as vidas e os lares, mas o
drama já se traduz também em falta de emprego e renda
O Rio Grande do Sul precisará avaliar em
breve os estragos das enchentes na economia. O drama humano está hoje eloquente
nos relatos de mortes e nas imagens de casas submersas. A maior perda são as
vidas e os lares destruídos, mas o drama já se traduz também em falta de
emprego e renda. Quando as águas baixarem, a população afetada precisará voltar
à rotina de trabalho. Saber o que foi destruído nos setores industrial,
agrícola e de serviços é o primeiro passo para assegurar o retorno à
normalidade.
Dos municípios atingidos pelas cheias, 397 respondem por 92% da indústria, 91% dos serviços e 79% da agropecuária do estado. Mas ser afetado não significa necessariamente que toda a estrutura econômica tenha sido prejudicada. O Rio Grande do Sul já colheu 76% da soja, 83% do milho e 84% do arroz da atual safra, e nem toda a área plantada está sob as águas. As previsões falam em 2% de queda no PIB gaúcho, que representa 6,5% do brasileiro. Com uma economia interligada, principalmente aos demais estados do Sul, deverão ser afetadas várias cadeias produtivas nacionais. Na agricultura, sobretudo arroz, trigo e soja. Analistas preveem que o PIB brasileiro caia entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.
A análise exige cautela, porém, pois o
impacto não é homogêneo. Muitos perderam tudo com a tragédia. Os maiores
prejuízos ficaram com produtores de suínos, aves, grãos e hortaliças em vales
como Jaguari e Taquari. Num ano de seca, agricultores, criadores de animais e
donos de agroindústrias veem 12 meses de trabalho se dissipar. Num período
histórico de chuvas, a dimensão é outra. A água varre tudo, inclusive galpões e
máquinas. Não se trata de estar pronto para outra. Por isso, a resposta do
governo precisa ser diferente.
A enchente é um drama predominantemente
urbano, e a cheia atingiu o ponto mais densamente ocupado do estado — de Porto
Alegre à serrana Caxias do Sul. A região concentra o parque fabril gaúcho e
responde pela maior fatia do PIB estadual. Na Grande Porto Alegre, a indústria
emprega 128 mil, principalmente no setor mecânico. A Serra reúne 121 mil
industriários. No Vale dos Sinos, são 184 mil.
A Federação das Indústrias do Estado do Rio
Grande do Sul (Fiergs) ainda não tem estimativa confiável das perdas. É um
quadro com nuances. São evidentes os estragos nos 40 quilômetros entre Porto
Alegre e Novo Hamburgo, passando pelas parcialmente submersas Canoas, Sapucaia
do Sul e São Leopoldo. Caxias do Sul também está em estado de calamidade
pública, com risco de deslizamento de terra. Mas lá lideranças do setor
industrial veem a crise como oportunidade. A região manteve a base produtiva
preservada até o momento. “Vamos ter muitas alternativas. Seja fornecer
diretamente para as regiões afetadas, seja assumir etapas da produção”, diz
Celestino Loro, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC).
Os governos federal, estadual e municipais
não devem medir esforços para identificar quem precisa de mais ajuda. A tarefa
exige rapidez, mas também atenção para evitar desperdício. São urgentes os
investimentos em infraestrutura. Com aeroportos fechados, estradas
interrompidas e pontes caídas, as empresas que não foram invadidas pelas águas
se veem paralisadas pelo apagão logístico. Os gaúchos precisarão de ajuda não
apenas para limpar suas casas, mas também para voltar a trabalhar logo depois
que as águas baixarem.
Polícia de SP faz bem ao renovar programa de
câmeras corporais
O Globo
Secretário de Segurança mudou de postura e
afirmou que pretende ampliar uso do equipamento
É bem-vinda a mudança de postura do
secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme
Derrite, ao reconhecer que o uso de câmeras corporais pela polícia
pode ser bom tanto para o agente quanto para a população. É um avanço. Por
várias vezes, Derrite criticara o programa implantado em 2020, alegando que não
tinha eficácia, apesar da profusão de evidências em contrário. “A gente está
trazendo uma proteção para o policial, um auxílio nas investigações futuras de
qualquer tipo de crime com novas funcionalidades”, disse Derrite. Uma das
ideias é que os novos aparelhos sejam usados também no reconhecimento facial.
