segunda-feira, 4 de agosto de 2025

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alta de estelionatos evidencia falha de investigação policial

O Globo

Bandidos migraram para o meio digital, enquanto polícia se mantém muito analógica. Isso precisa mudar

Qualquer brasileiro importunado diariamente com irritantes ligações telefônicas como as que alegam compras indevidas em seus cartões e pedem que clique em algum link obscuro para “resolver” o problema tem a sensação de que o país vive uma epidemia de golpes. Não é só sensação. Seguindo tendência mundial, o número de estelionatos no Brasil explodiu nos últimos anos. Os registros no ano passado atingiram 2.166.552, um aumento de 8,3% em relação a 2023 (2.000.960) e de mais de 400% ante 2018, quando foram contabilizados 426.799 casos.

São Paulo e Distrito Federal apresentam as maiores taxas de registros de estelionato (1.744 por 100 mil habitantes e 1.681,3 por 100 mil, respectivamente), enquanto Paraíba e Maranhão ostentam as menores (235,4 e 285,3 por 100 mil). A média nacional é de 1.019,2 por 100 mil, segundo a 19ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

Esses golpes se materializam de diferentes formas, mas hoje acontecem sobretudo no meio digital. Oficialmente, em torno de 12% apenas foram enquadrados como estelionato por meio eletrônico, mas pesquisadores ponderam que o número pode estar subdimensionado, uma vez que esse tipo penal foi incluído na legislação apenas em 2021, e muitos estados brasileiros (caso de São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará) ainda não fazem a diferenciação entre os crimes no meio digital e os outros.

“Essa parece ser uma tendência que veio para ficar, na medida em que está fortemente correlacionada com a transformação digital da sociedade brasileira, que ganhou impulso em 2020, primeiro ano da epidemia de Covid-19, quando boa parte das interações da população passou a ser mediada por meios digitais”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Para as quadrilhas, o estelionato, além de demandar uma dinâmica relativamente simples e ser altamente rentável, não envolve os riscos comuns a outros tipos de crime. É verdade que, também para as vítimas, os golpes, especialmente os digitais, representam redução da violência física. Mas isso não diminui o absurdo desses delitos, que podem causar prejuízos enormes.

Apesar de estarem em franca expansão, esses crimes ainda são pouco investigados e raramente chegam à Justiça, o que traduz o despreparo das polícias para lidar com as novas estratégias dos bandidos. Análise do Anuário com base em dados do Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, mostra que, em 2024, o Judiciário recebeu 51.793 novos casos, algo em torno de 2,4% dos estelionatos registrados nas delegacias. “O crime mudou muito nos últimos cinco anos, e talvez a forma de preveni-lo e enfrentá-lo também precise mudar, sem, no entanto, abrir mão de estratégias preventivas de policiamento”, afirma Lima.

Ao menos por enquanto, nada indica que esse tipo de crime arrefecerá, a despeito das bem-vindas campanhas alertando sobre estratégias de golpistas. Está claro que os bandidos se adaptam aos novos cenários. É preciso que as polícias civis também se adaptem. Por envolver quadrilhas com atuação nacional, é necessária uma coordenação também nacional. Diferentemente do que ocorre em outras modalidades de crime, investigações de estelionatos demandam investimentos em inteligência. Se os bandidos operam no modo digital e a polícia no analógico, as chances de sucesso são reduzidas.

Biodiversidade é oportunidade para desenvolver economia da Amazônia

O Globo

País conta com bons pesquisadores e lei avançada. Falta atrair capital privado e aumentar apoio público

O Brasil tem lei considerada avançada para o tema da biodiversidade, conta com um número considerável de cientistas dedicados à área, mas carece de investimento e políticas públicas. Em área estratégica para a economia brasileira, o governo deveria identificar que barreiras impedem uma alocação mais eficiente do capital privado, adotar medidas para mitigar esses problemas e aumentar o financiamento público em pesquisa.

O avanço dos estudos em biodiversidade pode ser um eixo de crescimento para os mais de 20 milhões que vivem na região da Amazônia. O Brasil tem bom histórico no casamento entre ciência e desenvolvimento econômico. Foi a união entre pesquisadores e empreendedores que resultou na exploração agrícola do Cerrado, hoje um dos principais polos do agronegócio no mundo. Na Amazônia, a ênfase precisa ser na sustentabilidade.

