terça-feira, 14 de maio de 2024

O que a mídia pensa: Editoriais / Opiniões

Cheia no Sul afeta toda a economia brasileira

O Globo

A maior perda são as vidas e os lares, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda

O Rio Grande do Sul precisará avaliar em breve os estragos das enchentes na economia. O drama humano está hoje eloquente nos relatos de mortes e nas imagens de casas submersas. A maior perda são as vidas e os lares destruídos, mas o drama já se traduz também em falta de emprego e renda. Quando as águas baixarem, a população afetada precisará voltar à rotina de trabalho. Saber o que foi destruído nos setores industrial, agrícola e de serviços é o primeiro passo para assegurar o retorno à normalidade.

Dos municípios atingidos pelas cheias, 397 respondem por 92% da indústria, 91% dos serviços e 79% da agropecuária do estado. Mas ser afetado não significa necessariamente que toda a estrutura econômica tenha sido prejudicada. O Rio Grande do Sul já colheu 76% da soja, 83% do milho e 84% do arroz da atual safra, e nem toda a área plantada está sob as águas. As previsões falam em 2% de queda no PIB gaúcho, que representa 6,5% do brasileiro. Com uma economia interligada, principalmente aos demais estados do Sul, deverão ser afetadas várias cadeias produtivas nacionais. Na agricultura, sobretudo arroz, trigo e soja. Analistas preveem que o PIB brasileiro caia entre 0,2 e 0,3 ponto percentual.

A análise exige cautela, porém, pois o impacto não é homogêneo. Muitos perderam tudo com a tragédia. Os maiores prejuízos ficaram com produtores de suínos, aves, grãos e hortaliças em vales como Jaguari e Taquari. Num ano de seca, agricultores, criadores de animais e donos de agroindústrias veem 12 meses de trabalho se dissipar. Num período histórico de chuvas, a dimensão é outra. A água varre tudo, inclusive galpões e máquinas. Não se trata de estar pronto para outra. Por isso, a resposta do governo precisa ser diferente.

A enchente é um drama predominantemente urbano, e a cheia atingiu o ponto mais densamente ocupado do estado — de Porto Alegre à serrana Caxias do Sul. A região concentra o parque fabril gaúcho e responde pela maior fatia do PIB estadual. Na Grande Porto Alegre, a indústria emprega 128 mil, principalmente no setor mecânico. A Serra reúne 121 mil industriários. No Vale dos Sinos, são 184 mil.

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) ainda não tem estimativa confiável das perdas. É um quadro com nuances. São evidentes os estragos nos 40 quilômetros entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, passando pelas parcialmente submersas Canoas, Sapucaia do Sul e São Leopoldo. Caxias do Sul também está em estado de calamidade pública, com risco de deslizamento de terra. Mas lá lideranças do setor industrial veem a crise como oportunidade. A região manteve a base produtiva preservada até o momento. “Vamos ter muitas alternativas. Seja fornecer diretamente para as regiões afetadas, seja assumir etapas da produção”, diz Celestino Loro, presidente da Câmara de Indústria, Comércio e Serviços (CIC).

Os governos federal, estadual e municipais não devem medir esforços para identificar quem precisa de mais ajuda. A tarefa exige rapidez, mas também atenção para evitar desperdício. São urgentes os investimentos em infraestrutura. Com aeroportos fechados, estradas interrompidas e pontes caídas, as empresas que não foram invadidas pelas águas se veem paralisadas pelo apagão logístico. Os gaúchos precisarão de ajuda não apenas para limpar suas casas, mas também para voltar a trabalhar logo depois que as águas baixarem.

