terça-feira, 17 de junho de 2025

Rubem Fonseca – 100 anos - Pablo Spinelli

“Ela respondeu que Nietzche disse que a mesma palavra amor significa duas coisas diferentes para o homem e para a mulher. Para a mulher, amor exprime renúncia, dádiva. Já o homem quer possuir a mulher, tomá-la, a fim de se enriquecer e reforçar seu poder de existir. Respondi que Nietzche era um maluco. Mas aquela conversa foi o início do fim. Na cama não se fala de filosofia.

Ela e Outras Mulheres, 2006

Os tempos atuais são deveras estranhos por conta de um sintoma que toma vulto na sociedade, nas mentes, na mídia, nas relações afetivas. O Presentismo tomou fôlego, uma noção em que a pós-modernidade desconstruiu a noção de linearidade do tempo; o passado acaba por ser flexível, e por consequência, abre-se uma janela de oportunidades para o anacronismo, para os cancelamentos morais, a revisão de “narrativas”. Ao mesmo tempo, tal termo traz em sua etimologia a ideia da vivência do presente, do aqui e agora, em uma nova perspectiva do “fim da História”.

O presente texto não vai divagar sobre essas reflexões filosóficas, mas tão somente se debruçar sobre a grande lacuna gerada por governos, sociedade, editoras quanto ao centenário do contista, romancista, roteirista e ensaísta Rubem Fonseca (1925-2020) que nos deixou há cinco anos por conta da pandemia do coronavírus da covid-19.

Fonseca, mineiro de nascimento, naturalizado carioca, foi um dos poucos escritores “best-sellers” brasileiros. Seus livros eram campeões de vendas em qualquer lista dos “10 mais” em qualquer revista ou jornal. Sua obra literária começou às vésperas do Golpe de 1964, do qual, como muitos intelectuais, membros da classe média, executivos de multinacionais, foi um entusiasta como aqueles que eram antivarguistas e viam no “movimento” uma maneira definitiva de enterrar Getúlio, seu “populismo”, o legado autoritário do corporativismo e do Estado Novo, dentre outros.

Os contos de Fonseca em “Os Prisioneiros” (1963), “Coleira do cão” (1965) e “Lúcia McCartney” (1969) são um misto de crítica à sociedade urbana advinda da modernização conservadora com uma filosofia hobbesiana do “homem lobo do homem”, com doses cavalares de violência, cinismo e humor; um caldo que será expresso de maneira similar, salvaguardando as proporções, por Quentin Tarantino e seus filmes. Talvez nenhum outro contista-romancista tenha sido mais feliz na tradução da cultura pop como Rubem.

Além dos contos, o mineiro-carioca escreveu romances como “A Grande Arte” (1985) e “Bufo & Spallanzani” (1986) – ambos adaptados para o cinema, o primeiro pelo mesmo diretor de “Ainda Estou Aqui”. Seus romances, para muitos críticos, pecavam por certo pedantismo quanto à erudição, mas revelava além disso, um grande trabalho de pesquisa que ia de facas à biologia, de ópera à literatura do ucraniano marxista Isaac Babel. Na nossa humilde opinião, seu ponto alto como romancista foi em “Agosto” (1990) – adaptada para TV e disponível no Globoplay –, livro que se confronta com Vargas e redimensiona o papel desse e de outros personagens na História do Brasil, como Carlos Lacerda. Agosto deveria ser uma leitura presente entre professores e estudantes para ser um passo inicial contra o presentismo.

Sua literatura após Agosto abre-se para um escopo mais democrático, inclusivo. Grosso modo, é como um Monteiro Lobato e sua visão acerca do Jeca Tatu. A pauta moral passa a ser ironizada pelo próprio autor nos escritos posteriores e passa a enxergas os problemas da revolução dos interesses e da proeminência do mercado na sociedade. Seu conto sobre os anões em “A confraria dos espadas” (1998) antecipou a febre juvenil.

Um vencedor de seis Prêmios Jabuti; de um Juan Rulfo, um Camões não pode ter seu centenário sendo esquecido. Propomos aqui que Rubem Fonseca deveria ser resgatado pelo município do Rio de Janeiro como uma importante ferramenta para desenvolver o gosto e prazer de jovens e velhos moradores da cidade no ano em que a cidade é a Capital do Livro e está envolta com mais uma Bienal. Seu conto “A arte de andar nas ruas do Rio de Janeiro”, um diálogo exuberante com os escritos de João do Rio, deveria ser popularizado entre os cariocas em um “Reviver” do Centro do Rio para não ficar restrito a especulações imobiliárias.  E que seu centenário não seja alvo de cancelamentos, pois o silenciamento das ações culturais nas áreas federal, estadual e municipal já nos bastam, assim como o silêncio da presidência passada à época de sua morte. Que as novas gerações possam conhecer Rubem Fonseca mais e melhor!

*Pablo Spinelli é Doutorando em Ciência Política da CCJP/UNIRIO e Professor da rede pública de Saquarema e da rede privada do Rio de Janeiro.

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