domingo, 4 de maio de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Saída de Lupi, inevitável, não encerra escândalo

Folha de S. Paulo

Omissão de ministro ante fraudes no INSS, que dispararam sob Lula, é inquietante para um governo conectado a sindicatos

Em seu pronunciamento para o 1º de Maio, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) apresentou rapidamente a versão oficial para o escândalo recém-revelado no INSS —foi seu governo que desmontou o esquema criminoso de desvios do dinheiro de aposentados e pensionistas, que será devolvido, discursou.

Os fatos, porém, são bem mais graves para a administração petista, como mostrou a queda do ministro da Previdência SocialCarlos Lupilogo no dia seguinte ao feriado dos trabalhadores.

Ficou evidente a omissão da pasta diante de sinais óbvios de desmandos no Instituto Nacional do Seguro Social, o órgão responsável por pagamentos de benefícios que somam quase R$ 1 trilhão ao ano. Providências só foram tomadas quando a Controladoria-Geral da União e a Polícia Federal deflagraram uma operação contra a fraude.

Já no primeiro ano deste governo, em junho de 2023, o tema foi tratado em reunião do Conselho Nacional de Previdência Social —uma participante relatou o aumento no número de denúncias de irregularidades em acordos com o INSS que permitiam a sindicatos e outras entidades receberem recursos retirados dos benefícios previdenciários.

O alerta não evitou uma disparada dos montantes sob Lula e Lupi. Em 2016, quando Michel Temer (MDB) ocupava o Palácio do Planalto, os descontos ficaram em R$ 413 milhões. No final da gestão de Jair Bolsonaro (PL), em 2022, foram R$ 706 milhões. No ano passado, a cifra subiu a nada menos que R$ 2,6 bilhões.

Auditoria da CGU entrevistou uma amostra de 1.273 beneficiários do INSS, dos quais 97,6% disseram não ter autorizado desconto nenhum. Isso foi entre abril e julho de 2024. Tratando-se de um governo com óbvias conexões sindicais, os dados são particularmente inquietantes.

Era inevitável, pois, a saída de Lupi, presidente do PDT e titular da pasta do Trabalho em administrações petistas anteriores —e que deixou o cargo em 2011 sob suspeita de relações indevidas com ONGs ligadas ao partido. A demissão está longe de encerrar o escândalo, todavia.

Para não melindrar ainda mais o partido aliado, Lula deixou no comando da Previdência Wolney Queiroz, correligionário de Lupi que era o número dois do ministério e participou da fatídica reunião de 2023. Não é obviamente a melhor saída para mostrar disposição de esclarecer a fundo o caso e punir todos os envolvidos.

Com sua reação tardia e hesitante, o governo corre o risco de ver a investigação da fraude nas mãos da oposição, que articula uma comissão de inquérito no Congresso Nacional. A despeito do trabalho meritório da CGU e da PF, será difícil negar a pertinência da atuação parlamentar.

O ressarcimento do dinheiro roubado de aposentados e pensionistas é medida óbvia e urgente. Falta explicar como o esquema de desfaçatez se expandiu sob a guarda de um órgão público e mostrar que ele não se repetirá.

Liberdade de imprensa em declínio no mundo

Folha de S. Paulo

Ranking aponta recuo em 60% dos 180 países avaliados, mas Brasil avança 19 posições; atividade é essencial à democracia

Pela primeira vez nos últimos 23 anos, a liberdade de imprensa global está em situação categorizada como "difícil" pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF).

Segundo seu ranking de 2025, houve queda na pontuação em 60% dos 180 países avaliados, inclusive nos Estados Unidos, cuja democracia está historicamente alicerçada na imprensa livre. Em 90 deles, o status é "difícil" ou "muito grave".

A listagem se baseia em dados do ano anterior —no caso, 2024. Mas considera eventos ocorridos na passagem entre os anos que impactem a atividade.

Assim, os atos de Donald Trump durante as eleições e nos quatro primeiros meses do seu segundo mandato —ataques verbais a jornalistas, proibição de acesso de veículos à Casa Branca e corte de financiamentos para comunicação pública— contribuíram para que o país caísse duas posições em relação ao ranking anterior e ficasse na 57ª.

