Valor Econômico
Protagonista na mediação do primeiro acordo nuclear com o Irã, o país foi escanteado pelos EUA, cujas idas e vindas no tema contribuíram para o desfecho militar
A confirmação, pelo porta-voz da chancelaria
iraniana, Esmaeil Baghaei, na segunda, que o parlamento daquele país votará um
projeto para tirar o Irã do Tratado de Não Proliferação Nuclear, trouxe à
memória do atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim, a jornada de
20 horas. Naquele domingo 16 de maio de 2010, ao lado do chanceler turco, Ahmet
Davutoglu, e do negociador nuclear iraniano, Saeed Jalili, burilou o acordo
para que o Irã permanecesse nos ditames do TNP.
Mandatários de uma proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), concordaram que o estoque de 1,2 tonelada de urânio do Irã seria enviada a outro país, enriquecido a até 20%, patamar de uso pacífico, e devolvido ao Irã. No dia seguinte, em Teerã, o acordo foi anunciado pelos três chefes de Estado: Luiz Inácio Lula da Silva, no último ano do segundo mandato, Mahmoud Ahmadinejad (Irã) e Recep Erdogan (Turquia).
O acordo livrou o Irã de sanções das Nações
Unidas e deixou o presidente americano Barack Obama, que havia estimulado Lula
nessa direção, satisfeito. Em 2024, William Burns, que integrava o Departamento
de Estado à época, esteve em Brasília como diretor da CIA, e relembrou
positivamente a participação brasileira naquela mediação. “Fomos traídos”,
lembra Amorim. O acordo não sobreviveu ao bombardeio da então chanceler
americana, Hillary Clinton. Um novo texto levou cinco anos para ser costurado
entre o Irã e as cinco potências nucleares (EUA, Rússia, China, Reino Unido e
França).
O texto assinado findou mais permissivo do
que aquele alinhavado cinco anos antes porque manteve o estoque de 1,2 tonelada
no Irã, ainda que sob inspeções da Aiea. Em 2018, ao ser eleito pela primeira
vez, Donald Trump retirou os EUA do acordo e o Irã sentiu-se livre para retomar
o enriquecimento a patamares superiores àqueles com os quais havia se
comprometido. Na sexta (13), a Aiea aprovou resolução que censurava o país por
estocar 408 quilos enriquecidos a 60%. A resolução, que teve o voto contrário da
Rússia e da China e a abstenção do Brasil e outros 10 países, foi escada para
Israel.
“O Brasil é pelo desarmamento e não terá como
não lamentar uma eventual saída do Irã do acordo, mas a única garantia para um
mundo realmente desarmado é que todos os países abdiquem de suas armas
nucleares”, diz Amorim. O Brasil é um signatário tardio do TNP. Só o fez em
2000, 30 anos depois de sua criação, no governo Fernando Henrique Cardoso. É a
recusa das cinco potências nucleares a cumprir a cláusula do TNP que os obriga
a um desarmamento gradual que leva o Brasil a resistir ao protocolo adicional do
tratado.
O adiamento da conferência sobre Gaza na ONU,
promovida pela França e pela Arábia Saudita, passo mais concreto na ampliação
da pressão ocidental contra a ofensiva israelense na região, é vista por Amorim
como desfecho imediato mais lamentável do ataque. Uma mediana dessas posições
virá do comunicado final da reunião do G7, no Canadá, com a presença de Lula
como convidado. A presença de Lula, que mal chegou de um périplo parisiense,
estaria justificada pela presidência brasileira da COP30, e pelo encontro com o
presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a pedido deste.
O embaixador brasileiro cita a crescente
dependência ocidental da tecnologia de defesa cibernética israelense como uma
das explicações possíveis para a inexistência de uma condenação ao ataque ao
Irã à semelhança do que aconteceu com a Ucrânia quando atacada pela Rússia. “Só
falta agora que se junte o conflito do Oriente Médio com o da Ucrânia/Rússia”,
diz Amorim.
Em janeiro, os presidentes russo e iraniano,
Vladimir Putin e Masoud Pezeshkian, fecharam “parceria estratégica” em defesa,
comércio, energia e infraestrutura. O tratado não tem cláusula de defesa mútua,
como na Otan, mas facilita a cooperação militar. O parlamento russo o ratificou
em abril e o iraniano, em maio.
A Rússia foi determinante para a inclusão do
Irã ao Brics, bloco que está sob a presidência brasileira desde janeiro, e cuja
cúpula anual acontecerá no Rio no início de julho. O presidente iraniano esteve
na última cúpula, em Kazan, que teve Putin como anfitrião. Ainda não se sabe
se, em virtude do conflito, sua presença no Rio será confirmada.
Amorim faz questão de enfatizar que o Brics
não é um órgão de defesa mas prevê críticas ao conflito nos discursos. Ao
contrário da situação de Gaza, não dá como certo que uma condenação ao ataque
israelense conste da declaração final.
A preocupação do decano da diplomacia
brasileira está em compasso com a das autoridades que estão na linha de frente
desse conflito. Na manhã desta segunda feira, o diretor-geral da Aiea, Rafael
Grossi, não apenas registrou o “perigo significativo” da radiação provocada
pelo ataque israelense às instalações nucleares iranianas em Natanz, ao sul de
Teerã, como apelou por uma solução diplomática que estabeleça garantias contra
o desenvolvimento de armas nucleares no Irã.
A inclusão de um parágrafo na resolução da
Aiea alertando contra soluções de força poderia ter comprometido mais as
potências nucleares contra a escalada militar, mas o texto chegou fechado à
junta de governadores da agência. Só cabia a seus integrantes aprová-lo ou
rejeitá-lo, sem negociação. A abstenção brasileira foi uma resposta a esse rolo
compressor. A de Israel, que não é signatário do TNP e tem bomba, o ataque
contra o Irã.
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