O uso de câmeras corporais pela polícia foi
eficaz ao reduzir a letalidade das operações e proteger os próprios agentes. Em
São Paulo, entre 2019 e 2022, as mortes em intervenções policiais caíram 76,2%
nas regiões em que o equipamento era usado (nas outras áreas, a queda foi de
33,3%). O aparelho também foi eficaz para evitar mortes de policiais. Entre
2021 e 2023, houve queda de 53,7% nesse tipo de crime em comparação com o
período 2017-2019, anterior à implantação do programa.
Apesar dos números, o governador Tarcísio de
Freitas (Republicanos) se mostrava hesitante. Ainda na
campanha, prometeu retirar os equipamentos, pois, segundo ele, deixavam os
agentes em desvantagem diante dos criminosos. Em janeiro, disse que daria
prosseguimento aos contratos existentes, mas não investiria novos recursos no
projeto. “Qual é a efetividade da câmera corporal na segurança do cidadão?
Nenhuma”, disse à época.
Pelo menos 56 pessoas morreram nas operações
Escudo e Verão, deflagradas pela polícia paulista nos últimos meses, após
mortes de policiais na Baixada Santista. A alta letalidade despertou críticas.
Durante as investigações, constatou-se que muitas das imagens das câmeras não
estavam disponíveis. No primeiro ano da gestão Tarcísio, houve aumento de 34%
nos mortos por policiais em serviço. No primeiro trimestre deste ano, de 139%.
A resistência às câmeras não acontece só em
São Paulo. No Rio, o governador Cláudio Castro (PL) protelou quanto pôde sua
instalação nas tropas de elite. Cedeu apenas por determinação do STF. Embora o
programa esteja em curso, nem sempre há imagens disponíveis quando necessárias.
A Corregedoria de Polícia apura casos de PMs que taparam as lentes das câmeras
ou as retiraram da farda em operações.
É patente o retrocesso que a gestão Derrite
promoveu na polícia paulista, ao abandonar práticas consolidadas ao longo de
anos, responsáveis pelos índices de criminalidade mais baixos no país. Apesar
disso, deve-se saudar a decisão sobre as câmeras corporais. As imagens gravadas
ficam em poder da própria polícia e não são divulgadas publicamente. Não há,
portanto, risco de expor os agentes. Além disso, nos casos específicos em que a
filmagem pode pôr em risco a vida do policial, a própria corporação avaliará a
conveniência de usá-la. As câmeras corporais trazem mais transparência e
segurança tanto para os policiais quanto para os cidadãos. Não há por que
temê-las.
Eventos extremos exigem adaptação já
Folha de S. Paulo
Para além da remediação, tragédia gaúcha
impõe urgência ao preparo do território para consequências da mudança do clima
A reação do poder público ao dilúvio
entornado sobre a população gaúcha não pode limitar-se a
salvamento e assistência, no curto prazo. Tampouco deveria focalizar só
reconstrução, a médio termo. Ambas as vertentes são cruciais, mas
insuficientes.
Não estão despreparadas só as cidades
gaúchas. Na última década, 93% dos 5.570 municípios brasileiros foram assolados
por desastres do clima,
e 3.679 do total (66%) têm capacidade adaptativa baixa ou muito baixa a tais
calamidades.
Passou da hora de implementar a adaptação do
país a eventos extremos. Se não começar já a executar as medidas complexas que
se exigem, a toda nova enchente o Brasil despenderá bilhões em providências
frenéticas para enxugar lama.
A cada hecatombe natural se evidencia que o
preço da inação supera o da precaução. O Planalto autorizou R$ 18 bilhões do
Novo PAC para
o Rio Grande do Sul castigado; antes
da tragédia, reservava meros R$ 15,3 bilhões de mais de R$ 1 trilhão em
investimento estatal e privado até 2027.
