Folha de S. Paulo
De queda do regime iraniano a uma guerra regional com envolvimento dos Estados Unidos, tudo é possível
O
ataque em larga escala de Israel à
infraestrutura nuclear do Irã na
sexta-feira (13) precisa ser adicionado à lista de guerras
marcantes que remodelaram o Oriente Médio desde a Segunda Guerra
Mundial e que são conhecidas apenas pelas suas datas —1956, 1967, 1973, 1982,
2023— e agora 2025.
É cedo demais, e as possibilidades são tão variadas, para dizer como o jogo de nações do Oriente Médio será alterado pelo conflito Israel-Irã de 2025. Tudo o que posso dizer agora é que tanto a possibilidade extremamente positiva —de que isso inicie uma reação em cadeia que acabe derrubando o regime iraniano e o substituindo por um governo mais decente, secular e consensual— quanto a possibilidade extremamente negativa —de que isso incendeie toda a região e envolva os Estados Unidos— estão na mesa.
Entre esses extremos ainda existe uma
possibilidade intermediária —uma solução negociada—, mas talvez não por muito
tempo. O presidente Donald Trump tem
usado o ataque israelense de forma astuta para, na prática, dizer aos
iranianos: "Ainda estou disposto a negociar um fim pacífico para seu programa
nuclear, e vocês podem querer fazer isso rápido —porque meu
amigo Bibi
(como também é conhecido Netanyahu) é L-O-U-C-O. Estou esperando seu
telefonema."
Diante desse leque de possibilidades, o
melhor que posso oferecer a quem acompanha de casa são as variáveis principais
que acompanharei para determinar qual dessas —ou alguma outra que eu não
consiga prever— será o desfecho mais provável.
1) O que torna esse conflito entre Irã e
Israel tão profundo é a promessa de Israel de continuar a luta até eliminar
a capacidade do Irã de fabricar armas nucleares —de uma forma ou de
outra.
O Irã provocou isso, acelerando fortemente
seu enriquecimento de urânio para níveis próximos aos de armamento. Começou a
disfarçar esses esforços com tanta agressividade que até a Agência
Internacional de Energia Atômica declarou na quinta-feira que o Irã não está
cumprindo suas obrigações de não proliferação —a primeira vez em 20
anos que a agência faz tal declaração. Israel já apontou sua arma para o
programa nuclear iraniano várias vezes nos últimos 15 anos, mas em todas recuou
no último momento, seja por pressão dos EUA, seja por dúvidas internas —o que
torna impossível exagerar o que está acontecendo
agora.
2) A grande dúvida técnica que tenho é
se os bombardeios
israelenses às instalações nucleares iranianas, como Natanz —que está
enterrada profundamente no subsolo— causaram impacto suficiente para danificar
as centrífugas usadas no enriquecimento de urânio, superando seus
amortecedores, e tornando-as inoperantes, ao menos por um tempo. No mínimo, é
provável que o ataque israelense tenha bombardeado as entradas das instalações
subterrâneas, atrasando seus trabalhos. O porta-voz do Exército israelense
disse que Israel causou danos significativos a Natanz, sua maior instalação de
enriquecimento, mas não está claro o que aconteceu com Fordo, outra instalação
semelhante.
Se Israel conseguiu danificar o projeto
nuclear iraniano o suficiente para forçar ao menos uma paralisação temporária
nas operações de enriquecimento, isso já representaria um ganho militar
importante, justificando a operação.
3) O que me interessa tanto quanto isso
é o impacto que esse conflito pode ter na região —particularmente sobre a longa
e maligna influência do Irã sobre o Iraque, o Líbano, a Síria e
o Iêmen,
onde Teerã nutriu e armou milícias locais para controlar indiretamente esses
países e impedir que se aproximassem de governos consensuais e pró-Ocidente.
Remover essa mão morta do Irã de cima desses
regimes —um processo que começou com a decisão do premiê Binyamin Netanyahu de
decapitar e incapacitar a milícia Hezbollah— já
gerou dividendos no Líbano e na Síria, onde novas lideranças pluralistas
assumiram o poder. Ainda são frágeis, mas têm uma esperança —inclusive no
Iraque— que não existia antes. E a saída da esfera de influência iraniana tem
sido amplamente popular entre seus povos.
4) Uma coisa que sempre me impressionou
em Netanyahu é sua habilidade estratégica como jogador no teatro regional, e
sua incompetência estratégica como jogador local frente aos palestinos. No
campo regional, sua mente está em geral livre de amarras ideológicas e
políticas. Mas, como jogador local, especialmente na Faixa
de Gaza, suas decisões são dominadas por sua necessidade de
sobrevivência política pessoal, seu compromisso ideológico em impedir um Estado
palestino sob qualquer condição e sua dependência da extrema direita para se
manter no poder. Por isso, atolou o Exército israelense no pântano de Gaza —um
desastre moral, econômico e estratégico— sem nenhum plano para sair de lá.