Polícia de SP faz bem ao renovar programa de câmeras corporais

O Globo

Secretário de Segurança mudou de postura e afirmou que pretende ampliar uso do equipamento

É bem-vinda a mudança de postura do secretário de Segurança de São Paulo, Guilherme Derrite, ao reconhecer que o uso de câmeras corporais pela polícia pode ser bom tanto para o agente quanto para a população. É um avanço. Por várias vezes, Derrite criticara o programa implantado em 2020, alegando que não tinha eficácia, apesar da profusão de evidências em contrário. “A gente está trazendo uma proteção para o policial, um auxílio nas investigações futuras de qualquer tipo de crime com novas funcionalidades”, disse Derrite. Uma das ideias é que os novos aparelhos sejam usados também no reconhecimento facial.

O uso de câmeras corporais pela polícia foi eficaz ao reduzir a letalidade das operações e proteger os próprios agentes. Em São Paulo, entre 2019 e 2022, as mortes em intervenções policiais caíram 76,2% nas regiões em que o equipamento era usado (nas outras áreas, a queda foi de 33,3%). O aparelho também foi eficaz para evitar mortes de policiais. Entre 2021 e 2023, houve queda de 53,7% nesse tipo de crime em comparação com o período 2017-2019, anterior à implantação do programa.

Apesar dos números, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) se mostrava hesitante. Ainda na campanha, prometeu retirar os equipamentos, pois, segundo ele, deixavam os agentes em desvantagem diante dos criminosos. Em janeiro, disse que daria prosseguimento aos contratos existentes, mas não investiria novos recursos no projeto. “Qual é a efetividade da câmera corporal na segurança do cidadão? Nenhuma”, disse à época.

Pelo menos 56 pessoas morreram nas operações Escudo e Verão, deflagradas pela polícia paulista nos últimos meses, após mortes de policiais na Baixada Santista. A alta letalidade despertou críticas. Durante as investigações, constatou-se que muitas das imagens das câmeras não estavam disponíveis. No primeiro ano da gestão Tarcísio, houve aumento de 34% nos mortos por policiais em serviço. No primeiro trimestre deste ano, de 139%.

No Rio: Policiais militares são investigados por retirar câmeras do uniforme; corregedoria apura pelo menos 53 casos

A resistência às câmeras não acontece só em São Paulo. No Rio, o governador Cláudio Castro (PL) protelou quanto pôde sua instalação nas tropas de elite. Cedeu apenas por determinação do STF. Embora o programa esteja em curso, nem sempre há imagens disponíveis quando necessárias. A Corregedoria de Polícia apura casos de PMs que taparam as lentes das câmeras ou as retiraram da farda em operações.

É patente o retrocesso que a gestão Derrite promoveu na polícia paulista, ao abandonar práticas consolidadas ao longo de anos, responsáveis pelos índices de criminalidade mais baixos no país. Apesar disso, deve-se saudar a decisão sobre as câmeras corporais. As imagens gravadas ficam em poder da própria polícia e não são divulgadas publicamente. Não há, portanto, risco de expor os agentes. Além disso, nos casos específicos em que a filmagem pode pôr em risco a vida do policial, a própria corporação avaliará a conveniência de usá-la. As câmeras corporais trazem mais transparência e segurança tanto para os policiais quanto para os cidadãos. Não há por que temê-las.

Eventos extremos exigem adaptação já

Folha de S. Paulo

Para além da remediação, tragédia gaúcha impõe urgência ao preparo do território para consequências da mudança do clima

A reação do poder público ao dilúvio entornado sobre a população gaúcha não pode limitar-se a salvamento e assistência, no curto prazo. Tampouco deveria focalizar só reconstrução, a médio termo. Ambas as vertentes são cruciais, mas insuficientes.

Não estão despreparadas só as cidades gaúchas. Na última década, 93% dos 5.570 municípios brasileiros foram assolados por desastres do clima, e 3.679 do total (66%) têm capacidade adaptativa baixa ou muito baixa a tais calamidades.

Passou da hora de implementar a adaptação do país a eventos extremos. Se não começar já a executar as medidas complexas que se exigem, a toda nova enchente o Brasil despenderá bilhões em providências frenéticas para enxugar lama.