O Plano Clima em gestação deverá começar a
suprir a lacuna climática, após a demolição da pauta ambiental sob Jair
Bolsonaro (PL). As boas intenções abarcam envolvimento de 15 setores e
pactuação com estados e municípios.
Parece evidente que tal processo será lento.
Eventos extremos não vão esperar a costura política, como mostra o Rio Grande
do Sul, flagelado por meia dezena de tempestades em menos de um ano.
O excesso de chuvas na região por efeito do
aquecimento global estava mais que previsto por modelos científicos. Não faltam
especialistas e estudos para orientar a ação precavida de governantes, porém a
informação ou não chega aos tomadores de decisão ou eles não sabem o que fazer
com ela.
Mais escolas precisarão de ar condicionado
para ondas de calor; estradas necessitarão ser erguidas; sistemas de drenagem e
encostas não resistirão à pluviosidade aumentada; culturas como a da soja
perderão áreas aptas ao cultivo. Onde e quando, precisamente?
Não há como o Executivo federal centralizar
tantas ações imprescindíveis de adaptação, que demandam iniciativa dos outros
níveis de governo. Seu papel primordial é fazer chegar a eles a informação
preditiva contida nos cenários climáticos e providenciar os incentivos para que
atuem no sentido de diminuir os impactos.
Um bom começo seria condicionar a aprovação
de qualquer obra com dinheiro público a uma avaliação de riscos climáticos e a
um plano de adaptação correspondente. Foi o que começaram a fazer EUA e China,
entre outros, uma década atrás. Nosso atraso já tem consequências funestas.
Políticas para demências
Folha de S. Paulo
É bom que país dê atenção aos tratamentos,
dado o envelhecimento da população
Com o
envelhecimento da população do país, é importante o movimento
do Congresso
Nacional no sentido de fortalecer o sistema de saúde para
o cuidado dos pacientes que têm doença de Alzheimer e
outros tipos de demência.
Hoje, 11% dos brasileiros têm mais de 65
anos. Em 2050, projeta-se que serão mais de 20% e, em 2070, a taxa chegará a
quase 30%. Assim, os diagnósticos de transtornos degenerativos neurológicos,
comuns com o avanço da idade, tendem a crescer.
O fenômeno é global. De acordo com a OMS, mais de 55
milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência no mundo; em 2050, o número
saltará para 144 milhões.
No Brasil, a Associação Brasileira de
Alzheimer aponta 1,7 milhão nessa situação, sendo que 55% dos casos são de
Alzheimer. Em 30 anos, serão 5,5 milhões.
O projeto de
lei 4.364/20, aprovado pelo Legislativo e aguardando sanção presidencial,
institui diretrizes e prioridades para o tratamento dessas doenças, como apoio
à atenção primária, capacitação de profissionais, observação de orientações de
entidades internacionais, pesquisa de medicamentos e abordagem
interdisciplinar.
Este último ponto é fundamental, já que o
tratamento envolve não apenas terapia farmacológica, mas a atuação de
neurologistas, psicólogos, nutricionistas, enfermeiros e cuidadores,
reabilitação e cuidados paliativos.
O diploma estipula ainda oferta de suporte às
famílias dos pacientes. Nesse caso, as mulheres são as mais afetadas —estudo da
Unifesp aponta que 9 em cada 10 cuidadores informais são do sexo feminino, e
muitas delas relatam sofrer com algum transtorno psicológico, como depressão e
ansiedade.
É preciso que estados e municípios se
esforcem para colocar as diretrizes em prática. Para isso, é necessário alocar
recursos de modo sensato, com base em evidências.
Para lidar com a crescente pressão sobre o SUS gerada pelo envelhecimento populacional, o governo federal também precisa desenhar uma política orçamentária eficiente. É preciso agir com racionalidade agora, para garantir um futuro digno aos idosos brasileiros.
