Terceirização pode melhorar gestão escolar em SP
O Globo
Iniciativa do governo paulista não significa
‘privatização’ do ensino e aumentará eficiência administrativa
É acertada a decisão do governo de São
Paulo de licitar a
prestação de serviços para 33 novas escolas de ensino médio e fundamental II. O
sindicato de professores tachou a medida como “privatização” das escolas. Mas
evidentemente se trata de um equívoco, já que as atividades de ensino
continuarão a cargo do Estado. As empresas privadas apenas construirão as
instalações, cuidarão da manutenção e conservação, sem nenhum contato com a
área pedagógica das novas unidades.
Os prestadores de serviços assinarão contratos de concessão com duração de 25 anos, período em que certamente os gastos com as escolas serão mais eficientes. A administração privada dessas 33 unidades poderá ter custo mais baixo e obter resultados melhores que nas escolas sob gestão exclusiva da Secretaria de Educação. Outra vantagem é que a concessão, que passa para o setor privado tarefas como limpeza, vigilância, portaria, alimentação ou jardinagem, servirá de parâmetro para o governo avaliar a relação de custo e benefício dos mesmos gastos que realiza nas demais escolas. São apenas 33 estabelecimentos, num estado que tem mais de 5 mil.
A abertura para empresas privadas no ensino
básico público também ocorre noutros estados, mas com um modelo distinto e
muito mais arriscado. Tanto no Paraná como em Minas Gerais,
grupos privados têm assumido escolas e também atuado no campo pedagógico. Desde
o ano passado, dois colégios estaduais paranaenses funcionam dentro desse
sistema, e a Assembleia Legislativa ainda se pronunciará sobre a extensão do
modelo para mais 200. Em Minas, três escolas funcionam sob esse regime desde
2022.
Tais experiências, em contraste com a
iniciativa paulista, são mais próximas do sistema americano conhecido como
“escolas charter”, em que estabelecimentos de gestão privada são sustentados
pelo dinheiro público. A primeira dessas escolas surgiu em Minnesota, em 1992.
No segundo semestre de 2021, de acordo com o Centro Nacional de Estatísticas de
Educação, aproximadamente 3,7 milhões de estudantes americanos estavam
matriculados em 7.800 charters. O resultado desse modelo é ambíguo. Com base
num levantamento de centenas de artigos acadêmicos sobre o assunto, um estudo
do movimento Todos Pela Educação concluiu que, apesar de exemplos eventuais de
sucesso, elas têm impacto muito baixo sobre o aprendizado.
Isso não quer dizer, contudo, que o modelo
clássico de gestão de escolas públicas não deva ser rediscutido, nem que a
iniciativa privada não possa ter seu papel. Além da experiência de São Paulo,
restrita à prestação de serviços, várias outras envolvem organizações privadas
ou da sociedade civil atuando junto a governos para ajudar na melhoria da
qualidade do ensino, seja pela transmissão de novas ferramentas pedagógicas,
seja pelo treinamento de professores. Querer desqualificá-las pespegando-lhes o
rótulo de “privatização” — um anátema aos ouvidos da esquerda e dos sindicatos
de professores — reflete, na melhor hipótese, apenas a ignorância daqueles que
deveriam zelar pela transmissão do conhecimento.
Identificação por câmeras é positiva, mas
exige cautela para evitar injustiça
O Globo
Tecnologia ajudou a reduzir em 42% os roubos
de rua em Copacabana, mas um terço dos alertas estava errado
O uso de câmeras de reconhecimento facial
como ferramenta de segurança tem se revelado um avanço no combate ao crime. A
tecnologia, que auxilia na identificação e localização de foragidos, tem sido
usada em diversos estados, como demonstram iniciativas em São Paulo, Rio de
Janeiro e Bahia. Contudo, apesar dos inúmeros benefícios, é crucial que seu uso
seja acompanhado por critérios rigorosos e ajustes constantes para minimizar
erros e evitar injustiças.