A cada hecatombe natural se evidencia que o preço da inação supera o da precaução. O Planalto autorizou R$ 18 bilhões do Novo PAC para o Rio Grande do Sul castigado; antes da tragédia, reservava meros R$ 15,3 bilhões de mais de R$ 1 trilhão em investimento estatal e privado até 2027.

O Plano Clima em gestação deverá começar a suprir a lacuna climática, após a demolição da pauta ambiental sob Jair Bolsonaro (PL). As boas intenções abarcam envolvimento de 15 setores e pactuação com estados e municípios.

Parece evidente que tal processo será lento. Eventos extremos não vão esperar a costura política, como mostra o Rio Grande do Sul, flagelado por meia dezena de tempestades em menos de um ano.

O excesso de chuvas na região por efeito do aquecimento global estava mais que previsto por modelos científicos. Não faltam especialistas e estudos para orientar a ação precavida de governantes, porém a informação ou não chega aos tomadores de decisão ou eles não sabem o que fazer com ela.

Mais escolas precisarão de ar condicionado para ondas de calor; estradas necessitarão ser erguidas; sistemas de drenagem e encostas não resistirão à pluviosidade aumentada; culturas como a da soja perderão áreas aptas ao cultivo. Onde e quando, precisamente?

Não há como o Executivo federal centralizar tantas ações imprescindíveis de adaptação, que demandam iniciativa dos outros níveis de governo. Seu papel primordial é fazer chegar a eles a informação preditiva contida nos cenários climáticos e providenciar os incentivos para que atuem no sentido de diminuir os impactos.

Um bom começo seria condicionar a aprovação de qualquer obra com dinheiro público a uma avaliação de riscos climáticos e a um plano de adaptação correspondente. Foi o que começaram a fazer EUA e China, entre outros, uma década atrás. Nosso atraso já tem consequências funestas.

Políticas para demências

Folha de S. Paulo

É bom que país dê atenção aos tratamentos, dado o envelhecimento da população

Com o envelhecimento da população do país, é importante o movimento do Congresso Nacional no sentido de fortalecer o sistema de saúde para o cuidado dos pacientes que têm doença de Alzheimer e outros tipos de demência.

Hoje, 11% dos brasileiros têm mais de 65 anos. Em 2050, projeta-se que serão mais de 20% e, em 2070, a taxa chegará a quase 30%. Assim, os diagnósticos de transtornos degenerativos neurológicos, comuns com o avanço da idade, tendem a crescer.

O fenômeno é global. De acordo com a OMS, mais de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência no mundo; em 2050, o número saltará para 144 milhões.

No Brasil, a Associação Brasileira de Alzheimer aponta 1,7 milhão nessa situação, sendo que 55% dos casos são de Alzheimer. Em 30 anos, serão 5,5 milhões.

O projeto de lei 4.364/20, aprovado pelo Legislativo e aguardando sanção presidencial, institui diretrizes e prioridades para o tratamento dessas doenças, como apoio à atenção primária, capacitação de profissionais, observação de orientações de entidades internacionais, pesquisa de medicamentos e abordagem interdisciplinar.

Este último ponto é fundamental, já que o tratamento envolve não apenas terapia farmacológica, mas a atuação de neurologistas, psicólogos, nutricionistas, enfermeiros e cuidadores, reabilitação e cuidados paliativos.

O diploma estipula ainda oferta de suporte às famílias dos pacientes. Nesse caso, as mulheres são as mais afetadas —estudo da Unifesp aponta que 9 em cada 10 cuidadores informais são do sexo feminino, e muitas delas relatam sofrer com algum transtorno psicológico, como depressão e ansiedade.

É preciso que estados e municípios se esforcem para colocar as diretrizes em prática. Para isso, é necessário alocar recursos de modo sensato, com base em evidências.

Para lidar com a crescente pressão sobre o SUS gerada pelo envelhecimento populacional, o governo federal também precisa desenhar uma política orçamentária eficiente. É preciso agir com racionalidade agora, para garantir um futuro digno aos idosos brasileiros.