Na América Latina, a Argentina de Javier Milei, seguidor do ideário trumpista, perdeu 21 posições ante a edição de 2024 e figura no 87º lugar. Em países onde há muito observa-se fragilidade da livre imprensa, o quadro agravou-se, como em Venezuela (160º), Nicarágua (172º) e México (124º)

Já o Brasil foi uma das exceções do ranking, no âmbito regional e global, ao escalar 19 posições em relação a 2024 e alcançar o 63º lugar. Quando se compara com o último ano do governo Jair Bolsonaro (PL), que também era hostil ao trabalho jornalístico, o país avançou 29 colocações.

Mesmo assim, o país ainda está na categoria "problemático", o que exige ações do poder público, principalmente sobre a segurança dos profissionais de imprensa —mais vulneráveis em cidades pequenas, regiões isoladas como a amazônia ou dominadas por facções criminosas.

Guerras, conflitos armados e declínio institucional também contribuíram para a piora mundial. São os casos de nações africanas, do Leste Europeu e do Oriente Médio, como SudãoRússiaUcrâniaIsrael e Palestina.

O relatório da RFS destaca, ainda, a deterioração do indicador econômico. A competição com plataformas online vem fazendo cair as verbas publicitárias dos jornais, e a concentração de propriedade dos meios de comunicação mina a pluralidade.

Trata-se de um cenário desafiador. A ascensão global de populismos e da polarização política impacta a liberdade de imprensa, mas deve-se lembrar que ela é uma das principais ferramentas para preservar as instituições democráticas que esses fenômenos tendem a desestabilizar.

Igreja se beneficiaria de novo Papa com perfil de Francisco

O Globo

Distância entre o catolicismo e as angústias da sociedade tem levado à perda de fiéis, sobretudo nas Américas

Na contagem regressiva para o início do conclave que escolherá o sucessor do Papa Francisco, uma dúvida paira sobre o Vaticano: saberá o novo Papa preservar e aprofundar seu legado na aproximação entre a Igreja e os mais pobres e na abertura para debates da atualidade em questões comportamentais e sociais? Ou haverá retrocesso?

Primeiro Papa jesuíta e das Américas, o cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio assumiu a Igreja em momento difícil depois da renúncia de Bento XVI. No pontificado iniciado em 2013, enfrentou a séria crise provocada pelos casos de abuso sexual de menores. Embora tenha recebido críticas por ter demorado a agir e por não ter ido a fundo nas sanções, Francisco puniu vários padres, alguns de alta hierarquia — nos Estados Unidos, não escapou o cardeal Theodore McCarrick, afastado em 2018 e expulso do clero no ano seguinte (foi o primeiro afastamento de um cardeal da Igreja na História moderna).

Francisco também publicou a encíclica “Laudato Si’ ” (Louvado Sejas), com engajamento inédito em questões envolvendo meio ambiente e sociedade. Foi um passo importante na aproximação de Igreja e mundo concreto, colocando de modo pioneiro os ensinamentos eclesiásticos ao lado dos conhecimentos científicos. Por fim, Francisco adotou uma postura mais aberta e tolerante em relação a homossexuais e à comunhão para divorciados.

Todos esses passos positivos estão agora em suspenso até a escolha do próximo Papa. Uma possibilidade é o sucessor de Francisco tê-lo como referência e aprofundar sua agenda. A outra é enclausurar-se no Vaticano e voltar a afastar a Igreja da sociedade.

Nas últimas décadas, a Igreja Católica tem pagado um preço pela distância das angústias populares. Em número de fiéis, ela cresce menos que a população desde o período entre 1950 e 1970, quando o total de católicos aumentava 1,9% e a população mundial 1,8%, segundo o World Christian Database (WCD). Entre 2015 e 2025, durante o pontificado de Francisco, os católicos cresceram 0,65% ante 0,97% da população global. Sob Francisco, o rebanho da Igreja cresceu de 1,19 bilhão para 1,27 bilhão, mas proporcionalmente perdeu espaço na população do planeta.

No mapa das religiões, o catolicismo tem encolhido nas Américas — única região em que há queda em números absolutos —, enquanto cresce na África e na Ásia. Ainda está na América Latina a maior população católica do mundo — 504,9 milhões, 140 milhões dos quais no Brasil, o mais católico dos países —, mas aqui e na maioria dos países latinos a proporção de católicos tem caído, enquanto cresce a de evangélicos e denominações do protestantismo.