No Rio, a
implementação de câmeras de reconhecimento facial em grandes eventos, como o
Réveillon em Copacabana, resultou, em quase seis meses de uso, na prisão de 185
suspeitos foragidos. O resultado inicial é alentador, mas ainda
há um longo caminho para que a eficácia atinja patamares satisfatórios. Um
levantamento do projeto Copacabana Presente revelou que, até março, dos 75
alertas gerados pelas câmeras, apenas 12 resultaram em prisões. Isso mostra que
parcela significativa ainda é detida por engano.
A integração eficiente entre as instituições
de segurança é fundamental para melhorar a precisão dos sistemas de
reconhecimento facial. “É importante que exista um banco de dados com
informações compartilhadas entre Justiça, Ministério Público, polícias Civil e
Militar”, afirma o coronel reformado da PM José Vicente da Silva. “A rivalidade
dificulta parcerias, mas o ideal seria um sistema cooperativo de inteligência
compartilhada.”
As autoridades devem ser cautelosas e
diligentes na atualização dos bancos de dados. No primeiro trimestre, um terço
dos alertas emitidos em Copacabana era incorreto, gerando “falsos positivos”
que causam constrangimento e injustiça. Para reduzir esses equívocos, o Centro
Integrado de Comando e Controle afirma ter recalibrado o sistema e implementado
um protocolo de checagem adicional, incluindo a verificação de fotos e a
consulta a listas de falsos positivos anteriores.
Há necessidade de atualização constante dos
bancos de dados. Erros como os ocorridos em janeiro, quando dois suspeitos
foram detidos sem que suas ordens de prisão tivessem sido emitidas, devido à
desatualização do sistema da Polícia Civil, demonstram a necessidade de bases
de dados mais precisas e atualizadas.
Resultados positivos, como a redução de 42%
nos registros de roubo de rua em Copacabana e no Leme de janeiro a abril,
evidenciam o potencial da tecnologia quando bem aplicada. Em consequência, o
plano é instalar outros 16 pontos de vigilância no bairro, além dos 11 já
existentes, para criar um “cinturão de reconhecimento facial”.
Mas é essencial que haja ajustes contínuos
para evitar erros e garantir que a ferramenta não perca credibilidade. O
sucesso depende do equilíbrio entre inovação e rigor operacional. Apenas com a
implementação de protocolos robustos, a integração eficiente entre instituições
e a atualização constante dos bancos de dados será possível minimizar as falhas
e proteger os cidadãos de injustiças, garantindo que a tecnologia sirva à
segurança pública sem comprometer os direitos individuais.
Disputa de EUA com China dissemina o
protecionismo
Valor Econômico
O número de medidas discriminatórias adotadas pelos países e que dificultam o comércio disparou a partir de 2020, por causa da pandemia, e segue em nível muito alto
A União Europeia (UE) aplicou tarifa
adicionais sobre os veículos elétricos chineses, como resultado da sua
investigação sobre subsídios na China. Elas variam entre 17% e 38%, além da já
existente de 10% sobre todos os carros desta categoria, e entrará em vigor em 4
de julho. O resultado da investigação concluiu que os veículos elétricos da
China são “pesadamente subsidiados”, segundo o comissário para comércio da UE,
Valdis Dombrovskis. Em maio, o governo americano impôs sobretaxa de 100% sobre
os carros elétricos chineses. Essa é potencialmente a principal e mais
simbólica medida protecionista adotada pelo Ocidente, que liderou o processo de
liberalização comercial nos anos 90.
É impressionante que o comércio global tenha
sofrido uma reversão tão importante em tão pouco tempo. Pouco mais de 30 anos
atrás, em abril de 1994, foi assinado o acordo que criou a Organização Mundial
do Comércio (OMC) e que gerou um período de intensa liberalização comercial
global. Esse processo ocorreu não apenas no âmbito da OMC, mas também por meio
de uma miríade de acordos de livre comércio assinados entre países e blocos
comerciais. Até 1990, os EUA tinham apenas um acordo de livre comércio. Desde então,
13 foram assinados. A UE tinha somente dois acordos até 1990. Desde então,
assinou outros 36.