O consórcio Genômica da Biodiversidade Brasileira (GBB), tendo à frente o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e o Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV), com a colaboração de 107 instituições, sequenciou em dois anos 23 genomas completos de animais. Outros 720 de plantas e animais também foram sequenciados em diversos níveis de resolução. “A bioeconomia se faz como as camadas de um bolo. Pega-se o conhecimento tradicional e se acrescenta uma outra camada de ciência de vanguarda. A isso se acrescenta estímulo à indústria local, à formação de pessoas”, ressalta Alexandre Aleixo, líder do grupo de Genômica Ambiental do ITV.

Em tom de desabafo, Roberto Waack, cofundador da Coalizão Brasil, Clima, Floresta e Agricultura, disse ao GLOBO que o Brasil não faz parte da periferia quando o assunto é pesquisa. “Há um aumento do valor da natureza. Negócios dependem de ativos naturais. A alta tecnologia abre uma via de valorização do capital natural”, diz.

As indústrias farmacêutica e de cosméticos já utilizam matérias-primas fornecidas por florestas e campos brasileiros. Da Amazônia, a andiroba produz óleo anti-inflamatório, também usado como repelente e hidratante; do Cerrado, a cagaita tem propriedades antioxidantes; da Caatinga, o coco da palmeira licuri fornece óleo para cosméticos; e da Mata Atlântica a uvaia, presente em doces e sucos, tem sido pesquisada sobre suas propriedades terapêuticas.

A genômica e a proteômica, estudo das proteínas de cada elemento, se entrelaçam para permitir o entendimento da composição de cada objeto de estudo e o desenvolvimento de técnicas de melhorias das espécies. Um exemplo é o tucupi, retirado da mandioca-brava. Para evitar a variação de qualidade, a análise de suas proteínas indica a seleção ideal de microrganismos para produção de um tucupi homogêneo capaz de atender às exigências do mercado. Explorar a biodiversidade de forma sustentável é uma das melhores estratégias para deixar as florestas em pé e melhorar as condições de vida da população — ao mesmo tempo.

Ordem tarifária de Trump já eleva preços nos EUA

Valor Econômico

A volta a um mercantilismo tosco na maior economia do mundo é um retrocesso que custará muito aos EUA e ao mundo

O prazo final da primeira fase da guerra tarifária do presidente Donald Trump contra o mundo encerrou-se na sexta-feira: 194 países pagarão mais tarifas, com piso de 10% e com o Brasil na solitária posição de alvo da maior taxa, de 50%. Ao contrário das apostas iniciais, e do folclore de que Trump sempre recua, o pedágio para ingresso no mercado americano, ao menos por ora, subiu. Em relação ao que foi anunciado no “Dia da Liberação”, 2 de abril, 26 países obtiveram taxas menores do que a intenção americana, e 20 foram punidas com taxas maiores. Os parceiros com que os EUA mais comerciam pagarão taxas bem acima do piso de 10%, ou seja, o imposto de importação médio ponderado pelo comércio dos EUA subirá acima dos 17,7% atuais - a proteção crescerá.

Trump pode se regozijar de que conseguiu dobrar o mundo a seus desejos, mas seus problemas se acentuarão a partir de agora. A inflação americana está em alta e as tarifas mal começaram a se elevar, o que, com o repasse aos preços pagos pelos consumidores, trará um viés eleitoral adverso ao governo nas eleições legislativas de meio do mandato, em 2026.

Os objetivos do governo americano são contraditórios entre si e induzem à redução do crescimento global. Ao buscar déficit comercial menor do que o quase US$ 1 trilhão em 2024, e aumentar o imposto de importação do mundo para isso, as compras dos EUA teriam de cair. Trump, no entanto, conta com esse imposto para aumentar a arrecadação e com isso contrabalançar o peso do corte de impostos por ele proposto, que acrescentará liquidamente US$ 3,5 trilhões a um déficit público já gigantesco, de US$ 37,5 trilhões.

Em junho, a aduana americana arrecadou US$ 25 bilhões, muito acima da média de US$ 10 bilhões usuais. No entanto, não há como continuar elevando essas receitas para diminuir o déficit comercial, pois a função da tarifa é exatamente contrária, reduzir importações, exceto na lógica enviesada da equipe de Trump. Outra forma de diminuir o déficit americano seria elevar as exportações. Maiores tarifas de importação, porém, elevam sobremaneira os custos de produção.

