O Estado de S. Paulo
O País de amanhã será consequência direta de nossa (ir) responsabilidade histórica com as gerações futuras
A recente trapalhada do IOF não deveria surpreender ninguém. Isso porque não se pode esperar acertos e comportamentos racionais de um governo errático, acéfalo e de incompetência vertebral. Sem cortinas, a eleição de “Lula 3” não foi feita para servir à boa política, mas apenas para manter e garantir um arranjo de poder livre de fissuras estruturais. Agrande questão é que, a partir do momento em que a ação dos Poderes constituídos deixa de bem servir à República, a insatisfação do povo passa a ser força motriz de transformação social. E isso deveria servir de alerta para a elevação das instituições, com o Executivo mais eficiente, o Parlamento ativo nas reformas legislativas urgentes e o Judiciário consolidando no País o sentimento de justiça. Infelizmente, a realidade nacional arde em problemas no vácuo das soluções eficazes.
Ora, é inegável que o Brasil mudou. Não se
trata de um juízo qualitativo, mas de um fato. Andamos muito desde a
redemocratização de 1988, entre avanços e retrocessos inerentes ao processo
político com flutuações de poder. O saldo é inegavelmente positivo: a
consolidação do Plano Real permitiu quase 30 anos de relativa estabilidade
econômica, a responsabilidade fiscal deixou de ser palavra proibida,
consolidamos a democracia com eleições periódicas, vendo Collor, Itamar, FHC,
Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro chegarem à Presidência. Tivemos alternância,
vencedores e vencidos. Apesar dos trancos e solavancos, o País está
economicamente melhor se comparado à época da inflação galopante. Aqui, temos
uma dívida de gratidão com Malan, Gustavo Franco, Bacha, Arida e a tantos que,
silenciosamente, trabalharam com honra e patriotismo para dar ao País a
decência de uma moeda estável.
Politicamente, apesar da consolidação
democrática, temos desafios importantes. Nossos partidos, embora entidades
milionárias, são moral e institucionalmente falidos. No desvão partidário, não
temos mais formação humana e política voltada ao bem comum e ao bom êxito da
democracia; não formamos mais líderes autênticos nem separamos o joio do trigo;
nesse raso e concorrido mercado eleitoral, o que vale são os puxadores de voto,
podendo, com sorte, que algum iluminado venha na rebarba. É claro que temos exceções
de relevo, mas uma andorinha não faz verão. Dessa forma, na falta de estadistas
superiores, o Brasil foi ficando para trás, deixando de fazer a segunda etapa
do Plano Real: a inserção do País nos altos circuitos do capitalismo global,
mediante estratégia pensada de projeção geopolítica e hegemonia regional.
Sim, o retrocesso em curso é grave. Está mais
do que provado que o PT e seus satélites marxistas pararam no tempo; vivem um
socialismo opiáceo que faz as pernas se desgrudarem do chão, vivendo a ilusão
de um Estado imaginário que, no Brasil, sequer consegue entregar saúde,
educação e segurança, mantendo legião de inocentes na pobreza, ignorância e
dependência estatal. Nas viragens do ópio político, entre leituras de cadernos
leninistas, incha-se a máquina e amplia-se a burocracia; ou seja, implode as contas
públicas com despesas recorrentes, dificultando reformas administrativas de
racionalização e eficiência, criando-se um colateral eleitoral nas carreiras
públicas com medo da extinção ou perdas de privilégios. Aí, as contas explodem,
mas há sempre um IOF ou outro tributo de ocasião para esfolar os ricos
capitalistas em favor da incompetência governamental.
O mais impressionante é que o poder econômico
brasileiro, há décadas, assiste ao enredo acima e pouco faz para mudar a ordem
dos acontecimentos. Por exemplo, ainda não há um projeto político alternativo a
recolocar o País no prumo em 2026. Acontece que a linha privada de distância e
de separação da política, além de cobrar preço altíssimo, adentra em quadra
perigosa. Os recentes movimentos de aproximação com Pequim, além de clara
conotação antiliberal, traz consigo o risco de poluir o cenário político-eleitoral
com bilhões de recursos externos (de difícil rastreio), além de invisíveis
práticas cibernéticas de comprometimento da segurança nacional. Isso, sem falar
nas vulnerabilidades nodais que o narcotráfico e o crime organizado geram ao
País, tanto na questão da corrupção, como na subjugação de um grande
contingente humano à violência sem lei.
O ponto positivo é que ainda há tempo de
pensarmos um caminho político virtuoso. A urgência da hora traz o imperativo da
união de interesses. Temos de olhar para a frente. O passado se foi, mas o
custo dos erros exigirá sacrifícios futuros. Precisamos de uma liderança
política capaz de falar a verdade, olhar nos olhos do povo e captar a confiança
das pessoas. Não é pedir muito. Existem bons nomes. Mas não basta apenas
querer. Sem a coesão de um movimento orgânico de poder, os riscos de um Brasil
iliberal não são nada desprezíveis. Feito o registro, o País de amanhã será
consequência direta de nossa (ir) responsabilidade histórica com as gerações
futuras.
*Advogado, é Chairman do Instituto Millenium
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