A partir de 1995, a OMC se tornou de fato um
árbitro das disputas comerciais entre países. Isso foi algo inédito na economia
mundial, pois até então o país mais forte geralmente impunha a sua vontade nas
disputas, numa espécie de lei da selva.
Esse movimento de liberalização começou a ser
questionado nos EUA ainda no governo Obama. Mas foi com Donald Trump que
Washington definitivamente desembarcou dessa que era a sua própria agenda.
Trump fez do protecionismo comercial um dos pilares de sua política econômica,
com os objetivos de reduzir o déficit americano, de reindustrializar o país e
de trazer de volta empregos perdidos. Era o “Make America Great Again” (fazer
os EUA grandes novamente, em tradução livre), seu slogan de campanha, conhecido
pelo acrônimo Maga. Nenhuma dessas metas foi atingida, mas o momento
definitivamente mudou.
A ascensão econômica, política e militar da
China e a atitude mais assertiva do país sob o presidente Xi Jinping reforçaram
a percepção no Ocidente de que o livre comércio estava ajudando a fortalecer um
competidor estratégico e uma ameaça à própria segurança ocidental.
A primeira vítima da reversão dessa agenda
foi a OMC. Os EUA vêm há anos se recusando a aprovar a indicação de novos
membros para os painéis de arbitragem da entidade, o que na prática inviabiliza
a sua atuação na resolução de conflitos comerciais. Para Washington, esses
painéis acabavam de fato criando jurisprudência em matéria comercial, o que não
seria o objetivo inicial. Os americanos acreditam ainda que a OMC fracassou em
fazer a China cumprir as regras comerciais.
O protecionismo de Trump, principalmente em
relação à China, foi mantido pelo presidente Joe Biden e se tornou um dos
poucos temas sobre os quais há um consenso suprapartidário em Washington. Logo
no início do seu governo, Biden aprovou pacotes de apoio à economia que contêm
grandes subsídios e apoios à produção nos EUA, que poderiam ser questionados na
OMC se o sistema de solução de disputas estivesse funcionando. Em campanha
eleitoral para as eleições de novembro, Trump ameaça impor sobretaxas a todos
os produtos importados pelos EUA e aumentar ainda mais aquelas já impostas à
China.
A UE, que vinha resistindo à agenda
protecionista e de política industrial dos EUA, já aprovou planos de apoio à
produção local (como a Lei dos Chips, do ano passado) e agora impôs sobretaxas
aos veículos elétricos chineses, um setor em que a China está à frente dos
fabricantes europeus e que Pequim ameaça dominar. Uma reação chinesa às novas
tarifas americanas e europeias poderá desencadear uma nova guerra comercial
entre o Ocidente e Pequim.
EUA, UE e outros países vêm acusando a China
de ter acumulado um excesso de capacidade de produção em vários setores, como
resultado de uma política de crescimento baseado no investimento e na
exportação. E argumentam que os chineses estão desovando esse excesso de
produção nos mercados globais. Nos últimos meses, vários países, inclusive o
Brasil, adotaram medidas para limitar a entrada de aço chinês. A China pouco
tem feito para responder a essas preocupações dos parceiros.
Segundo a Global Trade Alert (GTA), entidade
que monitora mudanças de regras comerciais dos países que afetam o comércio
global, a China é de longe o principal alvo de medidas restritivas. Mas não é o
único. O número de medidas discriminatórias adotadas pelos países e que
dificultam o comércio disparou a partir de 2020, por causa da pandemia, e segue
em nível muito alto.
A tendência é bastante clara: os países estão cada vez mais recorrendo a medidas protecionistas, dificultando o comércio, e aqueles que podem adotam ainda medidas de apoio à produção local. É um mundo de comércio cada vez mais controlado, completamente diferente daquele que se imaginava no início deste século.
Plano de saúde precisa de regulação melhor
Folha de S. Paulo
Crise do setor reflete falhas que permitem
tanto a rescisão unilateral de contratos quanto altos custos e judicialização
Quando um seguro contra inundações é
contratado, não se cogita a possibilidade de que, no meio de uma enchente, a
companhia cancele a apólice. Contudo algo
similar tem sido feito por planos de saúde.