Francisco indicou 108 dos 133 cardeais que escolherão seu sucessor na Capela Sistina. Muitos têm aproveitado os dias no Vaticano para se conhecer, em contatos que deverão ser decisivos para o conclave. É previsível que a ala conservadora, derrotada na eleição de Bergoglio, tente ser mais influente desta vez. O futuro da Igreja, contudo, parece mais seguro com alguém capaz de dar continuidade e de aprofundar os princípios que guiaram Francisco — alguém cujo perfil seja próximo de um Francisco II.

Não tem cabimento a seleção brasileira usar camisa vermelha

O Globo

Respeito à tradição é essencial — e o próprio estatuto da CBF impõe uniformes nas cores da bandeira

Enquanto a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) perambula à procura de um treinador disposto a comandar a seleção pentacampeã do mundo — o italiano Carlo Ancelotti, atual técnico do Real Madrid, recuou do convite —, uma discussão esdrúxula mobilizou noticiários esportivos e redes sociais: a possibilidade de a seleção canarinho usar uma camisa vermelha como uniforme reserva nos jogos, no lugar da tradicional azul.

Não confirmada oficialmente, a mudança foi noticiada pelo site Footy Headlines, especializado em camisas de times. De acordo com a publicação, trata-se de uma estratégia da Nike, fornecedora de material esportivo para a CBF, visando à Copa de 2026. Essas mudanças costumam ser decididas com antecedência, com aval das confederações, para que o material possa ser produzido.

Como era de esperar, a notícia não pegou bem. Menções à camisa vermelha receberam 90% de comentários negativos nas redes sociais, segundo levantamento da Quaest. Depois que a polêmica se alastrou, a CBF divulgou nota afirmando que as imagens vazadas não eram oficiais e que nem ela nem a Nike divulgaram qualquer detalhe sobre a nova linha de uniformes. Disse ainda que os padrões atuais — nas cores amarela e azul — serão mantidos. O estatuto da CBF estabelece que os uniformes da seleção devem seguir as cores da entidade, as mesmas da bandeira brasileira: verde, amarelo, azul ou branco. É o óbvio: cores da seleção devem seguir tradições nacionais.

Pode-se argumentar que o pau-brasil, de coloração avermelhada, está na origem do nome do país. Mas não era preciso muita sofisticação para prever o efeito explosivo da mudança num país polarizado, onde a camisa amarela da seleção foi adotada como uniforme por bolsonaristas, e o vermelho é a cor tradicionalmente associada ao PT do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em 2023, a seleção brasileira fugiu à paleta de cores estabelecida pelo estatuto da CBF ao envergar camisas pretas durante amistoso contra a Guiné, em manifestação contra o racismo. Mas era evidentemente um caso excepcional, por uma boa causa. Em condições normais, seria um escândalo mudar o uniforme da seleção, ainda mais tendo em vista as implicações políticas.

O uniforme canarinho do Brasil ficou consagrado no mundo inteiro por jogadores fora de série como Pelé, Garrincha e tantos outros. Apesar da apropriação indevida pelo bolsonarismo, a camisa não pertence a nenhum grupo político, e sim aos brasileiros. O próprio Lula demonstrou isso ao usá-la nos jogos da seleção na Copa de 2022.

Nas eliminatórias da Copa de 2026, o Brasil não está em posição confortável: um modesto quarto lugar, com 21 pontos, dez atrás da líder Argentina (os seis primeiros se classificam). Nem o torcedor mais pessimista pode imaginar o Brasil fora de uma Copa. Mas o risco existe. O vaivém de técnicos e o desempenho sofrível em campo são prova eloquente de que, na atual conjuntura, mudar a cor da camisa é apenas uma forma de tentar desviar a conversa do mais importante: jogar bola.

