Valor
Econômico
Fundão eleitoral e emendas
parlamentares tornaram deputados mais relutantes a ceder seu apoio
Na minha coluna de 7/07/2025 demonstrei que, do ponto de vista
de suas características, o nível do Congresso atual não é pior do que o de
legislaturas anteriores.
Em outras palavras, a profecia de Ulysses Guimarães (“Está
achando ruim este Congresso? Então espera o próximo”) não se verifica quando se
levam em consideração as variáveis comumente utilizadas pela Ciência Política
para avaliar os parlamentares: maturidade, experiência legislativa prévia,
escolaridade, presença feminina e quantidade de proposições apresentadas.
Apesar de a qualidade do Legislativo atual não deixar a desejar em relação à média histórica, o governo Lula vem tendo problemas para implementar a sua agenda.
Prova disso é a sua
imensa dificuldade em aprovar medidas provisórias, que são o principal
instrumento normativo à disposição dos presidentes da República no Brasil.
No atual mandato, Lula teve mais de 80% das MPs derrubadas pelo
Congresso, média quase o dobro superior à de Jair Bolsonaro (42,6%) e muitas
vezes maior do que a das suas passagens anteriores pelo Palácio do Planalto
(9,6% e 16,8%, respectivamente).
Essa baixa taxa de sucesso do governo Lula 3 também se manifesta
no elevado número de vetos presidenciais derrubados, na sustação pelos
deputados e senadores dos efeitos do aumento do IOF (posteriormente revogada
pelo STF) e pela aprovação de leis contrárias ao programa petista, como o
recente enfraquecimento das normas de licenciamento ambiental.
Há quem argumente que esse desempenho reflete as dificuldades de
Lula em montar uma base de sustentação coesa na Câmara e no Senado, cuja origem
se dá no fato de a esquerda não ter conseguido eleger uma bancada expressiva em
2022 (apenas 25% das cadeiras da Câmara e 17% no Senado). Para agravar a
situação, Lula estaria repetindo erros de mandatos petistas anteriores, não
distribuindo o poder proporcionalmente ao tamanho das bancadas dos partidos de
centro que foram atraídos para sua coalizão (MDB, União Brasil, PSD e
Republicanos).
Apesar desses problemas conjunturais, os dados indicam que não é
de hoje que os presidentes vêm enfrentando obstáculos para garantir a aderência
de parlamentares nas votações legislativas. Utilizando o painel de dados
abertos da Câmara dos Deputados, que apresenta as orientações dos líderes do
governo e dos partidos em votações nominais desde 2003, foi possível calcular a
média anual de apoio à vontade do Poder Executivo desde o primeiro mandato de
Lula.
Comparando a orientação do líder do governo com o voto
individual dos deputados em 4.502 votações no Plenário, percebe-se que a média
de apoio ao presidente vem caindo ao longo do tempo, de um máximo de 87,4% em
2003 a apenas 67,5% no primeiro semestre deste ano - índice que só foi superior
ao nível de 66,7% de apoio obtido por Dilma em 2015, quando ela já enfrentava
as articulações para um processo de impeachment.
Por mandato presidencial, o grau de apoio parlamentar no governo Lula 3 é de
71,8%, inferior a seus antecessores Bolsonaro (76,9%), Temer (82,9%), Dilma 1 e
2 (75,3%), Lula 2 (84,4%) e Lula 1 (84%).
No entanto, não são apenas os presidentes da República que
penando para garantir a adesão dos congressistas às suas propostas. Os partidos
políticos também estão tendo dificuldades em fazer com que os parlamentares
votem conforme a orientação de seus líderes.
Valendo-me da base de dados da Câmara, calculei o grau de
disciplina dos deputados à orientação dos líderes dos seus partidos nas mesmas
4.502 votações. Os resultados indicam que há claramente um padrão dividido em
três períodos distintos.
Entre 2003 e 2014, a disciplina partidária foi, em média, de
76,7%. Depois de atingir um máximo de 83,4% em 2014, a taxa de apoio ao
posicionamento dos líderes foi reduzida para 74,5% no intervalo de 2015 a 2019.
Já a partir de 2020, o grau de coesão às orientações da liderança caiu ainda
mais, atingindo o mínimo de 72,1% no ano passado - o ponto mais baixo da série
histórica. No primeiro semestre deste ano, a disciplina partidária melhorou um
pouco, ficando em 73,7%.
Os dados acima revelam que a crise de governabilidade enfrentada
por Lula neste mandato não é um dado específico de sua gestão. Essa dificuldade
foi compartilhada, ainda que em menor grau, por seus antecessores e é
vivenciada já há algum tempo também pelas lideranças dos partidos, seja da base
ou da oposição.
A razão mais provável para essa situação se deve à nova
realidade política do país, inaugurada com a instituição das emendas
impositivas (2015) e potencializada com o fundão eleitoral (2018) e o orçamento
secreto (2020).
Com uma quantidade significativa de dinheiro das emendas
parlamentares sendo distribuída de modo praticamente equânime entre os
congressistas e os integrantes com mandato de cada partido recebendo quinhões
equivalentes do seu fundão eleitoral, tanto o presidente da República quanto os
líderes partidários perderam um importante instrumento para assegurar que
deputados e senadores sigam as suas recomendações de voto.
Ou seja, o Congresso atual pode não ser pior, mas ficou muito mais difícil
negociar com ele.
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