Essa é uma peculiaridade no protecionismo de Trump. Apesar de exigir reciprocidade no tratamento comercial entre países, ele raramente fala e nada propõe para aumentar a fatia de exportações americanas globais. Restrições à venda de produtos e serviços americanos são motivos para defesa comercial com tarifas, e tarifas são defendidas como estímulos para trazer empresas de volta para os Estados Unidos. Mas o avanço ou a permanência competitiva das companhias americanas no resto do mundo não está explicitamente entre as metas de um time protecionista ao extremo.

A equação tarifária de Trump não fecha por outros motivos. Só faz sentido elevar tarifas de importação dos maiores parceiros comerciais se as negociações conduzirem a um recuo significativo consensual. Do contrário, elas levarão a um aumento de preços rápido e direto aos consumidores e empresas americanas. Mas os maiores fornecedores do país foram punidos com taxas de ingresso muito superiores à média de 10% imposta inicialmente a todos os países. China, México e Canadá somam 40% das importações dos EUA, mas os dois maiores parceiros americanos ainda estão pendentes de definição. A China, suposto motivo da guerra comercial, paga 30% hoje, com mais prazo para acordo do que todos os outros países sob investida americana.

A proteção americana, no final, foi elevada sobre todos os países relevantes, embora os mercados financeiros desdenhassem dessa hipótese. Isso significa que a pressão sobre os preços domésticos deverá subir nos próximos meses. Eles começaram a subir de forma vagarosa em maio, com a taxação de 10%, e deixaram um rastro claramente visível em junho. O índice de gastos ao consumidor (PCE), medida preferida pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para rastrear a tendência dos preços, avançou 0,3% em junho, após aumentar 0,2% em maio. Em 12 meses, o índice atingiu 2,6%, acima da meta de 2%. O núcleo do índice seguiu a mesma tendência e chega a 2,8% em 12 meses.

O índice de junho do Departamento de Comércio americano mostra que as tarifas começaram a influir nos indicadores de preços de forma clara. Mobiliário para residências aumentou 1,3% em junho, maior alta desde 2022. A variação positiva dos preços de veículos chegou a 0,9%, e a de roupas e calçados, a 0,4%. Brinquedos, roupas e café seguiram a mesma toada, que deve se intensificar. Vietnã, Indonésia, Bangladesh e outros países asiáticos, fornecedores relevantes desses produtos, pagarão a partir de hoje tarifas entre 9% e 40%. A maior pressão, já expressa nos índices de inflação, é a dos bens duráveis.

Não há como o protecionismo de Trump resultar em maior crescimento americano e prosperidade global. A volta a um mercantilismo tosco na maior economia do mundo é um retrocesso que custará muito aos EUA e ao mundo.

Sem ajuda da política fiscal, resta a cautela ao BC

Folha de S. Paulo

  • Com acomodação da inflação, mas incerteza quanto ao tarifaço de Trump, é correto manter os juros em 15%
  • Gestão orçamentária é obstáculo para reduzir a Selic. Mesmo assim, é provável que haja espaço para corte neste ano ou no início de 2026

A manutenção pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central da taxa básica de juros em 15% ao ano era esperada —e se mostra correta na atual conjuntura. É positivo que a decisão, unânime no colegiado, tenha sido acompanhada por uma comunicação firme, que reafirma o compromisso da autoridade monetária com a estabilidade de preços.

O comunicado manteve o tom cauteloso, reiterando que o BC "não hesitará em retomar o ciclo de ajuste, caso julgue necessário".

A esta altura, em que já se observa alguma desaceleração da atividade e da inflação, a frase soa como uma ferramenta retórica para conter especulações sobre cortes antecipados em um momento de transição e maiores incertezas, agora reforçadas pelo tarifaço do americano Donald Trump contra o Brasil.

A esse respeito, e quanto ao cenário externo em geral, o Copom reconheceu o ambiente mais adverso, que demanda prudência e atenção, mas evitou conclusões quanto aos riscos inflacionários, o que seria de fato prematuro.

Há impactos baixistas, caso de alimentos, como carnes, que foram tarifados e podem ser redirecionados para o consumo interno. Outros setores podem ter de cortar produção. De outro lado, o risco de agravamento de sanções pode impactar fluxos financeiros, depreciando o real e pressionando inflação e juros.