Empresas rescindiram unilateralmente
contratos de usuários considerados custosos —como
portadores de transtorno do espectro autista e pacientes
oncológicos em tratamento. Espanta também que, em princípio, a legislação
autoriza essa procedimento.
A saúde privada
é um setor em que boa regulação se faz fundamental, dado que as operadoras
primeiro recolhem os valores dos clientes e só mais tarde precisam desembolsar
os custeios. Isso significa que elas têm enorme incentivo a prometer mundos e
fundos para conquistar consumidores e, na hora do sinistro, procurar
justificativas para glosar o pagamento.
O Brasil falha nessa seara —como evidencia a
atual crise dos planos nos últimos anos, com redução de receitas e da rede
credenciada.
Usuários de planos nas modalidades
empresarial ou por adesão (a maioria) não têm garantias de que não terão a
cobertura cancelada quando mais precisam.
Se, em relação a essa questão, os reguladores
se mostraram excessivamente favoráveis às operadoras, em outras as normas
extrapolam na proteção dos usuários, dificultando a tarefa de gerir as
carteiras com base no cálculo atuarial —que é a essência desse serviço.
Qualquer rede de saúde, pública ou privada,
deve ser baseada em análise racional de custos e benefícios com base em
evidências.
Se há dois tratamentos para uma doença que
apresentam resultados similares, mas com substanciais diferenças de preço, a
opção deve ser pelo mais em conta.
É assim que funcionam os melhores sistemas do
mundo, como o britânico. Lá, os tratamentos custeados estão claramente
definidos e só muito excepcionalmente algo que não conste da lista oficial
acaba tendo cobertura. Sem isso, deixa-se de operar com riscos, que são
calculáveis, para trabalhar com incertezas, que não são.
No Brasil, tentou-se fazer algo similar com o
chamado rol taxativo de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS). Mas, tão logo a Justiça reconheceu a validade desse instrumento, o
Congresso aprovou lei que o tornou meramente indicativo.
Qualquer usuário que queira um tratamento
alternativo, mesmo sem base científica ou que tenha custo excessivo, tem grande
chance de obtê-lo, ainda que por via judicial, onerando os demais.
Sem regulação equilibrada, que proteja o
consumidor mas permita uma gestão racional por parte das operadoras, nenhum
sistema de saúde para em pé.
Lixo protelado
Folha de S. Paulo
Já passa da hora de o Brasil implantar
políticas para tratamento de resíduos
O poder público brasileiro, nas três esferas
de governo, não pode mais protelar políticas para o tratamento de resíduos
sólidos urbanos (RSU), o que conhecemos por como lixo. O problema, abordado em
série de reportagens da Folha, gera impactos tanto no meio ambiente e
na saúde como
na economia.
O país produz por ano cerca de 80 milhões de
toneladas de RSU —o que enche quase 2.000 estádios do Maracanã— e projeções
apontam alta de mais de 50% até 2050.
Atualmente, cerca de 40% do lixo produzido
tem destinação final inadequada, como terrenos sem proteção, córregos, rios e
mares.
Grande parte vai para o chamado lixão, que
opera sem licença ambiental e sem os custos dos aterros sanitários. Estes
protegem o solo de contaminações e têm potencial para recuperar o
metano emitido pelos RSU para a produção de biogás e de energia elétrica —modelo
de recuperação energética de resíduos que ainda engatinha no país.
Desde 2014, o Brasil empurra o prazo para
eliminar os lixões. Dez anos depois, ainda restam mais de 1.500 deles,
inclusive em áreas de proteção ambiental. O novo limite estipulado para a
extinção da anomalia, agosto deste 2024, também não será cumprido.
Ademais, apenas 4% dos resíduos recicláveis
são reciclados. A média global é de 19%, e em países da
Europa Ocidental, Austrália e Coreia do Sul chega a mais de 50%.
Nestes, as indústrias que colocam no mercado
produtos que geram resíduos são as responsáveis por recuperá-los para seu
reaproveitamento em ciclos produtivos, por meio de reuso ou reciclagem.