O mal menor

O Estado de S. Paulo

Alcolumbre fala em projeto que reduz penas dos que participaram do 8 de Janeiro, numa operação entre os Poderes para impedir o mal maior, isto é, o avanço da anistia aos líderes golpistas

O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), admitiu publicamente o que parecia se apresentar como uma silenciosa operação de bastidor: está estudando – “fortemente”, segundo disse – um projeto de lei que reduz as penas, em certos casos, para condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por crimes de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e de tentativa de golpe de Estado. A mudança, prevista num projeto de autoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE), reduziria a pena de prisão de 4 a 8 anos para 2 a 6 anos, no primeiro caso, e de 4 a 12 anos para 2 a 8 anos, no segundo, e valeria para atos violentos sob influência de multidão e restrito a danos materiais. Para quem planejou ou financiou tais crimes não haveria redução de pena. O mesmo texto também prevê que o crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito seja absorvido pelo de golpe de Estado em caso de condenação nos dois delitos. Na prática, diferente do que hoje entende o STF, as penas não poderiam ser somadas.

Não é preciso dizer mais para identificar na proposta uma solução negociada a fim de reduzir a pena das pessoas condenadas pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. É também uma forma de aplacar as pressões para colocar em votação o requerimento apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que pede urgência na apreciação do projeto de lei que anistia quem foi condenado por participação no 8 de Janeiro, o chamado PL da Anistia. Como se sabe, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem sido alvo de grita crescente da bancada bolsonarista, à qual vem resistindo com bravura. Trata-se também de uma saída para uma diferenciação entre “líderes e liderados” nos atos golpistas, algo não previsto na Lei de Defesa do Estado Democrático de Direito, base para as recentes decisões do STF sobre o 8 de Janeiro. Se avançar, a proposta poderá beneficiar casos como o da cabeleireira Débora Rodrigues dos Santos, condenada a 14 anos de prisão.

Em circunstâncias normais, a discussão sobre o projeto de redução das penas poderia ser vista como casuísmo – um típico exemplo de mudança providencial destinada a favorecer grupos de pressão ou atenuar punições por interesses de ocasião. Mas o Brasil não vive tempos normais, o que mais do que nunca exige do País prudência e soluções negociadas. É o que torna aceitável, por exemplo, a estratégia do deputado Hugo Motta de deixar o PL da Anistia esfriar e não simplesmente dar um cavalo de pau e enterrá-lo de uma vez, como deveria. É também o que dá algum sentido para o fato de que Executivo, Legislativo e Judiciário se articulem para entregar alguns anéis, ou seja, atenuar algumas penas de vândalos golpistas, para preservar os dedos, mandando para a prisão articuladores, financiadores e líderes da intentona bolsonarista. E é o que torna compreensível a engenhosa alternativa identificada por Davi Alcolumbre, que se enquadra também nos limites das prerrogativas do Congresso, a quem cabe, por óbvio, mudar leis – e ao STF convém analisar sua aplicação nas ações dos atos golpistas.

Se bem cumprida, a ideia pode ajudar a evitar um mal maior: a anistia a golpistas de qualquer tamanho, “líderes ou liderados”, e sobretudo evitar que o maior golpista de todos, Jair Bolsonaro, deixe de prestar contas à Justiça. O texto do PL da Anistia é tão amplo que pode até mesmo reverter a inelegibilidade do ex-presidente imposta após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) condená-lo por atacar as urnas eletrônicas. É inconcebível, e certamente o pior cenário, deixar prosperar qualquer tentativa de driblar a lei e a Constituição, como vêm fazendo Bolsonaro e os bolsonaristas mais empedernidos, e anistiar os que conspiraram para destruir a democracia depois das eleições de 2022 – a começar por ele próprio. No mundo ideal, o País não debateria anistia a golpistas, porque nem sequer teria havido o ataque à democracia como ocorreu. Mas, diante da bagunça criada por Bolsonaro e seus cúmplices, conter grandes males dentro da lei e com respeito ao papel de cada um dos Três Poderes já é um avanço e tanto.

Dívida global rumo a 100% do PIB

O Estado de S. Paulo

FMI mostra que a trajetória da dívida global deve superar à do período da pandemia, o que complica a disciplina fiscal numa era de novos desafios econômicos e geopolíticos

A dívida pública global deve crescer 2,8 pontos porcentuais em 2025, mais que o dobro do estimado para 2024, e encerrar o ano acima do patamar de 95% do PIB, ultrapassando a cifra de US$ 100 trilhões, de acordo com a edição mais recente do relatório Monitor Fiscal, do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Ao final desta década, a dívida pública global deve se aproximar de 100% do PIB, superando os níveis registrados durante o período da pandemia de covid-19, quando governos mundo afora tiveram de recorrer ao endividamento para mitigar o impacto das medidas de isolamento social, necessárias à época, sobre a renda dos cidadãos.