Barganha imoral

O Estado de S. Paulo

PL quer usar bancadas para arrancar apoio para anistia a Bolsonaro e golpistas.

Cioso da influência que exerce pelo tamanho de suas bancadas no Congresso Nacional – 95 deputados e 13 senadores –, o Partido Liberal (PL) pretende explorar esse ativo nada desprezível como um instrumento de barganha. Porém, a motivação da legenda do notório Valdemar Costa Neto não poderia ser mais inaceitável – e moralmente repugnante – para uma agremiação política na democracia representativa. O que o PL quer obter com a barganha é a normalização da delinquência política, simbolizada pelas inúmeras tentativas de Jair Bolsonaro de perturbar o processo eleitoral de 2022 e pela tentativa de golpe de Estado no 8 de Janeiro, que o ex-presidente no mínimo inspirou.

É forçoso reconhecer que o PL pode ter muitos defeitos, mas entre eles, definitivamente, não está a incoerência. Sendo um partido orgulhoso de ter em seus quadros os principais políticos liberticidas hoje em atividade no País, atua deliberadamente para desmoralizar as leis e a democracia.

Segundo consta, o PL condicionará o apoio aos parlamentares que pretendem suceder a Arthur Lira e Rodrigo Pacheco na presidência da Câmara e do Senado, respectivamente, ao compromisso dos candidatos de levar adiante uma proposta de anistia a Bolsonaro e aos golpistas implicados no infame 8 de Janeiro. Chama a atenção nesse movimento a admissão do partido de que crimes, ora vejam, de fato foram cometidos – ou, por óbvio, não se estaria falando em anistia alguma.

Desde aquele domingo fatídico de 2023, o PL parece ter abraçado como principal agenda política não só a defesa dos golpistas, como a própria negação da tentativa de golpe, como se tudo aquilo a que o País assistiu não passasse de “baderna”, “vandalismo” ou coisa que o valha. É de crimes gravíssimos que se trata. E seja por falta de convicção democrática, seja por oportunismo – afinal, Bolsonaro ainda é apoiado por uma parcela significativa dos eleitores a despeito da miríade de acusações que pesam sobre ele –, o movimento para acobertá-los diz muito sobre o PL e seu mandachuva.

O PL está tão fechado em seus objetivos – e nisso, é de justiça reconhecer, a legenda não está sozinha – que nem a tragédia climática e humanitária sem precedentes que se abateu sobre o Rio Grande do Sul comoveu o partido a abrir mão de ao menos uma parte do milionário Fundo Eleitoral em socorro aos gaúchos. No afã de eleger prefeitos Brasil afora neste ano, o partido vai alugar dois jatinhos para que seus principais cabos eleitorais, Michelle Bolsonaro e o deputado Nikolas Ferreira, cruzem os céus do

País em campanha para a prefeitura de oito capitais. Poucas situações retratam tão bem como os partidos políticos são capazes de virar as costas para a sociedade, como se fossem representantes de si mesmos.

Dado o tamanho de sua representação no Congresso, o PL teria legitimidade para apoiar candidatos às Mesas Diretoras que se mostrassem dispostos a abraçar projetos caros ao partido. Estranho seria se não o fizesse. Mas não é disso que se trata. O PL defende a anistia para Bolsonaro, de resto rigorosamente descabida e imoral, por puro interesse eleitoreiro. Nada há de programático nessa barganha delinquente. O que se pretende é (i) proceder ao apagamento do golpismo bolsonarista por meio da anistia e (ii) pavimentar o caminho para uma eventual volta de Bolsonaro à corrida eleitoral de 2026, malgrado sua condenação à inelegibilidade pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Portanto, está-se diante de uma malandragem. Aqui e ali, haverá movimentos cada vez menos sutis para fazer o golpismo que ditou os rumos da política nacional durante os quatro anos do trevoso mandato de Bolsonaro – e que culminou no 8 de Janeiro – parecer menos grave do que de fato foi. E de malandragens, convenhamos, o sr. Valdemar Costa Neto entende. Basta lembrar que o capo do PL chegou a patrocinar um “laudo” criminoso para lançar dúvidas sobre a higidez do sistema eleitoral brasileiro – o que gerou uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido imposta pelo TSE. Saiu barato.