5) Se você está se perguntando como esse
conflito pode afetar seus investimentos para a aposentadoria, o ponto principal
a observar é se o Irã tentará desestabilizar o governo Trump ao tomar ações que
façam o preço do petróleo disparar —e provoquem inflação no Ocidente. Por
exemplo, o Irã pode afundar petroleiros no Estreito
de Hormuz ou enchê-lo de minas marítimas, efetivamente bloqueando as
exportações de petróleo e gás. Só essa possibilidade já está pressionando os
preços para cima.
6) Como a inteligência israelense sobre
o Irã é tão boa a ponto de localizar e matar seus dois principais líderes
militares, além de outros oficiais seniores? Claro, o Mossad e a unidade de
cibercomando da NSA israelense, a Unidade 8200, são excelentes no que fazem.
Mas, se você quiser saber o verdadeiro segredo, assista à série Teerã da Apple
TV+. Ela ficcionaliza o trabalho de uma agente do Mossad em Teerã. O que você
aprende com a série —e que é verdade na vida real— é que muitos agentes
iranianos estão dispostos a trabalhar para Israel por odiarem seu próprio
governo. Isso facilita muito o recrutamento dentro do alto escalão do governo e
das forças armadas iranianas.
Essa realidade não só oferece vantagens
diretas, como os alvos precisos do ataque de sexta-feira, como também gera uma
vantagem indireta para Israel: toda vez que líderes militares e políticos do
Irã se reúnem para planejar algo contra Israel, cada um precisa se perguntar se
a pessoa ao lado não é um agente israelense. Isso desacelera bastante o
planejamento e a inovação.
Somado a isso, o líder supremo do Irã acabou
de ver seus dois
principais generais serem assassinados —o chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas e o comandante da Guarda Revolucionária. Ele certamente sabe que
Israel pode eliminá-lo também. Portanto, deve estar escondido em algum bunker
profundo, o que também atrasa as decisões.
7) Se Israel fracassar nessa empreitada
—e fracasso aqui significa o regime iraniano conseguir se recompor e continuar
tentando construir uma arma nuclear e controlar capitais árabes—, isso pode
levar a uma guerra de atrito entre os dois Exércitos mais poderosos da região.
Isso tornaria o Oriente Médio ainda mais instável, gerando crises no
fornecimento de petróleo e possivelmente levando o Irã a atacar regimes árabes
pró-EUA e tropas americanas na região. Isso deixaria o governo Trump sem
escolha a não ser intervir, provavelmente com o objetivo não apenas de encerrar
a guerra, mas de derrubar o regime iraniano. E aí, quem sabe o que pode
acontecer?
Por fim, ao contrário do que faz em Gaza,
Israel fez questão de evitar matar muitos civis iranianos, porque quer que a
população direcione sua raiva contra o regime por desperdiçar tantos recursos
com armas nucleares —e não contra Israel.
Falando em inglês num vídeo logo após o
ataque, Netanyahu se dirigiu diretamente ao povo iraniano: "Não odiamos
vocês. Vocês não são nossos inimigos. Temos um inimigo em comum: um regime
tirânico que os oprime. Há quase 50 anos, esse regime os roubou da chance de
uma vida melhor."
Os iranianos não vão se inspirar em
Netanyahu, mas não há dúvida de que esse já era um regime impopular —e ninguém
pode prever o que acontecerá agora que foi humilhado militarmente por Israel.
Há apenas três anos, o regime clerical do Irã prendeu mais de 20 mil pessoas e
matou mais de 500 —algumas executadas— para reprimir um levante popular que
explodiu após a "polícia da moralidade" deter a jovem Mahsa Amini,
22, por não cobrir totalmente os cabelos com o véu obrigatório. Ela morreu sob
custódia.
Olhando para frente, duas lições da história
são importantes: regimes como o do Irã parecem fortes —até que deixam de ser— e
podem cair rapidamente. E, no Oriente Médio, o oposto da autocracia nem sempre
é a democracia. Pode ser o caos prolongado. Então, por mais que eu queira ver
esse regime cair, é preciso cuidado com os pilares que desabam.
*É colunista de assuntos internacionais do
The New York Times desde 1995. Vencedor de três prêmios Pulitzer, ingressou no
jornal em 1981 e atuou como correspondente em Beirute, Jerusalém e Washington
Nenhum comentário:
Postar um comentário