Barganha imoral
O Estado de S. Paulo
PL quer usar bancadas para arrancar apoio
para anistia a Bolsonaro e golpistas.
Cioso da influência que exerce pelo tamanho
de suas bancadas no Congresso Nacional – 95 deputados e 13 senadores –, o
Partido Liberal (PL) pretende explorar esse ativo nada desprezível como um
instrumento de barganha. Porém, a motivação da legenda do notório Valdemar
Costa Neto não poderia ser mais inaceitável – e moralmente repugnante – para
uma agremiação política na democracia representativa. O que o PL quer obter com
a barganha é a normalização da delinquência política, simbolizada pelas
inúmeras tentativas de Jair Bolsonaro de perturbar o processo eleitoral de 2022
e pela tentativa de golpe de Estado no 8 de Janeiro, que o ex-presidente no
mínimo inspirou.
É forçoso reconhecer que o PL pode ter muitos
defeitos, mas entre eles, definitivamente, não está a incoerência. Sendo um
partido orgulhoso de ter em seus quadros os principais políticos liberticidas
hoje em atividade no País, atua deliberadamente para desmoralizar as leis e a
democracia.
Segundo consta, o PL condicionará o apoio aos
parlamentares que pretendem suceder a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco na
presidência da Câmara e do Senado, respectivamente, ao compromisso dos
candidatos de levar adiante uma proposta de anistia a Bolsonaro e aos golpistas
implicados no infame 8 de Janeiro. Chama a atenção nesse movimento a admissão
do partido de que crimes, ora vejam, de fato foram cometidos – ou, por óbvio,
não se estaria falando em anistia alguma.
Desde aquele domingo fatídico de 2023, o PL
parece ter abraçado como principal agenda política não só a defesa dos
golpistas, como a própria negação da tentativa de golpe, como se tudo aquilo a
que o País assistiu não passasse de “baderna”, “vandalismo” ou coisa que o
valha. É de crimes gravíssimos que se trata. E seja por falta de convicção
democrática, seja por oportunismo – afinal, Bolsonaro ainda é apoiado por uma
parcela significativa dos eleitores a despeito da miríade de acusações que
pesam sobre ele –, o movimento para acobertá-los diz muito sobre o PL e seu
mandachuva.
O PL está tão fechado em seus objetivos – e
nisso, é de justiça reconhecer, a legenda não está sozinha – que nem a tragédia
climática e humanitária sem precedentes que se abateu sobre o Rio Grande do Sul
comoveu o partido a abrir mão de ao menos uma parte do milionário Fundo
Eleitoral em socorro aos gaúchos. No afã de eleger prefeitos Brasil afora neste
ano, o partido vai alugar dois jatinhos para que seus principais cabos
eleitorais, Michelle Bolsonaro e o deputado Nikolas Ferreira, cruzem os céus do
País em campanha para a prefeitura de oito
capitais. Poucas situações retratam tão bem como os partidos políticos são
capazes de virar as costas para a sociedade, como se fossem representantes de
si mesmos.
Dado o tamanho de sua representação no
Congresso, o PL teria legitimidade para apoiar candidatos às Mesas Diretoras
que se mostrassem dispostos a abraçar projetos caros ao partido. Estranho seria
se não o fizesse. Mas não é disso que se trata. O PL defende a anistia para
Bolsonaro, de resto rigorosamente descabida e imoral, por puro interesse
eleitoreiro. Nada há de programático nessa barganha delinquente. O que se
pretende é (i) proceder ao apagamento do golpismo bolsonarista por meio da
anistia e (ii) pavimentar o caminho para uma eventual volta de Bolsonaro à
corrida eleitoral de 2026, malgrado sua condenação à inelegibilidade pelo
Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Portanto, está-se diante de uma malandragem. Aqui e ali, haverá movimentos cada vez menos sutis para fazer o golpismo que ditou os rumos da política nacional durante os quatro anos do trevoso mandato de Bolsonaro – e que culminou no 8 de Janeiro – parecer menos grave do que de fato foi. E de malandragens, convenhamos, o sr. Valdemar Costa Neto entende. Basta lembrar que o capo do PL chegou a patrocinar um “laudo” criminoso para lançar dúvidas sobre a higidez do sistema eleitoral brasileiro – o que gerou uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido imposta pelo TSE. Saiu barato.
