Saída de Lupi, inevitável, não encerra escândalo
Folha de S. Paulo
Omissão de ministro ante fraudes no INSS, que
dispararam sob Lula, é inquietante para um governo conectado a sindicatos
Em seu pronunciamento para o 1º de Maio, Luiz
Inácio Lula da
Silva (PT)
apresentou rapidamente a versão oficial para o escândalo recém-revelado
no INSS —foi
seu governo que desmontou o esquema criminoso de desvios do dinheiro de
aposentados e pensionistas, que será devolvido, discursou.
Os fatos, porém, são bem mais graves para a
administração petista, como mostrou a queda do ministro da Previdência
Social, Carlos Lupi, logo
no dia seguinte ao feriado dos trabalhadores.
Ficou evidente a omissão da pasta diante de sinais óbvios de desmandos no Instituto Nacional do Seguro Social, o órgão responsável por pagamentos de benefícios que somam quase R$ 1 trilhão ao ano. Providências só foram tomadas quando a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal deflagraram uma operação contra a fraude.
Já no primeiro ano deste governo, em junho de
2023, o tema foi tratado em reunião do Conselho Nacional de Previdência Social
—uma participante relatou o aumento no número de denúncias de irregularidades
em acordos com o INSS que permitiam a sindicatos e outras entidades receberem
recursos retirados dos benefícios previdenciários.
O alerta não evitou uma disparada dos
montantes sob Lula e Lupi. Em 2016, quando Michel Temer (MDB) ocupava o
Palácio do Planalto, os descontos ficaram em R$ 413 milhões. No final da gestão
de Jair
Bolsonaro (PL),
em 2022, foram R$ 706 milhões. No ano passado, a
cifra subiu a nada menos que R$ 2,6 bilhões.
Auditoria da CGU entrevistou
uma amostra de 1.273 beneficiários do INSS, dos quais 97,6% disseram não ter
autorizado desconto nenhum. Isso foi entre abril e julho de 2024. Tratando-se
de um governo com óbvias conexões sindicais, os dados são particularmente
inquietantes.
Era inevitável, pois, a saída de Lupi,
presidente do PDT e
titular da pasta do Trabalho em administrações petistas anteriores —e que
deixou o cargo em 2011 sob suspeita de relações indevidas com ONGs ligadas ao
partido. A demissão está longe de encerrar o escândalo, todavia.
Para não melindrar ainda mais o partido
aliado, Lula deixou no comando da Previdência Wolney Queiroz, correligionário
de Lupi que era o número dois do ministério e participou
da fatídica reunião de 2023. Não é obviamente a melhor saída para mostrar
disposição de esclarecer a fundo o caso e punir todos os envolvidos.
Com sua reação tardia e hesitante, o governo
corre o risco de ver a investigação da fraude nas mãos da oposição, que
articula uma comissão de inquérito no Congresso
Nacional. A despeito do trabalho meritório da CGU e da PF, será difícil
negar a pertinência da atuação parlamentar.
O ressarcimento do dinheiro roubado de
aposentados e pensionistas é medida óbvia e urgente. Falta explicar como o
esquema de desfaçatez se expandiu sob a guarda de um órgão público e mostrar
que ele não se repetirá.
Liberdade de imprensa em declínio no mundo
Folha de S. Paulo
Ranking aponta recuo em 60% dos 180 países
avaliados, mas Brasil avança 19 posições; atividade é essencial à democracia
Pela primeira vez nos últimos 23 anos, a
liberdade de imprensa global está em situação categorizada como
"difícil" pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).
Segundo seu ranking de 2025, houve
queda na pontuação em 60% dos 180 países avaliados, inclusive nos Estados
Unidos, cuja democracia está historicamente alicerçada na imprensa livre.
Em 90 deles, o status é "difícil" ou "muito grave".
A listagem se baseia em dados do ano anterior
—no caso, 2024. Mas considera eventos ocorridos na passagem entre os anos que
impactem a atividade.
Assim, os atos de Donald Trump durante
as eleições e nos quatro primeiros meses do seu segundo mandato —ataques
verbais a jornalistas, proibição de acesso de veículos à Casa Branca e corte de
financiamentos para comunicação pública— contribuíram para que o país caísse
duas posições em relação ao ranking anterior e ficasse na 57ª.
