segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Ficou mais difícil negociar com o Congresso - Bruno Carazza

Valor Econômico

Fundão eleitoral e emendas parlamentares tornaram deputados mais relutantes a ceder seu apoio

Na minha coluna de 7/07/2025 demonstrei que, do ponto de vista de suas características, o nível do Congresso atual não é pior do que o de legislaturas anteriores.

Em outras palavras, a profecia de Ulysses Guimarães (“Está achando ruim este Congresso? Então espera o próximo”) não se verifica quando se levam em consideração as variáveis comumente utilizadas pela Ciência Política para avaliar os parlamentares: maturidade, experiência legislativa prévia, escolaridade, presença feminina e quantidade de proposições apresentadas.

Apesar de a qualidade do Legislativo atual não deixar a desejar em relação à média histórica, o governo Lula vem tendo problemas para implementar a sua agenda.

Prova disso é a sua imensa dificuldade em aprovar medidas provisórias, que são o principal instrumento normativo à disposição dos presidentes da República no Brasil.

No atual mandato, Lula teve mais de 80% das MPs derrubadas pelo Congresso, média quase o dobro superior à de Jair Bolsonaro (42,6%) e muitas vezes maior do que a das suas passagens anteriores pelo Palácio do Planalto (9,6% e 16,8%, respectivamente).

Essa baixa taxa de sucesso do governo Lula 3 também se manifesta no elevado número de vetos presidenciais derrubados, na sustação pelos deputados e senadores dos efeitos do aumento do IOF (posteriormente revogada pelo STF) e pela aprovação de leis contrárias ao programa petista, como o recente enfraquecimento das normas de licenciamento ambiental.

Há quem argumente que esse desempenho reflete as dificuldades de Lula em montar uma base de sustentação coesa na Câmara e no Senado, cuja origem se dá no fato de a esquerda não ter conseguido eleger uma bancada expressiva em 2022 (apenas 25% das cadeiras da Câmara e 17% no Senado). Para agravar a situação, Lula estaria repetindo erros de mandatos petistas anteriores, não distribuindo o poder proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos de centro que foram atraídos para sua coalizão (MDB, União Brasil, PSD e Republicanos).

Apesar desses problemas conjunturais, os dados indicam que não é de hoje que os presidentes vêm enfrentando obstáculos para garantir a aderência de parlamentares nas votações legislativas. Utilizando o painel de dados abertos da Câmara dos Deputados, que apresenta as orientações dos líderes do governo e dos partidos em votações nominais desde 2003, foi possível calcular a média anual de apoio à vontade do Poder Executivo desde o primeiro mandato de Lula.

Comparando a orientação do líder do governo com o voto individual dos deputados em 4.502 votações no Plenário, percebe-se que a média de apoio ao presidente vem caindo ao longo do tempo, de um máximo de 87,4% em 2003 a apenas 67,5% no primeiro semestre deste ano - índice que só foi superior ao nível de 66,7% de apoio obtido por Dilma em 2015, quando ela já enfrentava as articulações para um processo de impeachment.

Por mandato presidencial, o grau de apoio parlamentar no governo Lula 3 é de 71,8%, inferior a seus antecessores Bolsonaro (76,9%), Temer (82,9%), Dilma 1 e 2 (75,3%), Lula 2 (84,4%) e Lula 1 (84%).

No entanto, não são apenas os presidentes da República que penando para garantir a adesão dos congressistas às suas propostas. Os partidos políticos também estão tendo dificuldades em fazer com que os parlamentares votem conforme a orientação de seus líderes.

Valendo-me da base de dados da Câmara, calculei o grau de disciplina dos deputados à orientação dos líderes dos seus partidos nas mesmas 4.502 votações. Os resultados indicam que há claramente um padrão dividido em três períodos distintos.

Entre 2003 e 2014, a disciplina partidária foi, em média, de 76,7%. Depois de atingir um máximo de 83,4% em 2014, a taxa de apoio ao posicionamento dos líderes foi reduzida para 74,5% no intervalo de 2015 a 2019. Já a partir de 2020, o grau de coesão às orientações da liderança caiu ainda mais, atingindo o mínimo de 72,1% no ano passado - o ponto mais baixo da série histórica. No primeiro semestre deste ano, a disciplina partidária melhorou um pouco, ficando em 73,7%.

Os dados acima revelam que a crise de governabilidade enfrentada por Lula neste mandato não é um dado específico de sua gestão. Essa dificuldade foi compartilhada, ainda que em menor grau, por seus antecessores e é vivenciada já há algum tempo também pelas lideranças dos partidos, seja da base ou da oposição.

A razão mais provável para essa situação se deve à nova realidade política do país, inaugurada com a instituição das emendas impositivas (2015) e potencializada com o fundão eleitoral (2018) e o orçamento secreto (2020).

Com uma quantidade significativa de dinheiro das emendas parlamentares sendo distribuída de modo praticamente equânime entre os congressistas e os integrantes com mandato de cada partido recebendo quinhões equivalentes do seu fundão eleitoral, tanto o presidente da República quanto os líderes partidários perderam um importante instrumento para assegurar que deputados e senadores sigam as suas recomendações de voto.

Ou seja, o Congresso atual pode não ser pior, mas ficou muito mais difícil negociar com ele.

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