terça-feira, 17 de junho de 2025

O Brasil ante o conflito entre Israel e Irã - Maria Cristina Fernandes

Valor Econômico

Protagonista na mediação do primeiro acordo nuclear com o Irã, o país foi escanteado pelos EUA, cujas idas e vindas no tema contribuíram para o desfecho militar

A confirmação, pelo porta-voz da chancelaria iraniana, Esmaeil Baghaei, na segunda, que o parlamento daquele país votará um projeto para tirar o Irã do Tratado de Não Proliferação Nuclear, trouxe à memória do atual assessor especial da Presidência, Celso Amorim, a jornada de 20 horas. Naquele domingo 16 de maio de 2010, ao lado do chanceler turco, Ahmet Davutoglu, e do negociador nuclear iraniano, Saeed Jalili, burilou o acordo para que o Irã permanecesse nos ditames do TNP.

Mandatários de uma proposta da Agência Internacional de Energia Atômica (Aiea), concordaram que o estoque de 1,2 tonelada de urânio do Irã seria enviada a outro país, enriquecido a até 20%, patamar de uso pacífico, e devolvido ao Irã. No dia seguinte, em Teerã, o acordo foi anunciado pelos três chefes de Estado: Luiz Inácio Lula da Silva, no último ano do segundo mandato, Mahmoud Ahmadinejad (Irã) e Recep Erdogan (Turquia).

O acordo livrou o Irã de sanções das Nações Unidas e deixou o presidente americano Barack Obama, que havia estimulado Lula nessa direção, satisfeito. Em 2024, William Burns, que integrava o Departamento de Estado à época, esteve em Brasília como diretor da CIA, e relembrou positivamente a participação brasileira naquela mediação. “Fomos traídos”, lembra Amorim. O acordo não sobreviveu ao bombardeio da então chanceler americana, Hillary Clinton. Um novo texto levou cinco anos para ser costurado entre o Irã e as cinco potências nucleares (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França).

O texto assinado findou mais permissivo do que aquele alinhavado cinco anos antes porque manteve o estoque de 1,2 tonelada no Irã, ainda que sob inspeções da Aiea. Em 2018, ao ser eleito pela primeira vez, Donald Trump retirou os EUA do acordo e o Irã sentiu-se livre para retomar o enriquecimento a patamares superiores àqueles com os quais havia se comprometido. Na sexta (13), a Aiea aprovou resolução que censurava o país por estocar 408 quilos enriquecidos a 60%. A resolução, que teve o voto contrário da Rússia e da China e a abstenção do Brasil e outros 10 países, foi escada para Israel.

“O Brasil é pelo desarmamento e não terá como não lamentar uma eventual saída do Irã do acordo, mas a única garantia para um mundo realmente desarmado é que todos os países abdiquem de suas armas nucleares”, diz Amorim. O Brasil é um signatário tardio do TNP. Só o fez em 2000, 30 anos depois de sua criação, no governo Fernando Henrique Cardoso. É a recusa das cinco potências nucleares a cumprir a cláusula do TNP que os obriga a um desarmamento gradual que leva o Brasil a resistir ao protocolo adicional do tratado.

O adiamento da conferência sobre Gaza na ONU, promovida pela França e pela Arábia Saudita, passo mais concreto na ampliação da pressão ocidental contra a ofensiva israelense na região, é vista por Amorim como desfecho imediato mais lamentável do ataque. Uma mediana dessas posições virá do comunicado final da reunião do G7, no Canadá, com a presença de Lula como convidado. A presença de Lula, que mal chegou de um périplo parisiense, estaria justificada pela presidência brasileira da COP30, e pelo encontro com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, a pedido deste.

O embaixador brasileiro cita a crescente dependência ocidental da tecnologia de defesa cibernética israelense como uma das explicações possíveis para a inexistência de uma condenação ao ataque ao Irã à semelhança do que aconteceu com a Ucrânia quando atacada pela Rússia. “Só falta agora que se junte o conflito do Oriente Médio com o da Ucrânia/Rússia”, diz Amorim.

Em janeiro, os presidentes russo e iraniano, Vladimir Putin e Masoud Pezeshkian, fecharam “parceria estratégica” em defesa, comércio, energia e infraestrutura. O tratado não tem cláusula de defesa mútua, como na Otan, mas facilita a cooperação militar. O parlamento russo o ratificou em abril e o iraniano, em maio.

A Rússia foi determinante para a inclusão do Irã ao Brics, bloco que está sob a presidência brasileira desde janeiro, e cuja cúpula anual acontecerá no Rio no início de julho. O presidente iraniano esteve na última cúpula, em Kazan, que teve Putin como anfitrião. Ainda não se sabe se, em virtude do conflito, sua presença no Rio será confirmada.

Amorim faz questão de enfatizar que o Brics não é um órgão de defesa mas prevê críticas ao conflito nos discursos. Ao contrário da situação de Gaza, não dá como certo que uma condenação ao ataque israelense conste da declaração final.

A preocupação do decano da diplomacia brasileira está em compasso com a das autoridades que estão na linha de frente desse conflito. Na manhã desta segunda feira, o diretor-geral da Aiea, Rafael Grossi, não apenas registrou o “perigo significativo” da radiação provocada pelo ataque israelense às instalações nucleares iranianas em Natanz, ao sul de Teerã, como apelou por uma solução diplomática que estabeleça garantias contra o desenvolvimento de armas nucleares no Irã.

A inclusão de um parágrafo na resolução da Aiea alertando contra soluções de força poderia ter comprometido mais as potências nucleares contra a escalada militar, mas o texto chegou fechado à junta de governadores da agência. Só cabia a seus integrantes aprová-lo ou rejeitá-lo, sem negociação. A abstenção brasileira foi uma resposta a esse rolo compressor. A de Israel, que não é signatário do TNP e tem bomba, o ataque contra o Irã.

 

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