O dilema da regulação das redes
O Estado de S. Paulo
Nobel da Paz, jornalista filipina adverte
sobre a corrosão da democracia pelas redes sociais, o que reforça a necessidade
de regulá-las – sem, contudo, ferir a liberdade de expressão
A jornalista filipina Maria Ressa, laureada
com o Nobel da Paz em 2021, lançou um alerta sobre os efeitos corrosivos das
redes sociais no sistema democrático. Em 2024, quase metade da população
mundial irá às urnas, “mas com muito menos barreiras de proteção”, disse em
entrevista ao Valor. Primeiro, porque as plataformas estão reduzindo
investimentos em equipes e protocolos de moderação. Segundo, porque as
rivalidades geopolíticas intensificam as operações de desinformação – e, como
disse Maria Ressa, “a propaganda e a guerra de informação estão atacando no
nível celular das democracias”. Por fim, porque a relutância em compartilhar
receitas auferidas com a divulgação de conteúdos produzidos pela imprensa está
levando as plataformas a simplesmente boicotar notícias publicadas conforme os
padrões éticos e técnicos do jornalismo profissional e independente – ao mesmo
tempo que os algoritmos desenhados para gerar engajamento a qualquer custo
privilegiam as “notícias” produzidas por indivíduos sem qualquer compromisso
com a verdade dos fatos e a objetividade.
A cada dia, mais pesquisas catalogam indícios
de que as redes amplificam a polarização e a desinformação. Por outro lado,
propostas de regulação costumam gerar apreensão sobre limitações à liberdade de
expressão. Mas a questão sobre se as redes devem ou não ser reguladas é em
certa medida ociosa. Elas já são reguladas por seus pouquíssimos donos, meia
dúzia de bilionários que tem o poder de reprimir ou viralizar ideias, conforme
seus interesses comerciais. A questão é como o Estado deve regular essa autorregulação
com incentivos para que ela convirja ao interesse comum, maximizando os
benefícios das redes e minimizando seus danos.
As redes fazem dinheiro estimulando o
engajamento dos usuários, vigiando o seu comportamento e, através disso,
canalizando publicidade. Não é só que os algoritmos sejam indiferentes às
virtudes que tornam as democracias sadias – relações sociais com altos níveis
de confiança, instituições fortes e histórias compartilhadas –, mas, na busca
por frisson, estimulam conteúdos não raro nocivos a essas virtudes. Pesquisas
mostram que esse modelo distorce o debate no ambiente digital, amplificando a
voz de minorias de provocadores e moralistas que intimidam maiorias moderadas,
forçando-as a ficar em silêncio.
Por essa razão, ativistas insuspeitos da
liberdade de expressão, como Ressa, advogam que as redes sejam
responsabilizadas pelos conteúdos que divulgam, como qualquer outra mídia ou
publisher. O risco desse tipo de visão é que, ao ignorar a especificidade das
redes, ela pode incorrer no excesso oposto e reprimir seus benefícios ao
pluralismo de ideias.
Mídias sociais são intermediárias entre
veículos neutros – como redes de telefonia ou provedores de internet – e
veículos editorializados – como jornais ou TVs. Os conteúdos que veiculam são
produzidos por terceiros e – salvo em casos manifestamente ilegais, como
pornografia infantil, ou declarados ilegais pelo Judiciário – não deveriam ser
responsabilizadas por eles. Sem essa imunidade intermediária, as redes
tenderiam a uma cautela draconiana, removendo todo conteúdo minimamente
controverso. No entanto, a partir do momento em que os conteúdos são
impulsionados, as redes assumem uma corresponsabilidade pelas consequências de
sua propagação.