O dilema da regulação das redes

O Estado de S. Paulo

Nobel da Paz, jornalista filipina adverte sobre a corrosão da democracia pelas redes sociais, o que reforça a necessidade de regulá-las – sem, contudo, ferir a liberdade de expressão

A jornalista filipina Maria Ressa, laureada com o Nobel da Paz em 2021, lançou um alerta sobre os efeitos corrosivos das redes sociais no sistema democrático. Em 2024, quase metade da população mundial irá às urnas, “mas com muito menos barreiras de proteção”, disse em entrevista ao Valor. Primeiro, porque as plataformas estão reduzindo investimentos em equipes e protocolos de moderação. Segundo, porque as rivalidades geopolíticas intensificam as operações de desinformação – e, como disse Maria Ressa, “a propaganda e a guerra de informação estão atacando no nível celular das democracias”. Por fim, porque a relutância em compartilhar receitas auferidas com a divulgação de conteúdos produzidos pela imprensa está levando as plataformas a simplesmente boicotar notícias publicadas conforme os padrões éticos e técnicos do jornalismo profissional e independente – ao mesmo tempo que os algoritmos desenhados para gerar engajamento a qualquer custo privilegiam as “notícias” produzidas por indivíduos sem qualquer compromisso com a verdade dos fatos e a objetividade.

A cada dia, mais pesquisas catalogam indícios de que as redes amplificam a polarização e a desinformação. Por outro lado, propostas de regulação costumam gerar apreensão sobre limitações à liberdade de expressão. Mas a questão sobre se as redes devem ou não ser reguladas é em certa medida ociosa. Elas já são reguladas por seus pouquíssimos donos, meia dúzia de bilionários que tem o poder de reprimir ou viralizar ideias, conforme seus interesses comerciais. A questão é como o Estado deve regular essa autorregulação com incentivos para que ela convirja ao interesse comum, maximizando os benefícios das redes e minimizando seus danos.

As redes fazem dinheiro estimulando o engajamento dos usuários, vigiando o seu comportamento e, através disso, canalizando publicidade. Não é só que os algoritmos sejam indiferentes às virtudes que tornam as democracias sadias – relações sociais com altos níveis de confiança, instituições fortes e histórias compartilhadas –, mas, na busca por frisson, estimulam conteúdos não raro nocivos a essas virtudes. Pesquisas mostram que esse modelo distorce o debate no ambiente digital, amplificando a voz de minorias de provocadores e moralistas que intimidam maiorias moderadas, forçando-as a ficar em silêncio.

Por essa razão, ativistas insuspeitos da liberdade de expressão, como Ressa, advogam que as redes sejam responsabilizadas pelos conteúdos que divulgam, como qualquer outra mídia ou publisher. O risco desse tipo de visão é que, ao ignorar a especificidade das redes, ela pode incorrer no excesso oposto e reprimir seus benefícios ao pluralismo de ideias.

Mídias sociais são intermediárias entre veículos neutros – como redes de telefonia ou provedores de internet – e veículos editorializados – como jornais ou TVs. Os conteúdos que veiculam são produzidos por terceiros e – salvo em casos manifestamente ilegais, como pornografia infantil, ou declarados ilegais pelo Judiciário – não deveriam ser responsabilizadas por eles. Sem essa imunidade intermediária, as redes tenderiam a uma cautela draconiana, removendo todo conteúdo minimamente controverso. No entanto, a partir do momento em que os conteúdos são impulsionados, as redes assumem uma corresponsabilidade pelas consequências de sua propagação.