A prática, chamada de logística reversa, é
lei no Brasil desde 2010, quando foi instituída a Política Nacional de Resíduos
Sólidos. Hoje, funciona para produtos como pneus e embalagens de agrotóxicos,
mas ainda patina para materiais mais comuns, como papel, plástico, vidro e
metais.
Se o tratamento dos resíduos é fundamental para a proteção do meio ambiente e da saúde pública, também gera oportunidades para o desenvolvimento de novos materiais, produtos e negócios sustentáveis capazes gerar desenvolvimento, trabalho e renda.
Quando petistas brigam, é o Brasil que apanha
O Estado de S. Paulo
Ao mais uma vez sabotar a política econômica,
trabalhando para minar a credibilidade de Haddad, lideranças do PT atentam
contra um herdeiro político de Lula e contra o País
Parece infinita a disposição do PT para
sabotar os próprios governos que conquista e lidera – e o calvário enfrentado
há meses pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é prova inconteste dessa
vocação. Não é de hoje o confronto aberto entre morubixabas petistas e quem
defende uma política econômica séria e fiscalmente responsável. Chama a
atenção, no entanto, que não apenas se dediquem a tentar arruinar o arcabouço
fiscal e o que resta da frágil credibilidade do governo, como também trabalhem
para desmontar em praça pública uma liderança do partido. Haddad é considerado
o principal herdeiro político do presidente Lula da Silva e o candidato de
maior potencial para quando chegar o momento da aposentadoria do chefe. Abalos
definitivos na sua atuação na Fazenda comprometem o governo, o presidente e o
próprio partido, mas os algozes petistas de Haddad não parecem se importar com
isso, muito menos com a estabilidade do governo e do Brasil. Ao contrário:
talvez esteja nesse peso político do ministro, e não apenas nas divergências
econômicas, a natureza dos ataques dirigidos a ele.
O PT foi forjado numa imensa variedade de
tendências e correntes internas. Do grupo majoritário, a CNB (Construindo um
novo Brasil), de Lula e José Dirceu, a muitas outras, como Resistência
Socialista, Democracia Socialista, Articulação de Esquerda e algumas dúzias
mais, há um cipoal de interesses, visões e disputas que costumam orgulhar as
lideranças do partido – uma democracia interna louvável, embora grande parte
acabe adotando silêncio obsequioso quando convém a Lula e ao comissariado. A
história é diferente quando se trata da economia. Sob inspiração da própria
ambiguidade presidencial, não só os desejáveis debates públicos se tornam mais
intensos, como algumas das principais vozes do partido não hesitam em trabalhar
contra. Contra o ministro de ocasião, contra o governo, contra o Brasil.
Nunca será demais lembrar os ataques sofridos
por Joaquim Levy – que aceitara o desafio de ser ministro da Fazenda de Dilma
Rousseff – e seus efeitos para a instabilidade política posterior. Pouco depois
de eleita numa campanha polarizada ideologicamente, em que acusou os
adversários Marina Silva e Aécio Neves de planejarem um ajuste duro, Dilma
escalou Levy – reconhecido fiscalista, a ponto de receber o apelido “mãos de
tesoura” quando dirigiu o Tesouro Nacional, durante o primeiro mandato de Lula
– para, ela sim, implementar medidas de austeridade fiscal. A guinada entre a
campanha e o segundo mandato foi oficializada, mas o PT trabalhou dia e noite
no Congresso e na opinião pública para implodir os planos do ministro e deu no
que deu: a deterioração fiscal foi crescente até provocar desequilíbrio
macroeconômico e perda contínua de apoios, culminando com a crise política e o
impeachment de 2016. A lição pareceu insuficiente, porque o PT fez o que
costuma fazer: pôs o fracasso na conta de forças externas.