No quadro doméstico, o BC reconheceu alguma perda de ritmo da atividade, mas manteve o diagnóstico de dinamismo do mercado de trabalho, que tende a demorar mais para refletir os efeitos do arrocho dos juros.

É uma boa descrição, na medida em que indicadores de consumo, crédito e produção mostram crescimento moderado ou mesmo ligeira queda, enquanto a taxa de desemprego atingiu nova mínima, de 5,8% no trimestre encerrado em junho.

No campo da inflação, há progressos. A projeção do BC para o IPCA no horizonte relevante (aquele em que os impactos da política monetária são plenamente incorporados) caiu de 3,6% para 3,4%, como esperado.

As expectativas de analistas também têm se reduzido nas últimas semanas. Mas o comunicado evitou celebrar essa melhora, repetindo o texto anterior sobre a alta de preços de itens mais estruturais, como serviços, ainda muito acima da meta.

Tudo somado, vão se alargando as evidências de desaceleração da economia e de convergência da inflação para as metas. Diante das incertezas e da incompletude do processo, porém, fez bem o Copom em demonstrar paciência.

A política monetária segue no rumo certo, mas ainda carece de colaboração da gestão fiscal, hoje o principal obstáculo para juros mais baixos no país. Mesmo assim, e a custo muito maior do que seria necessário se houvesse responsabilidade orçamentária por parte do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é provável que haja espaço para corte da Selic neste ano ou no início de 2026.

Todo esforço contra a evasão escolar é pouco

Folha de S. Paulo

  • Em oito anos, mais de 300 mil jovens voltaram ao ensino, mas quase 1 milhão ainda está longe dele
  • Em pesquisa do IBGE, as causas mais relevantes para largar a escola foram a necessidade de trabalhar (39,1%) e o desinteresse (29,2%)

Considerando que a evasão é um dos gargalos históricos da educação brasileira, é bem-vinda a notícia de que mais de 300 mil crianças e adolescentes que estavam fora da escola no país voltaram a estudar entre 2017 e 2025.

Tal resgate foi realizado por meio da Busca Ativa, estratégia desenvolvida pela Unicef, em parceria com a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação, que fornece metodologia e ferramentas tecnológicas a governos para identificar e monitorar jovens que não estão matriculados na rede de ensino ou estão em risco de deixá-la.

Mesmo com a iniciativa valorosa, porém, é lamentável constatar que 993,4 mil brasileiros entre 4 e 17 anos seguem longe da escola, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios publicada em 2024 —os matriculados somam 40,4 milhões.

A evasão é um fenômeno multifatorial que pode envolver desinteresse pelos estudos, violência doméstica ou na comunidade, necessidade de trabalhar, discriminação e bullying, gravidez precoce, oferta educacional (falta de vagas, escolas ou transporte escolar) e questões de saúde, como problemas de visão e auditivos.

Uma pesquisa do IBGE de 2019 mostrou que, entre pessoas de 14 a 29 anos com nível de instrução inferior ao ensino médio, os principais motivos alegados para largar os estudos eram a necessidade de trabalhar (39,1%) e a falta de interesse (29,2%) —no estrato feminino, também apareceu a gravidez (23,8%.).

Trata-se de um processo paulatino. Notas baixas produzem o desinteresse, que culmina com as maiores taxas de evasão no ensino médio. Nesse sentido, o modelo de ensino integral, que aumenta a carga horária e tem potencial para melhorar a aprendizagem, precisa ser ampliado no país desde a etapa fundamental.

Um currículo mais focado nas aptidões dos alunos e conectado com o mercado de trabalho por meio do educação profissionalizante, como estipulou a reforma do ensino médio, cumpre a dupla função de tanto estimular a vontade de aprender como a de agilizar a capacitação necessária para a obtenção de um emprego.

O programa Pé-de-Meia, do Ministério da Educação (MEC), que fornece ajuda de custo para alunos de baixa renda cursarem e concluírem o ensino médio, também é iniciativa relevante.

Um problema complexo deve ser enfrentando em diversas frentes e em todas as esferas de governo, para que quase 1 milhão de jovens possam voltar à escola e tantas outros não queiram ou necessitem abandoná-la.