Passado o pico verificado na pandemia, a dívida global recuou, mas seguiu acima dos patamares pré-covid, o que por si só exige esforço fiscal das nações endividadas, missão que se tornou mais complexa desde que Donald Trump retornou à Casa Branca, mergulhando a economia e a geopolítica globais em profunda incerteza.

Na Europa rica e desenvolvida, governos como o francês, por exemplo, já se viam às voltas com déficits fiscais superiores a 5% do PIB e com população extremamente resistente às necessárias reformas em benefícios sociais.

Com Trump no poder, países europeus se veem obrigados a gastar mais com defesa, já que o tratamento dispensado pelo republicano à Ucrânia, bem como as ameaças de que os Estados Unidos não mais apoiarão aliados históricos como os europeus, fizeram com que a União Europeia, por questão de sobrevivência, passasse a mirar em gastos mais altos com defesa.

No caso francês, cuja dívida pública deve atingir 128,4% do PIB em 2030, segundo o FMI, os novos desafios impostos por Trump tornam praticamente impossível que o país reduza o déficit fiscal, como defende o fundo, para um nível sustentável até o fim desta década.

Já na Alemanha, embora a relação dívida/PIB projetada para 2030 seja mais confortável (75% do PIB), o déficit fiscal deve aumentar de 3% para 4% do Produto Interno Bruto no final desta década.

As ameaças de Trump contra a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e a perda de competitividade da economia nos últimos anos levaram a Alemanha, conhecida pela “avareza”, a acelerar gastos.

Outro país que está ampliando gastos para tentar equacionar problemas internos, agora exacerbados pelo furacão Trump, é a China. Pequim vem gradualmente adotando medidas para estimular o consumo interno, o que se tornou ainda mais necessário após Trump ter lançado mão de medidas protecionistas que alteram significativamente o fluxo de comércio global.

A dívida pública chinesa, que equivalia a 59,4% do PIB em 2019, alcançará 116% do Produto Interno Bruto em 2030, de acordo com o FMI. Já o déficit fiscal do gigante asiático deve manter-se acima de 8% do PIB ao longo desta década.

China, ao lado de Brasil, África do Sul, Estados Unidos, França e Reino Unido, são os países que mais contribuem com o aumento da dívida global, segundo o FMI, para quem as necessidades de financiamento permanecerão elevadas em muitos países.

Recorrer ao endividamento para lidar com problemas inesperados, como a pandemia, ou para lidar com a perda de vigor econômico, como no caso alemão, é um instrumento legítimo e, muitas vezes, necessário.

Mas para países como o Brasil, que, nos últimos anos, em vez de ser fiscalmente responsável, abusou dos gastos e viu a dívida pública disparar (de acordo com o FMI, a relação dívida/PIB brasileira superará os 99% já em 2028), seguir o receituário do fundo seria o mínimo.

“Um ajuste fiscal gradual que seja parte de um arcabouço confiável de médio prazo é essencial para a maioria dos países”, destacou o FMI na publicação. Trata-se apenas do óbvio, e do que deve ser feito. Uma coisa é elevar o déficit quando se tem o dinamismo e o nível de qualidade de vida que se tem na Alemanha. Outra, bem distinta, é gastar como se não houvesse amanhã, limitando o crescimento sustentado e, pior, a capacidade de ação quando o inesperado, como demonstrou a pandemia de covid-19, acontece.

Cidades à mercê das chuvas

O Estado de S. Paulo

Estudo mostra que um terço dos municípios não possui sistema para drenar águas pluviais

Um terço dos municípios brasileiros não possui qualquer sistema de drenagem de águas pluviais, indica estudo do Instituto Trata Brasil (ITB) a partir de dados do Diagnóstico Temático do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (Sinisa). O levantamento, que abrange 89% do total de 5.570 municípios brasileiros, expõe o despreparo das cidades brasileiras no enfrentamento dos eventos climáticos extremos que têm se tornado comuns na história recente.

Menos da metade (40,44%) dos locais pesquisados conta com sistemas exclusivos de drenagem. Em 12,59%, o serviço é feito pela mesma rede que combina esgoto e água das chuvas. Além disso, 14,48% das cidades informaram operar sistemas combinados, ora com configuração exclusiva, ora integrada à rede de esgoto. A conclusão do estudo do ITB, feito em parceria com a GO Associados, coincide com o período em que se completa um ano da tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul que, de acordo com a Defesa Civil do Estado, matou 184 pessoas e deixou outras 25 desaparecidas.