Por esta razão, um quadro regulatório deveria focar menos na responsabilização das redes pelos conteúdos em si, e mais em transparência e regras para os sistemas de distribuição. Nos códigos de construção civil, as construtoras não são responsáveis por todo dano que acontece num edifício (como um incêndio), mas podem ser responsabilizadas por um projeto que contribua para esses danos (como o uso de materiais inflamáveis). Analogamente, o responsável direto por um conteúdo danoso nas redes é o seu produtor. Mas elas podem ser responsabilizadas por uma estrutura que turbine a propagação desse dano. 

A força das greves no setor público

O Estado de S. Paulo

Paralisações começam a prejudicar a economia e exigem do governo mais do que promessas

A greve dos funcionários do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) já começa a gerar perdas que ultrapassam a área ambiental. Já se sabia da queda vertiginosa nos autos de infração na Amazônia Legal e da paralisação das atividades de prevenção de incêndios e catástrofes naturais, mas os impactos têm atingido, também, a atuação de setores relevantes da economia.

Na área de óleo e gás, a falta de licenças ambientais necessárias à instalação e operação de projetos impede a extração de 40 mil barris de petróleo diários, segundo o Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), um prejuízo estimado em R$ 2,2 bilhões. A devolução de uma sonda por uma das associadas da entidade gerou 20 demissões, segundo o Estadão, mas há também usinas termoelétricas e eólicas à espera de autorizações e milhares de veículos importados parados em portos aguardando a conclusão do desembaraço.

Em greve há 120 dias, os servidores do Ibama não são um caso à parte. Há ao menos 15 categorias do funcionalismo público mobilizadas por aumentos salariais – no Tesouro Nacional, na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Controladoria-Geral da União (CGU), entre outras. Há um mês, professores e servidores técnico-administrativos de boa parte das universidades federais também estão em greve.

Depois do arrocho promovido pelo governo de Jair Bolsonaro, um dos primeiros atos da atual administração foi a concessão de um reajuste linear de 9% a todo o funcionalismo no ano passado por meio da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição. Foi um reconhecimento parcial das perdas salariais que os servidores tiveram nos últimos anos, mas insuficiente para recompor o poder de compra da maioria deles.

Parte do problema se deve ao sucesso de reivindicações pulverizadas de órgãos como a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal e Banco Central, que conseguiram garantir benefícios específicos para o seu corpo técnico. Por óbvio, cada demanda atendida se torna um incentivo para que as demais categorias também cobrem sua parte.

Tantas mobilizações em paralelo expõem a dificuldade do governo Lula da Silva em lidar com uma insatisfação crescente no funcionalismo, especialmente das categorias mais numerosas e daquelas cujos salários médios estão muito distantes dos pagos na elite do serviço público – leia-se Legislativo e Judiciário. Também fica difícil explicar que não há espaço fiscal para recomposição salarial depois que os mais bem remunerados no Executivo são contemplados por bônus de eficiências e reestruturações de carreira.

O movimento, no entanto, foi atiçado pelo próprio presidente Lula. Só muito depois de dizer que não tinha moral para se posicionar contra as greves que Lula da Silva passou a sustentar que o governo tem limitações e que “não produz dinheiro, arrecada do povo”. Fica difícil cobrar racionalidade dos servidores depois disso, mas o governo terá de encontrar com urgência uma solução para esse imbróglio que ele mesmo encorajou em uma de suas principais bases de apoio.

Lei das Estatais sobrevive a mais uma tentativa de mudança

Valor Econômico

Decisão não deixa mais dúvidas de que as exigências da lei são legítimas, tornando extremamente difícil que voltem a ser questionadas no futuro

O Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou, na semana passada, a validade da Lei das Estatais, novamente posta em xeque por interesses políticos. Aprovada em 30 de junho de 2016 sob o impacto dos casos de corrupção em estatais, notadamente na Petrobras, a Lei das Estatais já nasceu sob pressão.