Trump ressuscita ‘frente ampla’ de Lula

O Estado de S. Paulo

A truculência trumpista e bolsonarista dá ao presidente a chance de reeditar o discurso que foi decisivo na eleição de 2022. Aos que pretendem desbancá-lo, urge renegar Trump e Bolsonaro

Lula da Silva ganhou a eleição presidencial de 2022 por um triz, embalado pela pregação de união nacional em defesa da democracia contra o bolsonarismo. A tal “frente ampla”, contudo, não resistiu a um par de meses de Lula na Presidência: rapidamente, a natureza lulopetista de concentração de poder e de visão econômica perdulária e estatista logo se impôs, traindo os eleitores independentes que foram decisivos para derrotar Jair Bolsonaro. Governando mais do que nunca como petista, Lula vinha amealhando índices medíocres de popularidade e começou a ver seriamente ameaçada suas chances de reeleição em 2026, a ponto de se especular se ele sairia mesmo como candidato. Mas então apareceu Donald Trump.

O presidente americano, escoltado por sabujos brasileiros sob a liderança da família Bolsonaro, resolveu interferir diretamente nas eleições do ano que vem, ao punir de modo draconiano ministros do Supremo Tribunal Federal, com a óbvia intenção de coagi-los a desistir do julgamento do ex-presidente por tentativa de golpe de Estado. Foi o bastante para que Lula tirasse de seu baú discursivo a empoeirada bandeira da defesa da democracia – e agora, também, a da defesa da soberania nacional.

O presidente do PT, Edinho Silva, deu o tom: em entrevista recente ao Valor, ele falou em reedição da “frente ampla” para eleger Lula, dizendo que, sem a vitória do presidente, “o retrocesso para o Brasil será gravíssimo do ponto de vista da reconstrução das políticas públicas, de um projeto de país, e do risco de abrirmos espaço para o avanço do fascismo”.

É preciso reconhecer que Lula seria um tolo se não aproveitasse a oportunidade de ouro que Trump e os Bolsonaros lhe ofereceram de bandeja. “Defesa da democracia” havia se tornado um slogan obsoleto, porque a ameaça de ruptura já foi plenamente neutralizada, e os principais sediciosos estão à beira de uma dura e merecida condenação. Até o ataque de Trump ao Brasil, Lula estava tendo que se haver com o duro cotidiano de um governo com escassez de poder e de ideias, recorrendo até mesmo à nostalgia da luta de classes para tentar reviver suas chances eleitorais. Mas eis que, de uma hora para outra, a truculência trumpista e bolsonarista conseguiu a façanha de dar a Lula ares de líder dos brasileiros contra uma injustificada agressão externa de caráter evidentemente golpista.

Se esta crise será decisiva na eleição de 2026, é algo que está no terreno da adivinhação, mas é lícito supor que, se Trump continuar a apertar o torniquete contra o Brasil a pretexto de ajudar Jair Bolsonaro, Lula terá plenas condições de se apresentar no palanque como o campeão da independência brasileira contra os entreguistas bolsonaristas – com chances razoáveis de convencer disso os eleitores decisivos, aqueles que rejeitam tanto o PT quanto Bolsonaro.

Aos candidatos que pretendem desbancar Lula em 2026, portanto, é imperativo afastar-se tanto de Bolsonaro quanto de Trump, que são crescentemente tóxicos, por razões sobejamente conhecidas. Conforme atestou recente pesquisa do Datafolha, só 6% dos brasileiros acham que o governo deveria atender às condições impostas por Trump, e quase 60% consideram que o presidente americano está errado ao exigir a anulação do julgamento de Bolsonaro.

Compreende-se que alguns dos possíveis candidatos do campo conservador precisam expressar lealdade a Bolsonaro, a quem devem seu sucesso eleitoral, mas já está claro que o ex-presidente não ajudará a conquistar o eleitorado que quase certamente desempatará a eleição, como ocorreu em 2022. Derrotar Lula, assim, passa necessariamente por renegar a truculência trumpista e o golpismo bolsonarista.

As urnas não perdoarão quem hesitar entre os interesses dos Bolsonaros e os interesses do Brasil. E a História não perdoará quem permitir, por pusilanimidade, que Lula, posando de super-herói patriota e vingador mascarado da democracia, ganhe mais quatro anos de poder.