Se Joaquim Levy era um forasteiro, um corpo
estranho nas entranhas do poder petista, Haddad é um quadro potencial num
partido cujas lideranças envelheceram – no tempo e nas ideias. Atribui-se à
presidente do PT, Gleisi Hoffmann, e ao ministro-chefe da Casa Civil, Rui
Costa, a liderança das investidas contra Haddad. Uma resolução da sigla chegou
a classificar de “austericídio fiscal” a meta de déficit zero. Uma grita de tal
monta que o ex-ministro José Dirceu definiu como “quase covardia” integrantes
do PT não apoiarem as propostas de Haddad. De Gleisi se desconhece formação em
matéria econômica. De Rui nota-se a dificuldade de construir e articular um
plano crível de governo. De ambos sabe-se que não fariam o que fazem sem a
anuência do presidente, pródigo na arte de estimular a emissão de sinais
variados, de modo a garantir a ele o papel de árbitro. No passado, era Lula
também que deixava lideranças petistas atacarem duramente outro ministro da
Fazenda, o também petista Antônio Palocci – assim como Haddad, também citado à
época como possível sucessor do presidente.
As cizânias petistas seriam irrelevantes,
divertidas até, caso se restringissem ao partido. O problema é quando suas
altercações atingem o nervo central do País: a economia. E o Brasil paga a
conta.
Universidades precisam se abrir ao mundo
O Estado de S. Paulo
Numa economia do conhecimento globalizada, o
País precisa de universidades de excelência e há instituições que podem cumprir
esse papel, caso invistam em internacionalização
A Universidade de São Paulo (USP) deixou de
ser a melhor da América Latina e passou para o segundo lugar no ranking da
Quacquarelli Symonds (QS). Não é um problema grave. A USP segue entre as 100
melhores e rankings tem suas idiossincrasias e oscilações. No ano que vem ela
pode voltar ao topo, e as manchetes passarão de apreensivas a laudatórias.
O que importa é utilizar essa foto do momento
para avaliar a trajetória. Nos últimos 20 anos a USP subiu muitas posições e
segue sendo a universidade brasileira mais bem posicionada para atingir o
status de “classe mundial”. Ela tem a responsabilidade de puxar a fila e
mostrar o caminho das pedras para outras universidades que também têm essa
vocação, como a Unicamp (232.ª no ranking), UFRJ (304.ª) ou Unesp (489.ª). É
justo prestigiar as conquistas da USP, mas ela ainda está aquém de seu
potencial e precisa fazer a lição de casa.
Em depoimento ao Estadão, o diretor
regional da América Latina da QS, Elson Freire, enfatizou dois caminhos para a
USP melhorar sua colocação: internacionalização e sustentabilidade.
No segundo caso, a USP e o ecossistema
universitário nacional já estão comparativamente bem posicionados. Mas, dadas
as condições naturais e vantagens comparativas do Brasil na área ambiental, a
avaliação é que as universidades podem ter um papel muito mais inovador e
transformador.
Há outros déficits que Freire não chegou a
apontar, mas que têm sido citados por especialistas em ensino superior. A
burocracia excessiva, nos moldes das repartições públicas, engessa o orçamento
e a flexibilidade para compra de equipamentos, gastos com pesquisa, contratação
de professores e inovações nos departamentos e currículos. Acomodadas aos
recursos públicos, as universidades públicas exploram pouco as fontes
alternativas de financiamento e parcerias público-privadas, sem as quais
nenhuma universidade atinge excelência. No topo do ranking a equação é inversa:
as universidades de primeira classe também dependem de recursos públicos para
pesquisa, mas, em geral, são privadas, e investem em toda forma de captação de
recursos privados para robustecer seu capital.
Há uma vulnerabilidade estrutural que não
pode ser totalmente sanada, mas pode ao menos ser mitigada, que é o gigantismo
da USP e outras universidades públicas. Instituições no topo dos rankings são
de tamanho médio para pequeno, com menos de 20 mil alunos. A USP tem quase 100
mil, e, como outras universidades públicas, administra de museus a hospitais,
agravando dificuldades administrativas e orçamentárias crônicas.
Há ainda uma questão cultural. Na última
geração as políticas para o ensino superior focaram quase que obsessivamente na
expansão e na inclusão social, e negligenciaram a busca por excelência, a
valorização do mérito e a diversidade acadêmica.
