segunda-feira, 17 de junho de 2024

Entrevista | Renato Casagrande (PSB): ‘Lula precisa de pragmatismo para governar’

Mariana Carneiro / O Estado de S. Paulo

Para governador do ES, agenda de esquerda não serve ao presidente neste momento

“Lula não precisa de uma agenda de esquerda. O presidente tem que ir conduzindo no dia a dia, focando na agenda econômica e nas necessidades do governo”

Governador do Espírito Santo pela terceira vez, Renato Casagrande (PSB) defende que os políticos de esquerda devem buscar o ajuste fiscal como forma de obter “resultados efetivos” na administração pública.

O tema é espinhoso para partidos como o dele e para o PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, hoje às voltas com cobranças para entregar um maior equilíbrio nas contas do governo.

Em entrevista ao Estadão,o governador, diz que Lula deve apostar no ajuste como forma de reconquistar aliados que já estiveram no lado dele contra adversários à direita. 

A seguir, os principais trechos:

Economistas que declararam apoio a Lula apontam críticas e decepções com a condução da política fiscal do governo. O presidente Lula perdeu apoio desses eleitores?

O presidente está dialogando com um Congresso de perfil muito mais conservador, então, há um choque permanente. Outra questão que é importante registrar é o debate ideológico, que é muito superficial, sem entrar em conteúdo. Lula não conquista e não consegue as vitórias que desejava para avançar, por exemplo, em medidas para ampliar receitas ou reduzir despesas, e as metas estabelecidas pelo Ministério da Fazenda têm dificuldades no Congresso Nacional.

Mas existe uma crise de confiança.

A impressão que passa do governo é que em alguns momentos não tem uma preocupação com a busca do equilíbrio fiscal. O ministro (Fernando) Haddad está focado nisso, mas frequentemente há especulação de que existe uma disputa no governo entre quem quer gastar mais e quem não quer gastar.

Essa divisão no governo pode indicar um isolamento do ministro Haddad na agenda fiscal?

Acredito que não. O presidente Lula tem avalizado e estado quase todas as vezes com o ministro Haddad.

Existe a leitura que os políticos de esquerda não concordam com a agenda de ajuste fiscal. Dá voto defender responsabilidade fiscal?

Quando fui governador pela primeira vez, de 2011 a 2014, nós levamos o Estado a ser nota A na gestão fiscal. Hoje, temos capacidade de investimento diferenciada. Enquanto o Brasil investe 7% da sua receita corrente em infraestrutura, eu invisto 20%. São resultados objetivos, efetivos. A partir da hora que você conquista esse equilíbrio, você transforma isso em resultado político. Os partidos progressistas precisam enfrentar esse debate, não pode ser essa a marca dos partidos de esquerda.

O senhor vê chances de o governo Lula abandonar de vez a agenda do ajuste fiscal?

Nenhuma chance. A sociedade brasileira neste momento é mais conservadora. O presidente é respeitado no campo da centro-esquerda. Nós sabemos que ele precisa buscar alianças em grupos que não têm simpatia pelo trabalho desenvolvido pela liderança dele. O que eu espero que ele faça é que ele busque politicamente estabelecer pontes de contatos com segmentos que hoje têm menos identidade com a sua atuação.

Como?

Criando canais de diálogo. Está claro, por exemplo, que é preciso estabelecer contatos e criar políticas públicas para o mundo cristão evangélico, para o mundo do agronegócio.

Na área de segurança pública, o governo pode ser mais audacioso e demonstrar mais ação e preocupação. São setores e áreas temáticas em que o governo precisa ampliar a sua atuação para ganhar apoio na sociedade e diminuir as suas dificuldades no Congresso.

Se o governo não fizer isso fica arriscada uma eventual reeleição em 2026?

Está cedo ainda para falar da eleição de 2026, mas a de 2022 já foi muito disputada. Foi uma eleição empatada praticamente, da qual saiu um Congresso conservador. E tudo aponta que o próximo Congresso eleito em 2026 também será conservador.

O senhor fez uma projeção de ampliação dos partidos conservadores.

Para o Parlamento. Pelo tamanho dos partidos e pelo resultado dos partidos, a tendência é a gente continuar com um Congresso mais conservador. Na eleição municipal também.

Isso pode suscitar uma reforma ministerial por parte do presidente Lula?

O presidente já abriu espaço para os partidos conservadores. União Brasil, PP, MDB já fazem parte do governo. É uma necessidade desses partidos estarem alinhados com o governo e do governo buscar um ajuste de posição para que os partidos de fato tenham resultado efetivo nas votações do Congresso.

Neste cenário no Congresso, é possível ao presidente impor a sua agenda?

Lula não precisa de uma agenda de esquerda. Tributação de grandes fortunas? Poderia ser um tema, mas não vai entrar. O presidente tem que ir conduzindo no dia a dia, focando na agenda econômica e nas necessidades do governo. Não tem que levar para o Congresso debate que fortaleça posições ideológicas. Agora é a necessidade do pragmatismo do ato de governar.

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