Por esta razão, um quadro regulatório deveria focar menos na responsabilização das redes pelos conteúdos em si, e mais em transparência e regras para os sistemas de distribuição. Nos códigos de construção civil, as construtoras não são responsáveis por todo dano que acontece num edifício (como um incêndio), mas podem ser responsabilizadas por um projeto que contribua para esses danos (como o uso de materiais inflamáveis). Analogamente, o responsável direto por um conteúdo danoso nas redes é o seu produtor. Mas elas podem ser responsabilizadas por uma estrutura que turbine a propagação desse dano.
A força das greves no setor público
O Estado de S. Paulo
Paralisações começam a prejudicar a economia e exigem do governo mais do que promessas
A greve dos funcionários do Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já
começa a gerar perdas que ultrapassam a área ambiental. Já se sabia da queda
vertiginosa nos autos de infração na Amazônia Legal e da paralisação das
atividades de prevenção de incêndios e catástrofes naturais, mas os impactos
têm atingido, também, a atuação de setores relevantes da economia.
Na área de óleo e gás, a falta de licenças
ambientais necessárias à instalação e operação de projetos impede a extração de
40 mil barris de petróleo diários, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e
Gás (IBP), um prejuízo estimado em R$ 2,2 bilhões. A devolução de uma sonda por
uma das associadas da entidade gerou 20 demissões, segundo o Estadão, mas há
também usinas termoelétricas e eólicas à espera de autorizações e milhares de
veículos importados parados em portos aguardando a conclusão do desembaraço.
Em greve há 120 dias, os servidores do Ibama
não são um caso à parte. Há ao menos 15 categorias do funcionalismo público
mobilizadas por aumentos salariais – no Tesouro Nacional, na Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) e na Controladoria-Geral da União (CGU), entre
outras. Há um mês, professores e servidores técnico-administrativos de boa
parte das universidades federais também estão em greve.
Depois do arrocho promovido pelo governo de
Jair Bolsonaro, um dos primeiros atos da atual administração foi a concessão de
um reajuste linear de 9% a todo o funcionalismo no ano passado por meio da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Foi um reconhecimento
parcial das perdas salariais que os servidores tiveram nos últimos anos, mas
insuficiente para recompor o poder de compra da maioria deles.
Parte do problema se deve ao sucesso de
reivindicações pulverizadas de órgãos como a Polícia Federal, Polícia
Rodoviária Federal, Receita Federal e Banco Central, que conseguiram garantir
benefícios específicos para o seu corpo técnico. Por óbvio, cada demanda
atendida se torna um incentivo para que as demais categorias também cobrem sua
parte.
Tantas mobilizações em paralelo expõem a
dificuldade do governo Lula da Silva em lidar com uma insatisfação crescente no
funcionalismo, especialmente das categorias mais numerosas e daquelas cujos
salários médios estão muito distantes dos pagos na elite do serviço público –
leia-se Legislativo e Judiciário. Também fica difícil explicar que não há
espaço fiscal para recomposição salarial depois que os mais bem remunerados no
Executivo são contemplados por bônus de eficiências e reestruturações de
carreira.
O movimento, no entanto, foi atiçado pelo próprio presidente Lula. Só muito depois de dizer que não tinha moral para se posicionar contra as greves que Lula da Silva passou a sustentar que o governo tem limitações e que “não produz dinheiro, arrecada do povo”. Fica difícil cobrar racionalidade dos servidores depois disso, mas o governo terá de encontrar com urgência uma solução para esse imbróglio que ele mesmo encorajou em uma de suas principais bases de apoio.
Lei das Estatais sobrevive a mais uma
tentativa de mudança
Valor Econômico
Decisão não deixa mais dúvidas de que as exigências da lei são legítimas, tornando extremamente difícil que voltem a ser questionadas no futuro
O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou,
na semana passada, a validade da Lei das Estatais, novamente posta em xeque por
interesses políticos. Aprovada em 30 de junho de 2016 sob o impacto dos casos
de corrupção em estatais, notadamente na Petrobras, a Lei das Estatais já
nasceu sob pressão.