Todas essas disfuncionalidades agravam
transversalmente aquele que é talvez o maior déficit das universidades
brasileiras: o baixo grau de internacionalização. É quase uma tautologia:
universidades que ambicionam o status de classe internacional precisam
incentivar o intercâmbio internacional e a diversidade de alunos e docentes.
Conscientes dos desafios de uma economia do conhecimento globalizada, países já
desenvolvidos, como Alemanha ou Suécia, ou em desenvolvimento, como Coreia do
Sul ou China, têm investido fortemente em internacionalização, com resultados
expressivos nos rankings.
Um fator de alavancagem decisivo seria
consagrar o inglês como segunda língua e idioma corrente em cursos e
publicações. O engessamento administrativo e orçamentário é um empecilho ao
recrutamento de professores estrangeiros a preços competitivos.
O Brasil é uma potência regional, é a segunda
maior democracia no hemisfério ocidental e tem uma economia relativamente
diversificada entre as 10 maiores do mundo. Um país assim não pode prescindir
de universidades de classe mundial para navegar no novo mundo do século 21. À
frente de um punhado de outras universidades públicas, a USP está no bom
caminho, mas precisa fazer a lição de casa e acelerar o passo.
A rede hoteleira do crime
O Estado de S. Paulo
Ação da Polícia Civil empareda PCC na
Cracolândia com inteligência, não pirotecnia
A Polícia Civil deflagrou uma operação no
centro de São Paulo para desbaratar uma rede de hotéis do Primeiro Comando da
Capital (PCC) usada como base do tráfico. A investigação revelou que, a partir
dessa estrutura, o fluxo de usuários da Cracolândia passou a perambular atrás
de droga – triste cena repetida à exaustão no coração da maior metrópole do
País. O ardil da facção impressionou, e só foi possível interrompê-lo porque o
trabalho da polícia não foi ancorado em violência, mas em inteligência.
A investigação mostrou que uma operação da
Prefeitura, em 2021, para lacrar com tijolos antigas hospedarias na área em que
o fluxo se concentrava havia dez anos, disparou o gatilho para a dispersão de
bandidos e usuários. A partir do ano seguinte, o PCC encontrou uma solução para
contornar o cerco das autoridades.
Os criminosos começaram a comprar imóveis na
região para firmar a logística do tráfico. Esses estabelecimentos serviram
também de esconderijo de bandidos e sedes de “tribunais do crime”, onde eram
impostas “penas” de internação compulsória a usuários considerados “infratores”
ou de morte, o que é estarrecedor.
Com a compra de imóveis abaixo do valor venal
e, inclusive, com ameaças a proprietários, os bandidos deixaram um rastro de
degradação – o que, por óbvio, tem impacto na valorização do entorno. Segundo a
apuração, o PCC adquiriu 78 hotéis e hospedarias, espraiando o fluxo para as
proximidades das Praças Marechal Deodoro e Princesa Isabel, dos Largos do
Arouche e Paiçandu, além das Avenidas São João e Duque de Caxias.
Lojistas e moradores, como se sabe, viraram
alvo da violência, vivendo sob o signo do medo e de prejuízos. Em demonstração
da força do crime e da fraqueza do poder público, comerciantes baixaram as
portas.
Agora, a Polícia Civil seguiu, corretamente,
por uma nova trilha, após ações tão espalhafatosas quanto insuficientes. Em
paciente investigação, os agentes mapearam o trajeto do fluxo no centro
histórico e localizaram imóveis que davam suporte ao tráfico – a verdadeira
raiz do problema que se espalhou pela região.
Os policiais identificaram, então, operações
de compra e venda de imóveis em nome de porteiros, ajudantes gerais e até de
usuários de droga. A avaliação de movimentações bancárias dos suspeitos, com
base em análises do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf),
ajudou os investigadores a entenderem a estrutura dos negócios do PCC e a
hierarquia do bando.
De posse de informações bem organizadas, a
Justiça deu a ordem para fechar 26 hospedarias clandestinas, expediu 124
mandados de busca e apreensão e determinou o bloqueio de dinheiro em 28 contas
bancárias. É isso que tem potencial para sufocar o PCC. Com o esquema
desvendado, a Polícia Civil e a Guarda Civil Municipal, com 600 agentes, foram
às ruas, em um claro sinal de cooperação.
