Valor Econômico
É bom que o Copom tenha votos dissidentes e opiniões contrárias, desde que consistentes com o objetivo de cumprir as metas de inflação
Ninguém sabe ao certo qual será a decisão e o
placar da reunião desta semana do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central, mas falas recentes de seus membros indicam que deve ser algo unânime e
conservador.
Isso pode, pelo menos, atenuar o problema mais imediato de falta de confiança sobre o comprometimento com as metas de inflação do Banco Central a partir de janeiro. Mas, no médio e longo prazos, a busca a todo custo do consenso faz mais mal do que bem. O mercado precisa se acostumar com a autonomia do BC.
Num evento recente organizado pela FGV EESP,
o diretor de assuntos internacionais do BC, Paulo Picchetti, disse que a
comunicação da decisão do Copom de maio foi um “aprendizado”. De fato,
integrantes do próprio comitê ficaram surpresos pela forte reação do mercado,
que prestou mais atenção no placar dividido da votação - com os quatro membros
indicados por Lula do lado moderado, os demais do lado conservador - do que no
diagnóstico e plano de ação mais austeros.
Não que, dentro da reunião, seus membros
tivessem ignorado completamente os riscos de uma reação negativa dos mercados.
Eles chegaram a discutir a possibilidade de, já no comunicado, informar as
razões dos votos dos dissidentes, que alegaram que seria danoso para a
credibilidade do Copom se desviar da firme indicação feita para uma baixa de
0,5 ponto percentual na Selic.
Concluíram, ao fim, que não cabia no modelo
de comunicação. A prática é abrir no comunicado apenas o que for consensual, e
deixar para a ata do Copom a exposição das visões de grupos e pessoas.
O fato é que, à falta de detalhamento das
razões, o mercado ficou sangrando durante três pregões, até a divulgação da ata
do Copom.
A forma de se comunicar é algo sobre o qual o
Banco Central está continuamente refletindo. Cada estilo tem vantagens e
desvantagens. Nos Estados Unidos, o presidente do Federal Reserve (Fed) concede
uma entrevista pouco depois da divulgação do comunicado, ainda com o mercado
aberto. O propósito é corrigir os erros de interpretação do mercado.
Mas há desvantagens. A entrevista costuma
causar ruídos e volatilidade. O Brasil já experimentou esse formato. Nas
primeiras reuniões do Copom no regime de metas de inflação, o então diretor de
política monetária do Banco Central, Luiz Fernando Figueiredo, descia ao
auditório da instituição para responder a algumas perguntas dos jornalistas,
com o mercado financeiro fechado. A prática foi descontinuada.
Outro inconveniente é que, no modelo
americano, o presidente do Fed aparece como um membro com mais poderes do que
os demais. No Brasil, o presidente do BC é apenas mais um, com direito a voto
de qualidade apenas no caso de empate. Por aqui, o presidente do BC dá
entrevista na divulgação do Relatório de Inflação com o diretor de política
econômica, hoje o economista Diogo Guillen.
Uma outra alternativa seria ampliar o
comunicado, trazendo mais informações. Há um problema prático: com poucas
linhas, a redação do comunicado já toma uma boa parte da última sessão de
deliberação do Copom. Também acaba esvaziando a ata, que é divulgada mais
rápido no Brasil.
Até agora a conclusão do Copom foi de que não
vale a pena mudar o sistema, levando também em conta que, na maior parte das
vezes, o período entre o comunicado e a ata do Copom transcorre de forma
tranquila. A autonomia do Banco Central, porém, tende a mudar as coisas.
Ao longo de sua história, o Copom foi moldado
no que, dentro do BC, chama-se de tradição da PUC-Rio, que adotou as melhores
práticas, o “padrão Alan Blinder”, numa referência ao professor da Universidade
de Princeton e ex-membro do Fed que é uma referência nos estudos sobre
comunicação dos BCs.
Com uma formação mais homogênea, o Copom
passou mais tempo com votações unânimes, de 2016 a 2024. Não se deve esperar
que isso ocorra no futuro. A autonomia legal muda isso de suas formas.
Primeiro, porque os diretores também têm seus próprios mandatos e são
independentes do presidente do BC. Segundo, porque, como já ocorrendo, os
diretores são indicados por diferentes governos, com perfis distintos entre si.
É bom que o Copom tenha votos dissidentes e
opiniões contrárias, desde que consistentes com o objetivo de cumprir as metas
de inflação, para evitar pensamento de grupo e para ter legitimidade perante a
sociedade, que concedeu a sua autonomia.
Em maio, havia espaço para um corte de 0,5
ponto, tanto que 41% dos analistas independentes consultados no questionário
pré-Copom recomendaram isso. É uma lástima que membros do Copom não pudessem
votar da forma que uma boa parte do mercado achava possível.
No fundo, o que pesa é dúvida do mercado
sobre como será o Copom a partir de 2025. Os membros atuais do BC,
aparentemente, entenderam o recado e, a julgar pelo que disseram, estão se
esforçando para minorar os danos. Mas há limites sobre o que podem fazer. Essa
é uma crise de confiança que, guardadas as devidas proporções, se assemelha a
vivida em 2002, que cabe a Lula resolver.
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