Até as vésperas da sua sanção, havia forte
movimento de deputados contra a quarentena exigida no artigo 17. Esse artigo
estabelece o período de quarentena de 36 meses para que dirigentes de partidos
e pessoas que tenham atuado em campanhas eleitorais assumam postos de direção e
de conselho de administração de estatais, e ainda define a experiência
profissional necessária para os dirigentes de estatais. Entre os 97 artigos da
Lei 13.303, este é certamente dos mais combatidos.
Após ter sido sancionada pelo então
presidente Michel Temer, chegou a haver um movimento de deputados para que o
Senado concordasse com um projeto para pelo menos reduzir o prazo da
quarentena. Uma das ideias era diminuí-la para 12 ou 18 meses. Mas, na onda
moralizadora da época, prevaleceram os 36 meses.
Na investida atual, a intenção dos
parlamentares foi simplesmente acabar com a quarentena, o que foi conseguido ao
menos temporariamente. O embate começou com a Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) do PCdoB, partido aliado do governo, questionando o
prazo estabelecido para quem exerceu funções em estruturas decisórias de
partidos ou campanhas eleitorais. Outro ponto criticado foi a proibição de que
ex-ocupantes de cargos políticos sejam nomeados para cargos de direção ou
conselhos de administração de empresas estatais. Levantamento feito pela
imprensa calculava que de duas a quatro dezenas de pessoas indicadas pelo
governo Lula para conselhos de administração poderiam ser afetadas.
O relator do processo, o então ministro
Ricardo Lewandowski, hoje aposentado do STF e atual ministro da Justiça,
aceitou os argumentos da ADI. Ele avaliou que a Lei das Estatais estabeleceu
“discriminações desarrazoadas e desproporcionais - por isso mesmo
inconstitucionais - contra aqueles que atuam, legitimamente, na esfera
governamental ou partidária”. Considerou inconstitucional a exigência da
quarentena e proibiu a manutenção do vínculo partidário apenas a partir do
momento em que a pessoa assume o cargo de diretor ou conselheiro da estatal.
Também suspendeu outro trecho, que impede que ministros de Estado e secretários
sejam indicados para a diretoria e conselho das estatais.
Após o voto do relator, no dia 13 de março de
2023, o ministro André Mendonça pediu vista e interrompeu o julgamento. Três
dias depois, Lewandowski concedeu liminar mantendo a quarentena suspensa até
que o julgamento terminasse. Um dos argumentos utilizados pelo PCdoB era que a
regra criminalizava os políticos e impedia a nomeação de bons profissionais,
como se não houvesse alternativas fora da política.
Em dezembro, quando o caso começou a ser
analisado no plenário, André Mendonça afirmou que a Lei das Estatais trouxe um
melhor resultado financeiro para as companhias. Para o ministro, não cabe ao
STF considerá-la inconstitucional. “Penso que, se ela (a lei) pode ser
melhorada, não é ônus do Supremo Tribunal Federal retirar por
inconstitucionalidade algo que foi construído para trazer boa governança. Não
são as pessoas. São as situações de risco a que se pode submeter pessoas”.
O tema voltou à discussão na quarta-feira da
semana passada. André Mendonça acrescentou números a seu voto que demonstrariam
que a lei fez com que as estatais revertessem em 2016 os prejuízos que tiveram
de 2014 a 2015. Em aparte, o ministro Gilmar Mendes, que votou pela
inconstitucionalidade da regras, rebateu que a Lei das Estatais teria melhorado
o resultado das empresas, salientando a influência do quadro macroeconômico na
recuperação. Contrário à lei, o ministro Flávio Dino afirmou que “não existe canonização
por concurso público e não existe demonização pela participação na política”.
Ao final, o STF validou a constitucionalidade
da Lei das Estatais por oito votos a favor e três contra. Os ministros
decidiram, no entanto, por unanimidade, manter as indicações feitas desde o ano
passado, quando a restrição foi suspensa. Aceitaram o argumento do ministro
Dias Toffoli, que votou a fator da lei, mas entendeu que a saída dos atuais
gestores criaria instabilidade.