A Operação Downtown levou à prisão 15 suspeitos e apreendeu celulares, dinheiro, crack, skank e cocaína. Sem confronto, bombas ou pânico, uma importante batalha contra o PCC foi vencida, mas a guerra está longe de terminar, razão pela qual será necessário ampliar a coordenação dos esforços policiais e investir em inteligência.
Crianças e adolescentes da era digital
Correio Braziliense
A geração conectada precisa lidar com as
mudanças nas relações, desenvolver consciência do tempo de uso das telas e,
especialmente, aprender a avaliar o uso ético das tecnologias
Presente na vida das pessoas como produto de
primeira necessidade, a tecnologia se desdobra em uma diversidade de itens e
ocupa posições variadas nas atividades do cotidiano. Independentemente da faixa
etária, a dependência e o uso aumentam em ritmo acelerado, acompanhando a
velocidade das inovações. A geração Alpha, considerada a primeira 100% nativa
digital, está totalmente mergulhada nos aspectos positivos e negativos da alta
exposição a esses recursos.
Com pessoas nascidas a partir de 2010, essa
parcela da população percebe e conhece o mundo por meio das telas. São crianças
e adolescentes que, extremamente estimulados, têm à disposição um universo de
possibilidades. Ao mesmo tempo, estão expostos aos efeitos e riscos que os
múltiplos contatos virtuais apresentam.
Na educação, a tecnologia vem auxiliando os
processos de ensino e de aprendizagem desses estudantes. O acesso rápido à
informação, a facilidade de se "aproximar" de outras culturas e a
utilização em atividades pedagógicas beneficiam os alunos. Mas eles também
ficam mais distanciados das interações com outras pessoas, o que pode
comprometer o desenvolvimento emocional. O contato desde cedo com o mundo
virtual vem afastando as experiências reais, como as frustrações.
Para a geração conectada, os desafios são
diferentes das que vieram antes e precisaram se adaptar. Inserida no digital, a
classe Alpha precisa lidar com as mudanças nas relações, desenvolver
consciência do tempo de uso das telas e, especialmente, aprender a avaliar a
aplicação ética das tecnologias. Além disso, encontrar equilíbrio entre o
avanço tecnológico e a preservação dos recursos naturais é uma questão crucial
que ronda essas crianças e adolescentes.
A proteção e a garantia da privacidade são
outros pontos relevantes. Com agilidade para encontrar soluções nas redes, esse
público vira alvo de perigo na mesma velocidade. Modelos mais seguros de
navegação e de controle por parte dos adultos são fundamentais para assegurar a
segurança dos menores. Nesse pacote de medidas, é preciso aprimorar sempre os
limites da publicidade que pode atingir esse público via plataformas virtuais,
já que nessa idade a deficiência de julgamento e a falta de experiência são fatos.
Os responsáveis parentais da geração Alpha
precisam estar preparados para enfrentar as consequências da alta conectividade
e da Inteligência Artificial (IA), principalmente os efeitos físicos,
emocionais, psicológicos e morais.
Um maior comprometimento das empresas do
setor, por sua vez, deve ser avaliado. O investimento em meios para deixar o
ambiente virtual apropriado para essa faixa etária é um tema que entra nesse
debate. Aprofundar a discussão, definindo obrigações, é uma atitude que a
sociedade precisa ter.
A transição de gerações em ritmo cada vez
mais rápido, resultado da era da internet, exige pensamento crítico. Hoje, é
essencial educar para o consumo em tempo digital, explicando aos jovens que as
ferramentas tecnológicas não são neutras e podem conter armadilhas. A atuação
legislativa também é parte importante desse processo de atenção ao alcance da
web na vida de crianças e adolescentes.
As conexões são amplas e profundas - analisar o impacto que podem provocar é um dever a ser cumprido globalmente. Apesar de os recortes geracionais não serem exatos, os nascidos recentemente estão ligados ao virtual e a sociedade precisa estabelecer o ambiente adequado a essa realidade.
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