O Globo
Os dois temas mais urgentes para governos em
todo o mundo se encontraram no Rio Grande do Sul: as mudanças climáticas e a
regulação das grandes plataformas digitais
Os dois temas mais urgentes para governos em
todo o mundo se encontraram no Rio Grande do
Sul e desembocaram numa tragédia. Um são as mudanças
climáticas. Outro, a regulação das grandes plataformas digitais, sem a qual a
internet se torna um vasto manancial de desinformação. Não há problemas mais
importantes a encarar. E, no entanto, são consistentemente adiados. O excesso
de carbono que jogamos na atmosfera produziu a maior cheia jamais registrada na
região. No ano passado já haviam ocorrido duas tempestades que levaram a muitas
mortes. Nenhum gaúcho se sente seguro. Não bastasse, em meio ao desastre, no
momento em que ter às mãos informação correta pode ser questão de vida ou
morte, tornou-se impossível separar o que é verdade do que não é.
O encontro das mudanças climáticas com uma tempestade de notícias falsas não é acidental. O fato de não haver problemas maiores, e de governos seguirem sem encará-los como devem, tampouco. Não atacamos o problema do carbono porque há desinformação. Há desinformação em excesso porque não atacamos a regulação das plataformas.
Encaramos fake news como um problema em si. É
sintoma. Fake news não vêm todas de uma máquina profissional, com equipes
inventando mentiras para confundir o debate público. É mais complicado que
isso.
Os algoritmos das redes sociais existem para
levar à maior quantidade de gente tudo o que gera engajamento. Claro. As
empresas vivem de vender propaganda, quanto mais tempo estivermos engajados,
ali na fissura por mais um vídeo ou tuíte, maiores as chances de nos venderem
algo. O que chama a atenção é o sensacional, o controverso, aquilo que revela
uma verdade secreta de que já desconfiávamos, também o que confirma aquilo que
já pensávamos. A expressão técnica para isso é “viés de confirmação”.
Diga a um petista algo horroroso sobre Jair
Bolsonaro. Não precisa ser verdade. Conte a um bolsonarista algo de
canhestro sobre o presidente Lula.
Acreditará. Estão preparados para acreditar em qualquer coisa. Estamos. Desde
que confirme o que já pensamos. Aceitamos qualquer prova, ainda que falsa, do
que já queremos acreditar.
Muito da desinformação não vem de
profissionais dos submundos da extrema direita. Vem de gente comum, mal
informada, com forte viés político, que simplesmente interpreta incorretamente
algo que viu ou ouviu. Ou conta uma história pela metade. Se a história
confirma suas crenças, tasca na rede. Joga a desinformação na rede, aí a
máquina começa. Confirma os vieses de outros tantos, dão like, repassam,
comentam. “Eu bem que desconfiava.” O algoritmo alavanca. Aí, sim, um deputado
mal-intencionado, um influenciador dedicado, gente com muitos seguidores
amplificam — o algoritmo explode.
Do jeito como o algoritmo funciona, não
adianta haver alertas embaixo do vídeo tipo “o TSE informa”,
não adianta haver acordos com a Advocacia-Geral da União, com a Polícia
Federal. Pano seco não seca gelo. O problema é ligeiramente mitigado, mas
continua lá. Desinformação sempre existiu. O que é novo é a máquina que leva a
milhões de pessoas a mesma desinformação, feita por amadores ou profissionais.
O que chegará menos ao público é informação de qualidade. Como a Meta, ainda por
cima, começou a boicotar grandes veículos de notícia, o problema só piora em
suas plataformas.
As redes ligam pessoas. Os algoritmos, como
são escritos, fazem das grandes plataformas os mais formidáveis negócios da
história do capitalismo. Não é metáfora. As cinco gigantes digitais americanas
juntas dão quase US$ 10 trilhões em valor de mercado. Nunca houve cinco
companhias somadas que chegassem sequer a metade disso. Há apenas cinco anos,
elas próprias não chegavam perto.
Google e
Meta são diretamente responsáveis por distribuir desinformação porque, se não
tiverem algoritmos voltados para engajamento, ganharão muito menos dinheiro. O
TikTok é chinês. Faz igual.
Com uma população desinformada, é difícil
mobilizar o eleitorado para encarar problemas complexos como a desinformação. A
raiz da crise das democracias está aí. Chegamos ao ponto de ameaçar nossa
própria existência. Porque se inventou uma máquina formidável de produzir
riqueza. Democracias liberais com economias de mercado já souberam lidar com
problemas do tipo no passado. Regulação e leis antitruste são conceitos com
mais de um século.
Aliás, muitos dos criadores dessas empresas
estão construindo mansões reforçadas, climatizadas, armadas e com estoque de
comida para enfrentar um apocalipse futuro. Parece fake news. Mas essa é
verdade.
Um comentário:
Excelente!
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