Correio Braziliense
Parlamentares têm poder para mexer no
Orçamento e corrigir o que tanto criticam, mas precisam cortar na própria carne
e ser mais responsáveis em relação a isenções e privilégios
Inicialmente, um corte linear de 2% em todas
as despesas da União faria um bem danado ao equilíbrio fiscal e à harmonia
entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Resolveria o problema do
deficit fiscal de forma categórica e possibilitaria a redução acelerada da taxa
de juros, bem como da expansão da dívida pública, e ainda permitiria algum
investimento, graças ao entendimento de que os Três Poderes precisam cortar na
própria carne.
O Congresso reverteria toda a expectativa negativa em relação às contas públicas, que projetam um deficit primário de R$ 64,2 bilhões para este ano, segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI), mantida pelo Senado. Para 2026, a instituição avalia que as contas públicas poderão ter um resultado ainda pior, com um deficit primário estimado em R$ 128 bilhões. O governo precisará de pelo menos R$ 72 bilhões para tentar fechar 2026 dentro da meta (superavit de 0,25% do PIB).
Essa análise consta do Relatório de
Acompanhamento Fiscal (RAF) de abril, que projeta crescimento do PIB de 2% em
2025, e de 1,6% em 2026, “em função da redução da renda real disponível e dos
efeitos da política monetária restritiva”. Segundo o diretor-executivo da
instituição, Marcos Pestana, a dívida pública federal pode ficar em 79,8% do
PIB em 2025 e 84% em 2026.
Com base nesse diagnóstico, existe ampla
convergência entre a elite econômica do país e a maioria do Congresso de que o
governo não deve aumentar impostos. Partidos do Centrão que fazem parte do
governo, entre os quais União Brasil, Republicanos e PSD, promovem aberta
oposição ao ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que jogou a toalha nessa
negociação do IOF. Ele pediu uma semana de férias para tratar da saúde.
Essa maioria do Congresso tem a faca e o
queijo na mão para fazer um ajuste estrutural do deficit público, como anunciou
o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na semana passada, depois
de ser emparedado pelos lobbies contra o aumento do Imposto sobre Operações
Financeiras (IOF) do agronegócio, da construção civil, das fintechs e das bets,
principalmente. Nesta segunda-feira à noite, Motta reiterou que o
Congresso tem sido uma âncora de responsabilidade fiscal, mas não aceitará que
o ajuste das contas públicas recaia exclusivamente sobre aumento de impostos.
A declaração foi dada momentos antes da
aprovação do pedido de urgência do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) que
pretende revogar o decreto do governo que elevou o IOF. Sendo assim, por que o
Congresso não faz o ajuste estrutural nas contas públicas e zera o deficit? A
resposta chama-se patrimonialismo. O conceito descreve uma forma de dominação
em que não há separação clara entre o que é público e o que é privado. Nesse
modelo, os recursos do Estado são tratados como propriedade pessoal dos
governantes e/ou das elites dominantes.
Populismo
Nosso patrimonialismo é dissecado nas obras
de Raymundo Faoro, Francisco Weffort, Simon Schwartzman e Luiz Werneck Vianna,
entre outros. Mas sua interpretação precisa ser atualizada à luz da nova
realidade política brasileira, tão bem descrita por Alberto Aggio no
livro A construção da democracia no Brasil (Fundação Astrojildo
Pereira/Annalume), que analisa os últimos 40 anos da política brasileira. O
nosso vetusto patrimonialismo também precisa ser revisitado. As emendas
parlamentares e a sua composição majoritária aproximaram de forma visceral o
atual Congresso da política municipal de baixa qualidade, para não ir mais
longe.
Estabeleceu-se uma linha direta entre a
atividade parlamentar em nível congressual e a execução de recursos públicos
federais nas bases eleitorais dos atuais mandatários, que dispensam a
intermediação de outros atores no plano eleitoral e se autonomizaram em relação
à sociedade civil e às instituições políticas. As políticas públicas federais,
com exceção da transferência direta de renda para as famílias de baixa renda,
foram aprisionadas pelos grandes interesses privados. Comissões parlamentares
de inquérito, comissões permanentes, que têm poder deliberativo, e comissões
especiais viraram balcões de negócios. Nunca houve tanta promiscuidade entre
parlamentares e lobistas.
Populismo? Pode-se chamar de populistas as
propostas de transferência de renda para famílias de baixa renda do governo. O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva está com um olho no gato e o outro no
peixe, ou seja, no aquecimento da economia e na recuperação da própria
popularidade. Por isso mesmo, são duramente atacadas pela oposição, que não se
dispõe a aprovar aumento de impostos para facilitar a vida do governo.
Entretanto, as propostas de Lula são promessas eleitorais de conhecimento da
opinião pública.
Sendo assim, é legítima a disputa política
que se estabeleceu entre Lula e a oposição quanto a isso, inclusive o discurso
do presidente de que seus adversários não querem que o governo gaste com os
pobres e cobre mais impostos dos ricos, velho estratagema eleitoral do petista.
Se vai colar outra vez, é outra história. Entretanto, o Congresso tem poder
para mexer no Orçamento e corrigir o que tanto critica, mas precisa cortar na
própria carne e ser mais responsável em relação às isenções e aos privilégios
que sangram os cofres públicos, sem falar nos desvios de verbas das emendas
parlamentares que estão sendo investigados em sigilo de Justiça.
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