Até as vésperas da sua sanção, havia forte movimento de deputados contra a quarentena exigida no artigo 17. Esse artigo estabelece o período de quarentena de 36 meses para que dirigentes de partidos e pessoas que tenham atuado em campanhas eleitorais assumam postos de direção e de conselho de administração de estatais, e ainda define a experiência profissional necessária para os dirigentes de estatais. Entre os 97 artigos da Lei 13.303, este é certamente dos mais combatidos.

Após ter sido sancionada pelo então presidente Michel Temer, chegou a haver um movimento de deputados para que o Senado concordasse com um projeto para pelo menos reduzir o prazo da quarentena. Uma das ideias era diminuí-la para 12 ou 18 meses. Mas, na onda moralizadora da época, prevaleceram os 36 meses.

Na investida atual, a intenção dos parlamentares foi simplesmente acabar com a quarentena, o que foi conseguido ao menos temporariamente. O embate começou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) do PCdoB, partido aliado do governo, questionando o prazo estabelecido para quem exerceu funções em estruturas decisórias de partidos ou campanhas eleitorais. Outro ponto criticado foi a proibição de que ex-ocupantes de cargos políticos sejam nomeados para cargos de direção ou conselhos de administração de empresas estatais. Levantamento feito pela imprensa calculava que de duas a quatro dezenas de pessoas indicadas pelo governo Lula para conselhos de administração poderiam ser afetadas.

O relator do processo, o então ministro Ricardo Lewandowski, hoje aposentado do STF e atual ministro da Justiça, aceitou os argumentos da ADI. Ele avaliou que a Lei das Estatais estabeleceu “discriminações desarrazoadas e desproporcionais - por isso mesmo inconstitucionais - contra aqueles que atuam, legitimamente, na esfera governamental ou partidária”. Considerou inconstitucional a exigência da quarentena e proibiu a manutenção do vínculo partidário apenas a partir do momento em que a pessoa assume o cargo de diretor ou conselheiro da estatal. Também suspendeu outro trecho, que impede que ministros de Estado e secretários sejam indicados para a diretoria e conselho das estatais.

Após o voto do relator, no dia 13 de março de 2023, o ministro André Mendonça pediu vista e interrompeu o julgamento. Três dias depois, Lewandowski concedeu liminar mantendo a quarentena suspensa até que o julgamento terminasse. Um dos argumentos utilizados pelo PCdoB era que a regra criminalizava os políticos e impedia a nomeação de bons profissionais, como se não houvesse alternativas fora da política.

Em dezembro, quando o caso começou a ser analisado no plenário, André Mendonça afirmou que a Lei das Estatais trouxe um melhor resultado financeiro para as companhias. Para o ministro, não cabe ao STF considerá-la inconstitucional. “Penso que, se ela (a lei) pode ser melhorada, não é ônus do Supremo Tribunal Federal retirar por inconstitucionalidade algo que foi construído para trazer boa governança. Não são as pessoas. São as situações de risco a que se pode submeter pessoas”.

O tema voltou à discussão na quarta-feira da semana passada. André Mendonça acrescentou números a seu voto que demonstrariam que a lei fez com que as estatais revertessem em 2016 os prejuízos que tiveram de 2014 a 2015. Em aparte, o ministro Gilmar Mendes, que votou pela inconstitucionalidade da regras, rebateu que a Lei das Estatais teria melhorado o resultado das empresas, salientando a influência do quadro macroeconômico na recuperação. Contrário à lei, o ministro Flávio Dino afirmou que “não existe canonização por concurso público e não existe demonização pela participação na política”.

Ao final, o STF validou a constitucionalidade da Lei das Estatais por oito votos a favor e três contra. Os ministros decidiram, no entanto, por unanimidade, manter as indicações feitas desde o ano passado, quando a restrição foi suspensa. Aceitaram o argumento do ministro Dias Toffoli, que votou a fator da lei, mas entendeu que a saída dos atuais gestores criaria instabilidade.