O mau exemplo prospera

O Estado de S. Paulo

O caso paulista de repasses de emendas parlamentares sem controle ilustra como Estados e prefeituras reproduzem os vícios do Congresso e institucionalizam o improviso e o clientelismo

À medida que o modelo das emendas parlamentares se consolida como um dos principais vetores de desequilíbrio fiscal e deterioração institucional no Brasil, os casos recentes de São Paulo oferecem um alerta incontornável. Tanto as contas do governo do Estado quanto as da capital de 2024 foram aprovadas com ressalvas por seus respectivos Tribunais de Contas, entre outras razões pela má gestão das chamadas emendas “Pix”. Essas transferências, desvinculadas de objeto específico e dispensadas de convênio formal, vêm sendo executadas sem o mínimo de planejamento ou transparência exigidos pelo princípio republicano.

No governo estadual os repasses a municípios ocorrem sem a exigência de plano de trabalho prévio, em desacordo com a diretriz fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Já na capital, as informações disponíveis no Portal da Transparência são parciais, dificultando qualquer controle social ou análise técnica. A resposta de ambas as administrações – promessas genéricas de adequação futura – só reforça a normalização do improviso.

O caso paulista espelha o vício de origem do modelo nacional das emendas, que sofreu mutações aceleradas desde 2015 e hoje opera à margem de qualquer padrão internacional de boa governança. A pretexto de descentralizar decisões e aproximar o Orçamento das necessidades locais, criou-se um mecanismo institucionalmente pernicioso, no qual parlamentares exercem controle direto sobre a alocação de bilhões em recursos públicos, sem filtros técnicos, jurídicos e operacionais nem a responsabilização política que o Executivo enfrenta.

As emendas Pix são a forma mais crua dessa perversão. Vendidas como instrumento de agilidade, eliminaram também os mecanismos de controle, permitindo repasses diretos para governos subnacionais, sem projeto, sem cronograma, sem contrapartida. O resultado é previsível: pulverização ineficaz, sobreposição de iniciativas, estímulo ao clientelismo e opacidade estrutural. O rastreio posterior – quando ocorre – é reativo, fragmentado e de alcance limitado.

Nos bastidores, criou-se um mercado paralelo de compra e venda de emendas, com intermediação de agiotas e cobrança de comissões. Prefeitos passaram a depender das verbas liberadas por seus “padrinhos” no Legislativo, e parlamentares se transformaram em executores informais do Orçamento público. Além de esvaziar a autoridade do Executivo e desorganizar as políticas públicas, esse sistema corrompe a lógica eleitoral, ao operar como um fundo de campanha travestido de investimento público.

Não se trata de condenar as emendas parlamentares em si. Em democracias maduras, o Legislativo pode e deve participar da formulação orçamentária. Mas em nenhum país sério o Parlamento controla diretamente, sem planejamento central ou prestação de contas robusta, parcelas tão expressivas do orçamento. Na União, as emendas já respondem por quase um quarto dos gastos discricionários.

A exemplo de São Paulo, Estados e municípios reproduzem esses vícios, em geral com ainda menos capacidade institucional para administrar os recursos recebidos. A ausência de plano de trabalho – mesmo após decisão do STF – e a falta de transparência ativa nos portais oficiais revelam não só má gestão, mas desinteresse deliberado em garantir o controle social.

É urgente estabelecer, por lei, padrões nacionais obrigatórios de rastreabilidade e prestação de contas, com regras uniformes para todos os entes federativos. As emendas devem ser subordinadas a critérios técnicos, metas de resultado e mecanismos automáticos de bloqueio em caso de descumprimento. A Controladoria-Geral da União, os Tribunais de Contas e o Ministério Público precisam ser fortalecidos para fiscalizar com autonomia. Acima de tudo, a sociedade civil precisa se mobilizar contra a lógica do “dinheiro fácil” que estimula o clientelismo e a corrupção, e esvazia a política de ideias.

Recursos públicos não são propriedade privada do parlamentar da vez. São um bem comum, cuja gestão exige integridade, transparência e eficiência. É hora de fechar o cofre da improvisação – e abrir as contas para o cidadão.

A guerra das montadoras

O Estado de S. Paulo

Beneficiário de políticas protecionistas, setor automotivo abre crise por causa de incentivos

A refrega de montadoras de automóveis que ocupou o noticiário nos últimos dias com ameaças e ofensas públicas, tendo de um lado as “tradicionais” General Motors, Stellantis (Fiat e Peugeot, entre outras), Toyota e Volkswagen, e de outro a entrante chinesa BYD, é o reflexo de uma política que há sete décadas cerca de protecionismo a indústria automotiva. Desde o Plano de Metas, de Juscelino Kubitschek, nos idos dos anos 1950, o setor é beneficiário de programas de incentivo que, entra governo, sai governo, são intocáveis.

