Folha de S. Paulo
Irã deve negociar, ainda que ceda muito,
porque seu regime tem muito a perder com conflito
O regime fundamentalista do Irã tem como
ponto ideológico inegociável varrer Israel do
mapa e está buscando os meios militares para realizar esse intento. Além disso,
patrocina grupos armados que atacam Israel repetidamente. Essa é a
justificativa para a ofensiva israelense contra o Irã.
Há uma assimetria na relação Irã-Israel. O
Irã deseja o fim de Israel. A recíproca não é verdadeira. Se amanhã o governo
iraniano mudasse e os novos mandatários aceitassem a existência de
Israel, o conflito cessaria na hora. A recíproca não é verdadeira: mesmo se um
governo pacifista vencer em Israel, isso em nada mudaria a linha oficial do
regime iraniano de varrê-lo do mapa.
Israel aproveitou uma janela de oportunidade. O Irã está enfraquecido, agora que as milícias por ele patrocinadas —os houthis, o Hezbollah, o Hamas— estão debilitadas, e o regime sírio, que era seu aliado, caiu. Nos últimos meses, conforme Israel atacava inclusive o território iraniano, a resposta iraniana, embora sempre anunciada em termos duríssimos, foi pífia. O Irã teme mais o confronto do que Israel. Se, contudo, ele desenvolvesse bombas nucleares, isso poderia mudar.
É por isso que o ataque ao Irã consegue um
apoio interno muito mais expressivo do que a campanha em Gaza,
cuja brutalidade já passou de qualquer limite. Numa pesquisa da
Universidade Tel Aviv publicada
no domingo, 83% da população judaica israelense apoia os ataques ao Irã.
O sistema de defesa israelense pode não ser
perfeito, mas é incrivelmente eficaz. Ele simplesmente anula a imensa maioria
dos mísseis e drones iranianos. Israel, por outro lado, acerta alvos
específicos dentro do Irã a seu bel-prazer. O aiatolá
Khamenei pode continuar com suas ameaças, mas a realidade mostra a
desigualdade de poder bélico.
E, no entanto, Israel não tem como vencer
sozinho. Invasão por terra está fora de questão de ambos os lados. Bombardeios
são tudo o que os dois países podem fazer. Israel precisa de tecnologia
americana para atingir as instalações subterrâneas mais profundas do Irã.
Israel talvez consiga matar as lideranças
militares, políticas e religiosas, e o caos dos ataques pode dar fim ao regime,
mas não teria como escolher seu sucessor. Quem garante que o substituto dos
aiatolás seria melhor ou mais favorável a Israel? Por mais que o regime seja
odiado por boa parte da população, o ataque de uma potência estrangeira costuma
ter o efeito colateral de unir a opinião pública em nome da defesa nacional e a
odiar ainda mais o agressor. Israel quer um Oriente Médio ainda
mais instável?
O Irã não tem nada a ganhar com essa guerra e
seu regime tem muito a perder. Ele deve buscar a paz, ainda que ceda muito nas
negociações. Seja para a paz, seja para a destruição do programa nuclear
iraniano, a presença dos EUA é
fundamental.
Hoje os EUA viraram espectadores
passivos dos conflitos globais. Apoiam Israel, mas deixam
que ele faça o que quiser. Algum acordo que ponha fim ao conflito exigirá
que coloquem limites a Netanyahu,
mesmo que isso prejudique as ambições dos extremistas de seu governo. Quando os
EUA se ausentam da política internacional, o resultado não é a harmonia entre
os povos, e sim a guerra sem fim.
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