Na América
Latina, a Argentina de Javier Milei,
seguidor do ideário trumpista, perdeu 21 posições ante a edição de 2024 e
figura no 87º lugar. Em países onde há muito observa-se fragilidade da livre
imprensa, o quadro agravou-se, como em Venezuela (160º), Nicarágua (172º)
e México (124º)
Já o Brasil foi uma das exceções do ranking,
no âmbito regional e global, ao escalar 19 posições em relação a 2024 e
alcançar o 63º lugar. Quando se compara com o último ano do governo Jair
Bolsonaro (PL),
que também era hostil ao trabalho jornalístico, o país avançou 29 colocações.
Mesmo assim, o país ainda está na categoria
"problemático", o que exige ações do poder público, principalmente
sobre a segurança dos profissionais de imprensa —mais vulneráveis em cidades
pequenas, regiões
isoladas como a amazônia ou dominadas por facções criminosas.
Guerras, conflitos armados e declínio
institucional também contribuíram para a piora mundial. São os casos de nações
africanas, do Leste Europeu e
do Oriente
Médio, como Sudão, Rússia, Ucrânia, Israel e Palestina.
O relatório da RFS destaca, ainda, a
deterioração do indicador econômico. A competição com plataformas online vem
fazendo cair as verbas publicitárias dos jornais, e a concentração de
propriedade dos meios de comunicação mina a pluralidade.
Trata-se de um cenário desafiador. A ascensão
global de populismos e da polarização política impacta a liberdade de imprensa,
mas deve-se lembrar que ela é uma das principais ferramentas para preservar as
instituições democráticas que esses fenômenos tendem a desestabilizar.
Igreja se beneficiaria de novo Papa com
perfil de Francisco
O Globo
Distância entre o catolicismo e as angústias da sociedade tem levado à perda de fiéis, sobretudo nas Américas
Na contagem regressiva para o início do
conclave que escolherá o sucessor do Papa
Francisco, uma dúvida paira sobre o Vaticano: saberá o
novo Papa preservar
e aprofundar seu legado na aproximação entre a Igreja e os mais pobres e na
abertura para debates da atualidade em questões comportamentais e sociais? Ou
haverá retrocesso?
Primeiro Papa jesuíta e das Américas, o
cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio assumiu a Igreja em momento difícil
depois da renúncia de Bento XVI. No pontificado iniciado em 2013, enfrentou a
séria crise provocada pelos casos de abuso sexual de menores. Embora tenha
recebido críticas por ter demorado a agir e por não ter ido a fundo nas
sanções, Francisco puniu vários padres, alguns de alta hierarquia — nos Estados
Unidos, não escapou o cardeal Theodore McCarrick, afastado em 2018 e expulso do
clero no ano seguinte (foi o primeiro afastamento de um cardeal da Igreja na
História moderna).
Francisco também publicou a encíclica
“Laudato Si’ ” (Louvado Sejas), com engajamento inédito em questões envolvendo
meio ambiente e sociedade. Foi um passo importante na aproximação de Igreja e
mundo concreto, colocando de modo pioneiro os ensinamentos eclesiásticos ao
lado dos conhecimentos científicos. Por fim, Francisco adotou uma postura mais
aberta e tolerante em relação a homossexuais e à comunhão para divorciados.
Todos esses passos positivos estão agora em
suspenso até a escolha do próximo Papa. Uma possibilidade é o sucessor de
Francisco tê-lo como referência e aprofundar sua agenda. A outra é
enclausurar-se no Vaticano e voltar a afastar a Igreja da sociedade.
Nas últimas décadas, a Igreja Católica tem
pagado um preço pela distância das angústias populares. Em número de fiéis, ela
cresce menos que a população desde o período entre 1950 e 1970, quando o total
de católicos aumentava 1,9% e a população mundial 1,8%, segundo o World
Christian Database (WCD). Entre 2015 e 2025, durante o pontificado de
Francisco, os católicos cresceram 0,65% ante 0,97% da população global. Sob
Francisco, o rebanho da Igreja cresceu de 1,19 bilhão para 1,27 bilhão, mas
proporcionalmente perdeu espaço na população do planeta.
No mapa das religiões, o catolicismo tem
encolhido nas Américas — única região em que há queda em números absolutos —,
enquanto cresce na África e na Ásia. Ainda está na América Latina a maior
população católica do mundo — 504,9 milhões, 140 milhões dos quais no Brasil, o
mais católico dos países —, mas aqui e na maioria dos países latinos a
proporção de católicos tem caído, enquanto cresce a de evangélicos e
denominações do protestantismo.
Francisco indicou 108 dos 133 cardeais que escolherão seu sucessor na Capela Sistina. Muitos têm aproveitado os dias no Vaticano para se conhecer, em contatos que deverão ser decisivos para o conclave. É previsível que a ala conservadora, derrotada na eleição de Bergoglio, tente ser mais influente desta vez. O futuro da Igreja, contudo, parece mais seguro com alguém capaz de dar continuidade e de aprofundar os princípios que guiaram Francisco — alguém cujo perfil seja próximo de um Francisco II.
Não tem cabimento a seleção brasileira usar
camisa vermelha
O Globo
Respeito à tradição é essencial — e o próprio
estatuto da CBF impõe uniformes nas cores da bandeira
Enquanto a Confederação Brasileira de Futebol
(CBF)
perambula à procura de um treinador disposto a comandar a seleção pentacampeã
do mundo — o italiano Carlo Ancelotti, atual técnico do Real Madrid, recuou do
convite —, uma discussão esdrúxula mobilizou noticiários esportivos e redes
sociais: a possibilidade de a seleção canarinho usar uma camisa vermelha como
uniforme reserva nos jogos, no lugar da tradicional azul.
Não confirmada oficialmente, a mudança foi
noticiada pelo site Footy Headlines, especializado em camisas de times. De
acordo com a publicação, trata-se de uma estratégia da Nike, fornecedora de
material esportivo para a CBF, visando à Copa de 2026. Essas mudanças costumam
ser decididas com antecedência, com aval das confederações, para que o material
possa ser produzido.
Como era de esperar, a notícia não pegou bem.
Menções à camisa vermelha receberam 90% de comentários negativos nas redes
sociais, segundo levantamento da Quaest. Depois que a polêmica se alastrou, a
CBF divulgou nota afirmando que as imagens vazadas não eram oficiais e que nem
ela nem a Nike divulgaram qualquer detalhe sobre a nova linha de uniformes.
Disse ainda que os padrões atuais — nas cores amarela e azul — serão mantidos.
O estatuto da CBF estabelece que os uniformes da seleção devem seguir as cores da
entidade, as mesmas da bandeira brasileira: verde, amarelo, azul ou branco. É o
óbvio: cores da seleção devem seguir tradições nacionais.
Pode-se argumentar que o pau-brasil, de
coloração avermelhada, está na origem do nome do país. Mas não era preciso
muita sofisticação para prever o efeito explosivo da mudança num país
polarizado, onde a camisa amarela da seleção foi adotada como uniforme por
bolsonaristas, e o vermelho é a cor tradicionalmente associada ao PT do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em 2023, a seleção
brasileira fugiu à paleta de cores estabelecida pelo estatuto da CBF
ao envergar camisas pretas durante amistoso contra a Guiné, em manifestação
contra o racismo. Mas era evidentemente um caso excepcional, por uma boa causa.
Em condições normais, seria um escândalo mudar o uniforme da seleção, ainda
mais tendo em vista as implicações políticas.
O uniforme canarinho do Brasil ficou
consagrado no mundo inteiro por jogadores fora de série como Pelé, Garrincha e
tantos outros. Apesar da apropriação indevida pelo bolsonarismo, a camisa não
pertence a nenhum grupo político, e sim aos brasileiros. O próprio Lula
demonstrou isso ao usá-la nos jogos da seleção na Copa de 2022.
Nas eliminatórias da Copa de 2026, o Brasil não está em posição confortável: um modesto quarto lugar, com 21 pontos, dez atrás da líder Argentina (os seis primeiros se classificam). Nem o torcedor mais pessimista pode imaginar o Brasil fora de uma Copa. Mas o risco existe. O vaivém de técnicos e o desempenho sofrível em campo são prova eloquente de que, na atual conjuntura, mudar a cor da camisa é apenas uma forma de tentar desviar a conversa do mais importante: jogar bola.
O mal menor
O Estado de S. Paulo
Alcolumbre fala em projeto que reduz penas
dos que participaram do 8 de Janeiro, numa operação entre os Poderes para
impedir o mal maior, isto é, o avanço da anistia aos líderes golpistas
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre
(União-AP), admitiu publicamente o que parecia se apresentar como uma
silenciosa operação de bastidor: está estudando – “fortemente”, segundo disse –
um projeto de lei que reduz as penas, em certos casos, para condenados pelo
Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes de abolição violenta do Estado
Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado. A mudança, prevista
num projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), reduziria a pena
de prisão de 4 a 8 anos para 2 a 6 anos, no primeiro caso, e de 4 a 12 anos
para 2 a 8 anos, no segundo, e valeria para atos violentos sob influência de
multidão e restrito a danos materiais. Para quem planejou ou financiou tais
crimes não haveria redução de pena. O mesmo texto também prevê que o crime de
abolição violenta do Estado Democrático de Direito seja absorvido pelo de golpe
de Estado em caso de condenação nos dois delitos. Na prática, diferente do que
hoje entende o STF, as penas não poderiam ser somadas.
Não é preciso dizer mais para identificar na
proposta uma solução negociada a fim de reduzir a pena das pessoas condenadas
pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. É também uma forma de aplacar as
pressões para colocar em votação o requerimento apresentado à Mesa Diretora da
Câmara dos Deputados que pede urgência na apreciação do projeto de lei que
anistia quem foi condenado por participação no 8 de Janeiro, o chamado PL da
Anistia. Como se sabe, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem
sido alvo de grita crescente da bancada bolsonarista, à qual vem resistindo com
bravura. Trata-se também de uma saída para uma diferenciação entre “líderes e
liderados” nos atos golpistas, algo não previsto na Lei de Defesa do Estado
Democrático de Direito, base para as recentes decisões do STF sobre o 8 de
Janeiro. Se avançar, a proposta poderá beneficiar casos como o da cabeleireira
Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão.
Em circunstâncias normais, a discussão sobre
o projeto de redução das penas poderia ser vista como casuísmo – um típico
exemplo de mudança providencial destinada a favorecer grupos de pressão ou
atenuar punições por interesses de ocasião. Mas o Brasil não vive tempos
normais, o que mais do que nunca exige do País prudência e soluções negociadas.
É o que torna aceitável, por exemplo, a estratégia do deputado Hugo Motta de
deixar o PL da Anistia esfriar e não simplesmente dar um cavalo de pau e
enterrá-lo de uma vez, como deveria. É também o que dá algum sentido para o
fato de que Executivo, Legislativo e Judiciário se articulem para entregar
alguns anéis, ou seja, atenuar algumas penas de vândalos golpistas, para
preservar os dedos, mandando para a prisão articuladores, financiadores e
líderes da intentona bolsonarista. E é o que torna compreensível a engenhosa
alternativa identificada por Davi Alcolumbre, que se enquadra também nos
limites das prerrogativas do Congresso, a quem cabe, por óbvio, mudar leis – e
ao STF convém analisar sua aplicação nas ações dos atos golpistas.
Se bem cumprida, a ideia pode ajudar a evitar
um mal maior: a anistia a golpistas de qualquer tamanho, “líderes ou
liderados”, e sobretudo evitar que o maior golpista de todos, Jair Bolsonaro,
deixe de prestar contas à Justiça. O texto do PL da Anistia é tão amplo que
pode até mesmo reverter a inelegibilidade do ex-presidente imposta após o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condená-lo por atacar as urnas eletrônicas. É
inconcebível, e certamente o pior cenário, deixar prosperar qualquer tentativa
de driblar a lei e a Constituição, como vêm fazendo Bolsonaro e os
bolsonaristas mais empedernidos, e anistiar os que conspiraram para destruir a
democracia depois das eleições de 2022 – a começar por ele próprio. No mundo
ideal, o País não debateria anistia a golpistas, porque nem sequer teria havido
o ataque à democracia como ocorreu. Mas, diante da bagunça criada por Bolsonaro
e seus cúmplices, conter grandes males dentro da lei e com respeito ao papel de
cada um dos Três Poderes já é um avanço e tanto.
Dívida global rumo a 100% do PIB
O Estado de S. Paulo
FMI mostra que a trajetória da dívida global
deve superar à do período da pandemia, o que complica a disciplina fiscal numa
era de novos desafios econômicos e geopolíticos
A dívida pública global deve crescer 2,8
pontos porcentuais em 2025, mais que o dobro do estimado para 2024, e encerrar
o ano acima do patamar de 95% do PIB, ultrapassando a cifra de US$ 100
trilhões, de acordo com a edição mais recente do relatório Monitor Fiscal,
do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Ao final desta década, a dívida pública
global deve se aproximar de 100% do PIB, superando os níveis registrados
durante o período da pandemia de covid-19, quando governos mundo afora tiveram
de recorrer ao endividamento para mitigar o impacto das medidas de isolamento
social, necessárias à época, sobre a renda dos cidadãos.
Passado o pico verificado na pandemia, a
dívida global recuou, mas seguiu acima dos patamares pré-covid, o que por si só
exige esforço fiscal das nações endividadas, missão que se tornou mais complexa
desde que Donald Trump retornou à Casa Branca, mergulhando a economia e a
geopolítica globais em profunda incerteza.
Na Europa rica e desenvolvida, governos como
o francês, por exemplo, já se viam às voltas com déficits fiscais superiores a
5% do PIB e com população extremamente resistente às necessárias reformas em
benefícios sociais.
Com Trump no poder, países europeus se veem
obrigados a gastar mais com defesa, já que o tratamento dispensado pelo
republicano à Ucrânia, bem como as ameaças de que os Estados Unidos não mais
apoiarão aliados históricos como os europeus, fizeram com que a União Europeia,
por questão de sobrevivência, passasse a mirar em gastos mais altos com defesa.
No caso francês, cuja dívida pública deve
atingir 128,4% do PIB em 2030, segundo o FMI, os novos desafios impostos por
Trump tornam praticamente impossível que o país reduza o déficit fiscal, como
defende o fundo, para um nível sustentável até o fim desta década.
Já na Alemanha, embora a relação dívida/PIB
projetada para 2030 seja mais confortável (75% do PIB), o déficit fiscal deve
aumentar de 3% para 4% do Produto Interno Bruto no final desta década.
As ameaças de Trump contra a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a perda de competitividade da economia nos
últimos anos levaram a Alemanha, conhecida pela “avareza”, a acelerar gastos.
Outro país que está ampliando gastos para
tentar equacionar problemas internos, agora exacerbados pelo furacão Trump, é a
China. Pequim vem gradualmente adotando medidas para estimular o consumo
interno, o que se tornou ainda mais necessário após Trump ter lançado mão de
medidas protecionistas que alteram significativamente o fluxo de comércio
global.
A dívida pública chinesa, que equivalia a
59,4% do PIB em 2019, alcançará 116% do Produto Interno Bruto em 2030, de
acordo com o FMI. Já o déficit fiscal do gigante asiático deve manter-se acima
de 8% do PIB ao longo desta década.
China, ao lado de Brasil, África do Sul,
Estados Unidos, França e Reino Unido, são os países que mais contribuem com o
aumento da dívida global, segundo o FMI, para quem as necessidades de
financiamento permanecerão elevadas em muitos países.
Recorrer ao endividamento para lidar com
problemas inesperados, como a pandemia, ou para lidar com a perda de vigor
econômico, como no caso alemão, é um instrumento legítimo e, muitas vezes,
necessário.
Mas para países como o Brasil, que, nos
últimos anos, em vez de ser fiscalmente responsável, abusou dos gastos e viu a
dívida pública disparar (de acordo com o FMI, a relação dívida/PIB brasileira
superará os 99% já em 2028), seguir o receituário do fundo seria o mínimo.
“Um ajuste fiscal gradual que seja parte de
um arcabouço confiável de médio prazo é essencial para a maioria dos países”,
destacou o FMI na publicação. Trata-se apenas do óbvio, e do que deve ser
feito. Uma coisa é elevar o déficit quando se tem o dinamismo e o nível de
qualidade de vida que se tem na Alemanha. Outra, bem distinta, é gastar como se
não houvesse amanhã, limitando o crescimento sustentado e, pior, a capacidade
de ação quando o inesperado, como demonstrou a pandemia de covid-19, acontece.
Cidades à mercê das chuvas
O Estado de S. Paulo
Estudo mostra que um terço dos municípios não
possui sistema para drenar águas pluviais
Um terço dos municípios brasileiros não
possui qualquer sistema de drenagem de águas pluviais, indica estudo do
Instituto Trata Brasil (ITB) a partir de dados do Diagnóstico Temático do
Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa). O levantamento,
que abrange 89% do total de 5.570 municípios brasileiros, expõe o despreparo
das cidades brasileiras no enfrentamento dos eventos climáticos extremos que
têm se tornado comuns na história recente.
Menos da metade (40,44%) dos locais
pesquisados conta com sistemas exclusivos de drenagem. Em 12,59%, o serviço é
feito pela mesma rede que combina esgoto e água das chuvas. Além disso, 14,48%
das cidades informaram operar sistemas combinados, ora com configuração
exclusiva, ora integrada à rede de esgoto. A conclusão do estudo do ITB, feito
em parceria com a GO Associados, coincide com o período em que se completa um
ano da tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul que, de acordo com a Defesa
Civil do Estado, matou 184 pessoas e deixou outras 25 desaparecidas.
A partir de um temporal iniciado em 27 de
abril, Porto Alegre e outras cidades gaúchas ficaram submersas por cerca de um
mês, resultado de uma combinação de fatores que potencializaram os estragos das
enchentes, incluindo o efeito El Niño. Foi, de fato, um evento extraordinário,
que afetou diretamente a vida de centenas de milhares de pessoas e chocou o
País e o mundo. Mas não é necessário recorrer a eventos de tamanha intensidade
para verificar a incapacidade das cidades de lidar com o escoamento das águas
das chuvas. A cada temporal mais forte o desordenamento é palpável, tanto em
grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, como em municípios do
interior.
O estudo do Trata Brasil reúne dados do Atlas
Digital de Desastres no Brasil (2023), com informações compiladas do
Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, para mostrar que, no
período de 1991 a 2023, foram registrados quase 26 mil eventos hidrológicos de
desastres, sendo que nos últimos 15 anos 74% deles estiveram relacionados a
chuvas intensas. Nesse intervalo, os desastres resultaram em 3.464 mortes e
causaram prejuízos superiores a R$ 151 bilhões, sem considerar os impactos do
desastre no Rio Grande do Sul em 2024.
“A recorrência desses desastres expõe a
fragilidade da infraestrutura urbana e evidencia a necessidade de integrar a
drenagem e o manejo de águas pluviais ao planejamento do saneamento”, revela o
diagnóstico. Por força do novo Marco do Saneamento, as prefeituras, que têm a
responsabilidade de operar os sistemas de drenagem, têm a obrigação de
apresentar planejamento para o manejo das águas pluviais, mas o problema é que
o rigor com que são elaboradas as leis dificilmente se repete na fiscalização
de seu cumprimento.
O ITB mapeou investimentos nos últimos seis anos e chegou à média de R$ 10 bilhões anuais. Calcula que seria necessário dobrar os valores para universalizar os serviços até 2033. Pode parecer muito, mas o prejuízo será maior se nada for feito.
Lições do Sul para a crise climática
Correio Braziliense
Há poucos dias, uma das maiores tragédias
climáticas do Brasil completou um ano. Doze meses após as enchentes que
devastaram o Rio Grande do Sul, são muitos os desafios que se acumulam. Apesar
dos esforços do poder público nas esferas federal, estadual e municipal e da
sociedade civil, boa parte dos trabalhos se concentrou na reconstrução de tudo
que foi destruído pelas águas. Mas ainda é praticamente inexistente o trabalho
preventivo a novas ocorrências extremas, especialmente em um contexto de
emergência climática.
Um relatório divulgado na semana passada pela
Agência Nacional de Águas (ANA) confirmou que as enchentes de 2024 foram o
maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul e um dos mais graves do
país. Segundo o documento, nunca houve no Brasil um registro de chuvas com
tamanha duração, intensidade e abrangência como as que ocorreram no território
gaúcho. O desastre provocou 183 mortes, afetou mais de 2,4 milhões de pessoas,
atingiu 478 municípios e provocou abalos profundos na economia local.
Mais do que relatar os danos provocados no
passado recente, o estudo da ANA antecipa um alerta. A agência afirma que o Sul
do Brasil é a região mais vulnerável a cheias extremas. Projeções matemáticas
preveem aumento de até 20% nas vazões máximas e fenômenos como o ocorrido em
2024 têm cinco vezes mais chance de se tornarem mais frequentes na região.
Em termos de políticas públicas, a tragédia
do Rio Grande traz apontamentos relevantes que precisam ser adotados daqui por
diante. Os projetos de infraestrutura e os sistemas de prevenção devem levar em
conta o extremismo climático atual, e não mais os registros ocorridos nas
últimas décadas. Em que pese o caráter extraordinário das enchentes do ano
passado no estado gaúcho, está evidente que o Brasil deve revisar toda
discussão a respeito dos impactos ambientais sobre a população, particularmente
nos centros urbanos, onde ela está mais concentrada.
Uma constatação importante sobre o
descompasso entre a realidade e o ideal é avaliar o que foi feito até aqui no
epicentro da tragédia, um ano depois. Em entrevista à Agência Brasil, o
prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), relatou o drama habitacional
que permanece na capital gaúcha. Segundo ele, mais de 9 mil laudos emitidos
pela prefeitura constataram a perda de casa. Essas pessoas podem recorrer a
programas federais, como Minha Casa Minha Vida, obterem financiamento e
conseguirem readquirir uma moradia. Outra alternativa é o Aluguel Social, que
oferece uma ajuda mensal de R$ 1 mil a 3,5 mil pessoas.
Em relação ao governo federal, o ministro da
Integração Regional, Waldez Góes, destacou na semana passada os R$ 111 bilhões
providenciados pelo governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul. E
ressaltou a existência de um fundo de R$ 6,5 bilhões para reconstrução e
ampliação de sistemas de proteção.
Passado um ano da catástrofe, é evidente que
o Rio Grande do Sul ainda está em posição vulnerável. É dever do Estado colher
as lições de 2024 e definir ações que mitiguem situações climáticas extremas,
não só no Sul como em outras regiões do Brasil. "O povo não entende o que
é federal, estadual, municipal. Ele quer ver isso ser resolvido. A crise nos
traz dores e perdas, mas nos traz a oportunidade de fazer um Rio Grande
melhor", acredita o prefeito Sebastião Melo, reeleito em Porto Alegre,
apesar da tragédia.
China e EUA dão sinais de tentar acordo
O Povo
A China e os Estados Unidos finalmente deram
sinais de abertura para o diálogo para o fim da guerra comercial que
protagonizam há meses, o que perturbou, de alguma forma, todo o mundo. É
preciso, neste momento, saudar a tentativa de começar a resolver a crise, mesmo
que sejam - ainda - indicações bastante tênues de que finalmente se inicia a
buscar o caminho da saída.
De acordo com o Ministério do Comércio da
China, o país foi procurado pelo governo norte-americano a fim de negociar as
tarifas impostas entre os países. Agora, Pequim avalia se dialoga com os EUA.
A informação foi confirmada por um porta-voz
do ministério a jornalistas: "Os Estados Unidos tomaram recentemente a
iniciativa em muitas ocasiões de transmitir informação à China através das
partes pertinentes, dizendo que esperam conversar com a China. A China está
atualmente avaliando isso".
O governo chinês estaria, então, disposto a
continuar com a guerra comercial, se for necessário. A declaração do porta-voz
foi citada da seguinte maneira pelo site oficial do ministério: "Se
tivermos que lutar, lutaremos até o fim. Se tivermos que conversar, a porta
está aberta. A guerra tarifária e a guerra comercial foram iniciadas
unilateralmente pelos Estados Unidos".
Agora, o Ministério do Comércio da China
cobra que o governo Trump cumpra com um eventual acordo. A China afirmou, na
declaração, que os Estados Unidos corrijam "suas medidas tarifárias
unilaterais errôneas em qualquer diálogo ou conversa possível".
A informação também foi dada por uma conta de
mídia social ligada à mídia estatal chinesa e sinaliza uma possível abertura de
Pequim às negociações. Esse contato inicial dos Estados Unidos com o ministério
chinês expõe que há uma necessidade de um acordo tarifário para que o impacto
econômico seja amenizado.
Em abril deste ano, as tarifas americanas de
até 145% sobre muitos produtos chineses entraram em vigência. Em retaliação,
Pequim respondeu com taxações de 125% sobre as importações dos Estados Unidos.
Ao longo desse imbróglio, o governo chinês
tem demonstrado indignação explícita com as tarifas e considera uma intimidação
por parte de Trump. Não à toa, Pequim tem mobilizado a condenação pública e
global das restrições às importações e não parece demonstrar interesse em
suspender essas ações.
Depois dessa notícia, que gerou uma
expectativa no mundo todo, as bolsas subiram. As ações de Hong Kong cresceram
para uma máxima de quase um mês na sexta-feira. Europa também registrou aumento
nas bolsas de Londres, Paris, Frankfurt, Milão e Madri.
É apenas um pequeno movimento que mostra que o assunto, por mais que seja diretamente relacionado às duas nações, interfere na economia e nos interesses de todo mundo, visto que são dois poderios econômicos relevantes mundialmente. Que esteja seja o início para que as conversas avancem e se chegue a um acordo.
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