O plano da vez, direcionado a carros elétricos, propiciou a instalação da fábrica da BYD na Bahia em julho deste ano. Como tradicionalmente ocorre no País, não se trata exatamente de uma fábrica, mas de um centro de montagem de carros que vêm de fora total ou parcialmente desmontados. A invasão de carros chineses já havia começado antes, embalada pela política de tarifa zero para os elétricos, que vigorou até o final de 2023.

Pelos dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a China negociou 62.613 carros elétricos com o Brasil no primeiro semestre de 2024, uma alta de incríveis 717% em relação a igual período de 2023. Mais de 90% dos carros elétricos que entraram no País eram chineses. Meses antes da inauguração, a BYD solicitou ao governo a aplicação de tarifa zero, e os concorrentes, que já falavam em dumping, reagiram.

No mês passado, os presidentes das quatro grandes montadoras enviaram ao presidente Lula da Silva uma carta “alertando” para a possibilidade demissões em massa em suas unidades com o incentivo que, avaliaram, não serviria a um modelo de transição, mas a “um padrão operacional que tenderá a se consolidar e prevalecer”. Em resposta, a BYD divulgou uma nota pública acusando-os de “chantagem emocional” e chamando-os de “dinossauros” e de “barões da indústria”.

Foi um espetáculo lamentável, que provocou uma reunião de emergência do Comitê Executivo de Gestão da Câmara de Comércio Exterior. Para debelar o incêndio, a solução paliativa foi estabelecer cotas de tarifa zero por seis meses e a partir daí iniciar o cronograma de tarifação que chegará a 35% em janeiro de 2027, um ano e meio antes do previsto.

Polêmica setorial à parte, o fato é que o Brasil fracassou na indução de uma indústria moderna e competitiva no setor automotivo, restando ao consumidor brasileiro pagar caro por modelos bem piores do que os vendidos no exterior.

A substituição de importações vigorou até o início dos anos 1990 e, ainda assim, em 1995 as alíquotas de importação de carros chegaram a inacreditáveis 70%. Os nomes dos programas protecionistas variaram conforme a criatividade do momento (Mover, Rota 2030, Inovar-Auto e Regime Automotivo), mas o objetivo sempre foi um só: impedir que as montadoras locais enfrentassem de fato a concorrência externa e se modernizassem. É difícil acreditar que, passadas sete décadas, o setor ainda precise de incentivos e proteção – e que se engalfinhe publicamente por isso.

Carga horária no ensino médio não é questão de número

Correio Braziliense

A ausência dos alunos na sala de aula aumenta as dificuldades de formação e compromete a qualificação

Etapa de transição entre a educação básica e a superior, o ensino médio tem papel fundamental na formação dos estudantes e,  consequentemente, no futuro que será traçado pelos jovens brasileiros. Com duração de três anos, seu principal objetivo é aprimorar os conhecimentos obtidos durante as fases do fundamental I e II, preparando os alunos para o mercado de trabalho — seja para ingressar diretamente em uma profissão, por meio dos cursos técnicos, seja para partir rumo à qualificação superior, em universidades. 

Instituída em 2024 por meio da Lei nº 14.945, a Política Nacional de Ensino Médio reestruturou essa etapa da educação, alterando a Lei nº 9.394/1996, de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), e revogando parcialmente a Lei nº 13.415/17. A nova norma prevê que, de um total de, no mínimo, 3 mil horas, 2,4 mil devem ser destinadas à Formação Geral Básica (FGB), que inclui português, inglês, artes, educação física, matemática, ciências da natureza (biologia, física, química) e ciências humanas (filosofia, geografia, história, sociologia). O conteúdo da FGB é definido na Base Nacional Comum Curricular (BNCC). 

Com essa implementação, a expectativa do governo federal e dos especialistas era promover um incremento da carga horária mínima de formação geral básica ao longo do ensino médio, que era de 1.800 horas. Mas esse objetivo precisa ser perseguido com mais rigor. Na última semana, um estudo divulgado pela Rede Escola Pública e Universidade (Repu), entidade que reúne professores e pesquisadores de universidades públicas do estado de São Paulo, revelou que unidades da Federação não estão dentro da lei. 