Mesmo derrubada pelo Supremo, a liminar foi bem sucedida para a manutenção nos cargos de várias pessoas nomeadas pelo governo Lula. A lei buscou, entre outras medidas, evitar o aparelhamento político e a prevalência de interesses partidários sobre o interesse comum. Ainda que tenha levado cerca de um ano para que o STF julgasse constitucionais as exigências, e a permanência nos cargos dos indicados, a decisão não deixa mais dúvidas de que o dispositivo é legítimo, tornando extremamente difícil que volte a ser questionado no futuro.
Progresso se alcança com educação
Correio Braziliense
O empenho das políticas públicas não tem
alcançado o resultado esperado. Estudo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino
Superior (Semesp), lançado dia 8 último, revelou que chega a 57,2% o índice de
evasão da educação superior, entre redes públicas e privadas
Embora o poder público e a sociedade
reconheçam que o desenvolvimento do país depende da formação educacional e
profissional dos jovens e adultos, a oferta de unidades de instituições de
ensino superior, sob o guarda-chuva do Estado brasileiro, está muito aquém do
setor privado, que concentra 88% dos 2.595 estabelecimentos entre faculdades e
universidades. O empenho das políticas públicas não tem alcançado o resultado
esperado. Estudo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp),
lançado dia 8 último, revelou que chega a 57,2% o índice de evasão da educação
superior, entre redes públicas e privadas.
O dado é alarmante e está estreitamente
relacionado à capacidade financeira dos estudantes, tanto nas universidades
públicas quanto nas privadas. Nas instituições particulares, uma das principais
causas é a falta de meios de arcar com matrículas e mensalidades. Ainda que o
governo garanta o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), a falta de uma
fonte de renda acaba levando os alunos a desistirem dos estudos, principalmente
os matriculados nas instituições privadas.
"O problema financeiro, de arcar com as
mensalidades e se manter no ensino superior, afeta a permanência dos estudantes
nas instituições. Além disso, como não há políticas públicas de acesso ao
ensino superior, as instituições estão tendo de dar descontos, porque muitos
estudantes têm baixa renda per capita na família, variando de um a 1,5 salário
mínimo", diz Rodrigo Capelato, o diretor-executivo e assessor para
assuntos econômicos do Semesp.
Essa realidade não é singular no Brasil. Ela
existe em outros países e repercute na vida de jovens de 18 a 24 anos. Ou seja,
é um problema mundial, com alto índice de estudantes que não se formam no
ensino médio, devido às dificuldades financeiras, principalmente, no grupo
familiar. A necessidade de trabalhar afeta 47%, segundo levantamento do Serviço
Nacional da Indústria (Sesi) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(Senai)m, em parceria com o Instituto FSB Pesquisa, divulgado em maio do ano
passado
Essa conclusão é reforçada, pelo último Censo
da Educação Superior de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A sondagem constatou que apenas
20% da população nessa faixa etária (18 a 24 anos) estão no ensino superior. A
possibilidade de superação do obstáculo financeiro e de garantia da permanência
dos estudantes no ensino médio está no programa Pé-de-Meia, recém-lançado
pelo Ministério da Educação. O incentivo financeiro-educacional aos estudantes
da rede pública emerge como remédio para combater o abandono da escola por
hipossuficiência e permitir que eles cheguem à universidade pública.
Uma outra opção para mitigar a evasão escolar, manter o aluno do ensino médio na escola e oferecer meios para que ele possa obter renda, seria o curso técnico. Ao mesmo tempo em que estuda para chegar à universidade, o estudante seria habilitado a desenvolver uma atividade produtiva e rentável. Assim, seria possível ao estudante evitar a troca dos estudos por um subemprego para se manter e contribuir com o orçamento familiar. Ao mesmo em que os dados mostram um conjunto de dificuldades, eles sinalizam alternativas que, se adotadas, poderão garantir aos jovens e à sociedade uma formação de conhecimentos mais sólida e transformadora da realidade, por meio da educação.
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