Mesmo derrubada pelo Supremo, a liminar foi bem sucedida para a manutenção nos cargos de várias pessoas nomeadas pelo governo Lula. A lei buscou, entre outras medidas, evitar o aparelhamento político e a prevalência de interesses partidários sobre o interesse comum. Ainda que tenha levado cerca de um ano para que o STF julgasse constitucionais as exigências, e a permanência nos cargos dos indicados, a decisão não deixa mais dúvidas de que o dispositivo é legítimo, tornando extremamente difícil que volte a ser questionado no futuro.

Progresso se alcança com educação

Correio Braziliense

O empenho das políticas públicas não tem alcançado o resultado esperado. Estudo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), lançado dia 8 último, revelou que chega a 57,2% o índice de evasão da educação superior, entre redes públicas e privadas

Embora o poder público e a sociedade reconheçam que o desenvolvimento do país depende da formação educacional e profissional dos jovens e adultos, a oferta de unidades de instituições de ensino superior, sob o guarda-chuva do Estado brasileiro, está muito aquém do setor privado, que concentra 88% dos 2.595 estabelecimentos entre faculdades e universidades. O empenho das políticas públicas não tem alcançado o resultado esperado. Estudo do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), lançado dia 8 último, revelou que chega a 57,2% o índice de evasão da educação superior, entre redes públicas e privadas.

O dado é alarmante e está estreitamente relacionado à capacidade financeira dos estudantes, tanto nas universidades públicas quanto nas privadas. Nas instituições particulares, uma das principais causas é a falta de meios de arcar com matrículas e mensalidades. Ainda que o governo garanta o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), a falta de uma fonte de renda acaba levando os alunos a desistirem dos estudos, principalmente os matriculados nas instituições privadas.

"O problema financeiro, de arcar com as mensalidades e se manter no ensino superior, afeta a permanência dos estudantes nas instituições. Além disso, como não há políticas públicas de acesso ao ensino superior, as instituições estão tendo de dar descontos, porque muitos estudantes têm baixa renda per capita na família, variando de um a 1,5 salário mínimo", diz Rodrigo Capelato, o diretor-executivo e assessor para assuntos econômicos do Semesp.

Essa realidade não é singular no Brasil. Ela existe em outros países e repercute na vida de jovens de 18 a 24 anos. Ou seja, é um problema mundial, com alto índice de estudantes que não se formam no ensino médio, devido às dificuldades financeiras, principalmente, no grupo familiar. A necessidade de trabalhar afeta 47%, segundo levantamento do Serviço Nacional da Indústria (Sesi) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai)m, em parceria com o Instituto FSB Pesquisa, divulgado em maio do ano passado

Essa conclusão é reforçada, pelo último Censo da Educação Superior de 2020, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). A sondagem constatou que apenas 20% da população nessa faixa etária (18 a 24 anos) estão no ensino superior. A possibilidade de superação do obstáculo financeiro e de garantia da permanência dos estudantes no ensino médio está no programa Pé-de-Meia, recém-lançado pelo Ministério da Educação. O incentivo financeiro-educacional aos estudantes da rede pública emerge como remédio para combater o abandono da escola por hipossuficiência e permitir que eles cheguem à universidade pública.

Uma outra opção para mitigar a evasão escolar, manter o aluno do ensino médio na escola e oferecer meios para que ele possa obter renda, seria o curso técnico. Ao mesmo tempo em que estuda para chegar à universidade, o estudante seria habilitado a desenvolver uma atividade produtiva e rentável. Assim, seria possível ao estudante evitar a troca dos estudos por um subemprego para se manter e contribuir com o orçamento familiar. Ao mesmo em que os dados mostram um conjunto de dificuldades, eles sinalizam alternativas que, se adotadas, poderão garantir aos jovens e à sociedade uma formação de conhecimentos mais sólida e transformadora da realidade, por meio da educação.

 

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