A nota técnica, baseada em matrizes curriculares de 27 redes estaduais, destaca que Minas Gerais, Amazonas, Rondônia, Bahia, Pará e Santa Catarina ainda não se adequaram à exigência legal. A análise aponta que o descumprimento acontece de diferentes formas, como redução do tempo das aulas (por exemplo, 45 minutos em vez de 50 ou 60), matérias a distância em desacordo e inclusão de atividades extraescolares como parte da carga horária letiva.

Muito além da quantidade, a carga horária representa o maior acesso dos estudantes ao conhecimento, refletindo individual e coletivamente. A ausência dos alunos na sala de aula aumenta as dificuldades de formação e compromete a qualificação. Fazer cumprir as horas dentro da escola — de uma forma envolvente — é, também, uma estratégia para combater o fenômeno da evasão no país, que segue vendo seus jovens abrindo mão de parte dos estudos para trabalhar.

As instituições precisam ampliar suas ações para a proteção dos adolescentes, e a escola é ambiente essencial para garantir cuidado. Durante o ensino médio, as ferramentas para o sucesso acadêmico e profissional ganham espaço, mas, principalmente, a consciência de cidadania se estabelece. O Brasil precisa manter o foco na educação, cumprindo metas e leis, para que desafios históricos sejam superados em favor do desenvolvimento e da qualidade de vida.

Violência contra a mulher precisa de punição exemplar

O Povo (CE)

Há diversas tentativas e pioneirismos, mas em um ritmo de prioridade orçamentária e cultural que não acompanha os casos reais. A indignação nacional diante das imagens repetidas de forma exaustiva pela imprensa e redes sociais precisa ser transformada em ação concreta

O Brasil assistiu estarrecido, mais uma vez, a cenas de brutalidade onde um homem espanca uma mulher. Aconteceu dentro de um elevador em Natal (RN), no dia 26 de julho. A violência de gênero no País é crescente: 257.659 agressões cometidas contra mulheres em 2024, de acordo com o Anuário da Segurança Pública. Foram 3.870 tentativas de feminicídio, 19% a mais do que no ano anterior. Quatro mulheres mortas por dia. Com destaque para a subnotificação.

O agressor foi filmado dentro do elevador de um condomínio no bairro Ponta Negra, zona Sul da capital potiguar, dando 61 socos no rosto da então namorada. Preso em flagrante logo após o crime, porque o porteiro viu as imagens e acionou a Polícia, o homem deverá responder por tentativa de feminicídio. Deverá.

Casos em que homens espancam parceiras não são isolados. Alguns têm mais repercussão do que outros, e muitos fatores definem essa realidade, mas a violência doméstica ainda é presente em muitos e diferentes lares brasileiros.

Ao longo das últimas décadas, avanços significativos foram concretizados. As denúncias aumentaram, com a Lei Maria da Penha - que ampliou as penas e os dispositivos de proteção - o debate tornou-se mais público. Menos privado.

A temática da igualdade de gênero está mais presente nas escolas, há mais políticas públicas para prevenção e acolhimento. Legislativo, Executivo e Judiciário têm se apropriado mais sobre a demanda que a epidemia da violência contra a mulher exibe.

Há diversas tentativas e pioneirismos, mas em um ritmo de prioridade orçamentária e cultural que não acompanha os casos reais. As mortes e as agressões não param de acontecer. Os discursos misóginos também continuam, e são pano de fundo para que as muitas mudanças não consigam ainda fazer os casos diminuírem.

A indignação nacional diante das imagens repetidas de forma exaustiva pela imprensa e redes sociais precisa ser transformada em ação concreta do Estado para que o agressor seja punido de forma exemplar.

Ele tentou matar uma mulher por ela ser mulher, a acuou dentro de um local sem possibilidade de fuga ou defesa, mirou seu rosto por mais de sessenta vezes para bater. Uma violência com simbologia marcante, numa explícita tentativa de desfigurar a vítima e deixar sua marca.

Foi preso em flagrante e alegou ter tido um surto claustrofóbico antes da agressão. É preciso repetir, quantas vezes for necessário, que não há justificativa para a violência. O que precisa haver é denúncia eficaz, investigação séria e cumprimento de protocolos que consigam mensurar e qualificar os crimes de forma correta. Para que o julgamento seja sério e consiga mostrar à sociedade que o machismo mata e a violência contra as mulheres precisa parar.

 

Nenhum comentário: