Valor Econômico
Juros reais de
10% são danosos para a economia, e excessos de estímulos fiscais podem limitar
a queda da taxa
A economia brasileira mostra um desempenho bastante razoável, a despeito da
desaceleração esperada para o PIB nos próximos trimestres, num momento em que o
mundo se tornou muito mais incerto, devido às políticas implementadas pelo
governo de Donald Trump. Por motivos eminentemente políticos, que nada têm a
ver com questões comerciais, o presidente americano impôs tarifas
despropositadas para as exportações brasileiras, de 50%, que deverão prejudicar
em alguma medida o crescimento brasileiro. O impacto, contudo, tende a ser
relativamente limitado - nas contas do Bradesco, haverá uma redução da expansão
do PIB de 0,3 ponto percentual em 12 meses, se não houver diversificação de
destinos das vendas externas que iriam para os EUA. As exportações para o
mercado americano correspondem a cerca de 2% do PIB, e Trump abriu quase 700
exceções à tarifa de 50%, aliviando algo como 45% das vendas do Brasil para a
maior economia do planeta. O tarifaço é injusto e setores importantes da
economia não foram poupados, como os de café, carnes, têxteis e calçados, mas,
tudo indica, os estragos sobre a economia brasileira não serão significativos.
O governo tem reagido
em geral com pragmatismo à situação. O momento é de tentar ampliar as exceções,
atuando em conjunto com empresas americanas que importam produtos brasileiros
taxados em 50% e buscando negociar com a gestão de Trump. A tarefa obviamente
está longe de ser simples, devido à motivação política das medidas adotadas
contra o Brasil, mas é um caminho que pode render mais frutos, como indicam as
isenções das novas alíquotas a setores como aviação civil, suco de laranja e
petróleo.
No plano doméstico, o Brasil tem uma combinação disfuncional de
política fiscal e de política monetária - a primeira é excessivamente frouxa, o
que leva a segunda a ser muito contracionista. Com o crescimento insustentável
das despesas obrigatórias e um volume expressivo de benefícios e subsídios
tributários, as incertezas sobre as contas públicas permanecem elevadas,
ajudando a explicar o nível dos juros. Com a Selic em 15% ao ano, o Brasil tem
uma taxa real de 10%, descontando a inflação projetada para os próximos 12
meses. Ainda assim, o IPCA continua acima da meta de 3%.
O BC interrompeu o ciclo de alta da Selic no mês passado. Criar condições para
a redução da taxa deveria ser uma prioridade do governo, o que passa por
cautela na política fiscal. O ideal seria a adoção de medidas estruturais para
reduzir o ritmo de crescimento dos gastos obrigatórios, mas essa agenda deverá
ficar para 2027, após as eleições presidenciais do ano que vem. O governo,
porém, pode contribuir para abrir espaço para uma Selic menor, deixando de
promover estímulos fiscais e parafiscais (como uma atuação mais forte dos
bancos públicos) exagerados.
Dado o efeito negativo do tarifaço sobre os setores que não
conseguirem escapar da alíquota de 50%, faz sentido que o governo federal e as
administrações estaduais ajudem as empresas prejudicadas pelas medidas adotadas
pelos EUA. O fundamental é que elas sejam bem focadas e sejam temporárias,
beneficiando por períodos limitados as companhias e trabalhadores de segmentos
de fato afetadas pelo tarifaço. Se houver a criação de subsídios permanentes e
os gastos com o pacote de ajuda forem muito altos, as incertezas sobre as
contas públicas vão aumentar, o que pode reduzir o terreno para os cortes de
juros, ao pressionar o câmbio, por exemplo.
Hoje, o consenso do mercado aponta para a manutenção da Selic em
15% até o fim do ano, com a taxa terminando 2026 em 12,5%. Há, porém, quem seja
mais otimista e acredite numa queda maior dos juros no Brasil, como o Bank of
America. Os analistas do banco acreditam que o BC poderá cortar a Selic em
dezembro deste ano, reduzindo a taxa para 14,5%. Em 2026, os juros seguiriam em
baixa, terminando o ano em 11,25%, devido à combinação de uma trajetória mais
benigna para a inflação, a atividade econômica e o câmbio. Os riscos para esse
cenário mais favorável são uma política fiscal mais frouxa e uma desvalorização
do real decorrente de eventuais tensões comerciais, diz o Bank of America. No
cenário base do banco, porém, não haverá pressões inflacionárias globais significativas
nos próximos trimestres, devido às perspectivas de um dólar fraco no mercado
internacional, de desaceleração das economias dos EUA e da China e de preços
controlados do petróleo.
O ambiente global se tornou muito mais imprevisível com Trump. A imposição ao Brasil e a outros parceiros comerciais dos EUA de tarifas de importação nas alturas terá efeitos negativos sobre a atividade global, além de aumentar os níveis de incerteza, algo negativo para o investimento privado. Trump pode tomar novas medidas que prejudiquem o Brasil e a economia mundial, o que tenderia a pressionar o dólar por aqui, reduzindo o espaço para cortes da Selic. Nesse ambiente, o governo não deveria criar de ruídos, evitando elevações injustificadas de gastos nos próximos 18 meses. Juros reais de 10% são danosos para a economia, e excessos de estímulos fiscais podem limitar a queda da taxa.
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