A partir de um temporal iniciado em 27 de abril, Porto Alegre e outras cidades gaúchas ficaram submersas por cerca de um mês, resultado de uma combinação de fatores que potencializaram os estragos das enchentes, incluindo o efeito El Niño. Foi, de fato, um evento extraordinário, que afetou diretamente a vida de centenas de milhares de pessoas e chocou o País e o mundo. Mas não é necessário recorrer a eventos de tamanha intensidade para verificar a incapacidade das cidades de lidar com o escoamento das águas das chuvas. A cada temporal mais forte o desordenamento é palpável, tanto em grandes capitais, como São Paulo e Rio de Janeiro, como em municípios do interior.

O estudo do Trata Brasil reúne dados do Atlas Digital de Desastres no Brasil (2023), com informações compiladas do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, para mostrar que, no período de 1991 a 2023, foram registrados quase 26 mil eventos hidrológicos de desastres, sendo que nos últimos 15 anos 74% deles estiveram relacionados a chuvas intensas. Nesse intervalo, os desastres resultaram em 3.464 mortes e causaram prejuízos superiores a R$ 151 bilhões, sem considerar os impactos do desastre no Rio Grande do Sul em 2024.

“A recorrência desses desastres expõe a fragilidade da infraestrutura urbana e evidencia a necessidade de integrar a drenagem e o manejo de águas pluviais ao planejamento do saneamento”, revela o diagnóstico. Por força do novo Marco do Saneamento, as prefeituras, que têm a responsabilidade de operar os sistemas de drenagem, têm a obrigação de apresentar planejamento para o manejo das águas pluviais, mas o problema é que o rigor com que são elaboradas as leis dificilmente se repete na fiscalização de seu cumprimento.

O ITB mapeou investimentos nos últimos seis anos e chegou à média de R$ 10 bilhões anuais. Calcula que seria necessário dobrar os valores para universalizar os serviços até 2033. Pode parecer muito, mas o prejuízo será maior se nada for feito.

Lições do Sul para a crise climática

Correio Braziliense

Há poucos dias, uma das maiores tragédias climáticas do Brasil completou um ano. Doze meses após as enchentes que devastaram o Rio Grande do Sul, são muitos os desafios que se acumulam. Apesar dos esforços do poder público nas esferas federal, estadual e municipal e da sociedade civil, boa parte dos trabalhos se concentrou na reconstrução de tudo que foi destruído pelas águas. Mas ainda é praticamente inexistente o trabalho preventivo a novas ocorrências extremas, especialmente em um contexto de emergência climática.

Um relatório divulgado na semana passada pela Agência Nacional de Águas (ANA) confirmou que as enchentes de 2024 foram o maior desastre natural da história do Rio Grande do Sul e um dos mais graves do país. Segundo o documento, nunca houve no Brasil um registro de chuvas com tamanha duração, intensidade e abrangência como as que ocorreram no território gaúcho. O desastre provocou 183 mortes, afetou mais de 2,4 milhões de pessoas, atingiu 478 municípios e provocou abalos profundos na economia local.

Mais do que relatar os danos provocados no passado recente, o estudo da ANA antecipa um alerta. A agência afirma que o Sul do Brasil é a região mais vulnerável a cheias extremas. Projeções matemáticas preveem aumento de até 20% nas vazões máximas e fenômenos como o ocorrido em 2024 têm cinco vezes mais chance de se tornarem mais frequentes na região.

Em termos de políticas públicas, a tragédia do Rio Grande traz apontamentos relevantes que precisam ser adotados daqui por diante. Os projetos de infraestrutura e os sistemas de prevenção devem levar em conta o extremismo climático atual, e não mais os registros ocorridos nas últimas décadas. Em que pese o caráter extraordinário das enchentes do ano passado no estado gaúcho, está evidente que o Brasil deve revisar toda discussão a respeito dos impactos ambientais sobre a população, particularmente nos centros urbanos, onde ela está mais concentrada.

Uma constatação importante sobre o descompasso entre a realidade e o ideal é avaliar o que foi feito até aqui no epicentro da tragédia, um ano depois. Em entrevista à Agência Brasil, o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), relatou o drama habitacional que permanece na capital gaúcha. Segundo ele, mais de 9 mil laudos emitidos pela prefeitura constataram a perda de casa. Essas pessoas podem recorrer a programas federais, como Minha Casa Minha Vida, obterem financiamento e conseguirem readquirir uma moradia. Outra alternativa é o Aluguel Social, que oferece uma ajuda mensal de R$ 1 mil a 3,5 mil pessoas.

Em relação ao governo federal, o ministro da Integração Regional, Waldez Góes, destacou na semana passada os R$ 111 bilhões providenciados pelo governo federal para a reconstrução do Rio Grande do Sul. E ressaltou a existência de um fundo de R$ 6,5 bilhões para reconstrução e ampliação de sistemas de proteção.

Passado um ano da catástrofe, é evidente que o Rio Grande do Sul ainda está em posição vulnerável. É dever do Estado colher as lições de 2024 e definir ações que mitiguem situações climáticas extremas, não só no Sul como em outras regiões do Brasil. "O povo não entende o que é federal, estadual, municipal. Ele quer ver isso ser resolvido. A crise nos traz dores e perdas, mas nos traz a oportunidade de fazer um Rio Grande melhor", acredita o prefeito Sebastião Melo, reeleito em Porto Alegre, apesar da tragédia.

China e EUA dão sinais de tentar acordo

O Povo

A China e os Estados Unidos finalmente deram sinais de abertura para o diálogo para o fim da guerra comercial que protagonizam há meses, o que perturbou, de alguma forma, todo o mundo. É preciso, neste momento, saudar a tentativa de começar a resolver a crise, mesmo que sejam - ainda - indicações bastante tênues de que finalmente se inicia a buscar o caminho da saída.

De acordo com o Ministério do Comércio da China, o país foi procurado pelo governo norte-americano a fim de negociar as tarifas impostas entre os países. Agora, Pequim avalia se dialoga com os EUA.

A informação foi confirmada por um porta-voz do ministério a jornalistas: "Os Estados Unidos tomaram recentemente a iniciativa em muitas ocasiões de transmitir informação à China através das partes pertinentes, dizendo que esperam conversar com a China. A China está atualmente avaliando isso".

O governo chinês estaria, então, disposto a continuar com a guerra comercial, se for necessário. A declaração do porta-voz foi citada da seguinte maneira pelo site oficial do ministério: "Se tivermos que lutar, lutaremos até o fim. Se tivermos que conversar, a porta está aberta. A guerra tarifária e a guerra comercial foram iniciadas unilateralmente pelos Estados Unidos".

Agora, o Ministério do Comércio da China cobra que o governo Trump cumpra com um eventual acordo. A China afirmou, na declaração, que os Estados Unidos corrijam "suas medidas tarifárias unilaterais errôneas em qualquer diálogo ou conversa possível".

A informação também foi dada por uma conta de mídia social ligada à mídia estatal chinesa e sinaliza uma possível abertura de Pequim às negociações. Esse contato inicial dos Estados Unidos com o ministério chinês expõe que há uma necessidade de um acordo tarifário para que o impacto econômico seja amenizado.

Em abril deste ano, as tarifas americanas de até 145% sobre muitos produtos chineses entraram em vigência. Em retaliação, Pequim respondeu com taxações de 125% sobre as importações dos Estados Unidos.

Ao longo desse imbróglio, o governo chinês tem demonstrado indignação explícita com as tarifas e considera uma intimidação por parte de Trump. Não à toa, Pequim tem mobilizado a condenação pública e global das restrições às importações e não parece demonstrar interesse em suspender essas ações.

Depois dessa notícia, que gerou uma expectativa no mundo todo, as bolsas subiram. As ações de Hong Kong cresceram para uma máxima de quase um mês na sexta-feira. Europa também registrou aumento nas bolsas de Londres, Paris, Frankfurt, Milão e Madri.

É apenas um pequeno movimento que mostra que o assunto, por mais que seja diretamente relacionado às duas nações, interfere na economia e nos interesses de todo mundo, visto que são dois poderios econômicos relevantes mundialmente. Que esteja seja o início para que as conversas avancem e se chegue a um acordo. 

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