Valor Econômico
Um debate muito interessante sobre exploração
de petróleo e crise climática
O físico Shigueo Watanabe Jr., especialista em energia do Instituto ClimaInfo, surpreendeu ao declarar: “Se não fosse a mudança do clima, eu seria petroleiro-raiz”. Seguiu na mesma toada: “Não tem coisa melhor que petróleo do ponto de vista energético e de funcionamento da sociedade. O grande pulo civilizatório que se deu do século XIX para cá, foi por causa do petróleo. É fato. Mas o diacho é que estas coisas estão provocando exatamente uma mudança no clima que não se esperava”.
O “se” de Shigeuo, como o ambientalista é
conhecido em todos os círculos que falam de energia, mercado de carbono,
combustíveis fósseis e energias limpas, faz toda a diferença. Lembra aquele
modo de dizer italiano: “Se mia nonna avesse le ruote, sarebbe una carriola”,
ou “Se minha avó tivesse rodas, seria um carrinho de mão”. Os italianos usam a
expressão para ironizar a futilidade de se fazer suposições sobre situações
hipotéticas e que não podem se concretizar. Avós não têm rodas. Queimar
petróleo é a principal causa da crise climática. Não tem condicional.
Mas tem e deve ter debate, no Brasil e no
mundo. Foi o que aconteceu, em uma quinta-feira de manhã do fim de maio, no
centro de São Paulo, mais precisamente na sede da Fundação Fernando Henrique
Cardoso. Ali especialistas de matizes diversos discutiram petróleo e transição
energética durante três horas. Foram dois painéis -o primeiro deu um panorama
mais geral do cenário. O segundo focou mais na exploração de petróleo na Margem
Equatorial da bacia da foz do Amazonas e contou com Jean Paul Prates, hoje chairman
do Centro de Estratégia em Recursos Naturais (mas até o ano passado presidente
da Petrobras),
Roberto Schaeffer, professor de Economia da Energia da COPPE/UFRJ e Flávia
Guedes, analista do Instituto Mapinguari, da Amazônia.
Shigueo estava no primeiro painel. Falou logo
depois de David Zylbersztajn, hoje professor do Instituto de Energia da
PUC-Rio. O engenheiro mecânico carioca foi diretor-geral da Agência Nacional de
Petróleo, a ANP, e secretário de Energia do Estado de São Paulo. Tem longo
currículo no setor público, no setor privado e na academia.
Zylbersztajn começou sua fala avisando que
não tem nenhum vínculo formal com companhias de petróleo. Brincou na sequência:
“A primeira utilização de energia eólica no Brasil foi em 1500, com Cabral, que
veio através dos ventos, com as caravelas, dar na costa brasileira”. Depois
desfilou números para provar que há um equívoco ao se pensar que transição
energética “é um processo onde historicamente se tem uma ruptura e uma fonte de
energia substitui a outra”. O conceito novo diz que não só não se substitui uma
fonte pela outra, como há um processo de adição energética. Aí mora o perigo.
O petróleo ultrapassou o carvão mineral como
maior fonte de energia em 1960 e em 2024 o consumo de carvão mineral foi três
vezes maior do que em 1960. “Em 2024 houve recorde de produção de energias
renováveis, mas também de combustíveis fósseis”, disse. “Em 1990, no mundo, a
fatia dos combustíveis fósseis era de 85%; em 2024, foi de 80%. Com este
decréscimo não se pode afirmar que houve um processo de substituição, mas sim
que houve um crescimento importante das fontes renováveis de energia.”
Os números de Zylbersztajn mostram que o
mundo não vai na direção que deveria, para que se evite o pior hoje e amanhã.
“A questão da mudança climática é real e é consensual”, afirmou. “Por outro
lado, temos uma falta de sincronia entre a capacidade de reação com o que está
acontecendo na prática. Esta é a realidade que incomoda.” A Índia e a China não
têm metas net-zero para 2050, mas para 2060 e 2070. “Um indiano médio consome
22 vezes menos energia do que um americano. E 3 bilhões de pessoas no mundo consomem
o equivalente, ao ano, ao consumo de uma geladeira nos Estados Unidos”. Disse
que em 2030, estima-se que 10% da geração de energia nos EUA será para suprir
datacenters - uma fatia que é de 25% já hoje na Irlanda. Na Ásia, seguiu, há
1,400 usinas a carvão sendo construídas...
Shigueo, por seu turno, rebateu com outra
perspectiva. Puxou o debate para a discussão que importa -o projeto de
desenvolvimento que se quer dar ao país. Deu cenários de como o Brasil pode
transitar para a descarbonização do setor de energia na indústria, no
transporte de carga, no transporte público nas cidades, na discussão de outros
modais. “A transição não é de graça. Só que o custo de não se fazer nada é
muito maior”, disse. “E esse custo cairá em cima de todos”.
Seguiu: “O problema é se quisermos enfrentar
seriamente a mudança climática, isso terá um preço para a sociedade. Ponto.
Vamos discutir como se divide esse custo, quem paga a mais, quem paga menos.
Tudo isso está na mesa. Precisamos discutir como adultos”. E aí lançou um
argumento que pega na jugular de quem defende a exploração de petróleo a todo
custo e até a última gota: “O desafio que temos há 20 anos é como internalizar
as externalidades. O retorno a curto prazo da transição energética é pífio. Claro
que petróleo dá mais dinheiro, claro que gás dá mais dinheiro. O desafio é como
se embute nesta conta a crise climática. Como se embute o custo do desastre de
2024 no Rio Grande do Sul em um projeto de petróleo. Isso não está
acontecendo”.
O que está acontecendo todos notam, todos os
dias, em todas as partes. E o elefante na sala é a queima de combustíveis
fósseis.
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