O Estado de S. Paulo
Trump adota nova forma de interferência antidemocrática: erosão com chantagem econômica e diplomática
A maioria dos estudos sobre
democracias no século 21 tem se concentrado nos riscos de sua erosão por meio
de processos mais sofisticados e insidiosos do que os tradicionais golpes
militares do século passado – fenômeno que ficou conhecido como democratic backsliding.
O temor recorrente é que líderes extremistas, uma vez eleitos, passem a concentrar poder e a enfraquecer as instituições encarregadas de impor limites ao Executivo e de proteger os direitos e valores liberais da democracia. Esse processo, que costuma ocorrer de dentro para fora, tem pautado os debates acadêmicos e políticos sobre os perigos contemporâneos à democracia.
Mas há uma nova ameaça
emergente que merece atenção. Trata-se da exportação deliberada de mecanismos
de erosão democrática por parte de democracias consolidadas, como os Estados
Unidos – e, mais especificamente, do projeto de dominação internacional. Em vez
de tanques, o método agora é a chantagem. A isso chamo de blackmail democracy.
Durante a Guerra Fria, os
EUA intervieram diretamente em diversos países com o pretexto de conter o
comunismo, muitas vezes patrocinando ou tolerando golpes de Estado. Hoje, a
ofensiva é mais sutil – mas talvez ainda mais perigosa. Um exemplo emblemático
é a recente decisão do governo Trump de impor sanções unilaterais, por meio da
Lei Magnitsky – originalmente criada para punir ditadores e terroristas –
contra Alexandre de Moraes, ministro do STF.
A sanção imposta não é
apenas uma afronta individual. É uma tentativa deliberada de enfraquecer
instituições democráticas de outro país, pressionando para que o Judiciário
brasileiro recue no enfrentamento ao extremismo bolsonarista. O objetivo
político é claro: deslegitimar a ação institucional contra aliados ideológicos
de Trump e, com isso, minar o sistema de freios e contrapesos brasileiro.
Essa estratégia de chantagem
não se limita ao Brasil. Nota-se que Trump tem articulado uma verdadeira
“internacional golpista”, buscando criar uma rede transnacional de apoio a
líderes autoritários, com vistas a desestabilizar democracias e normalizar práticas
antidemocráticas. Tratase de uma aliança informal entre populistas
autoritários, sustentada por redes que operam tanto dentro quanto fora das
instituições americanas.
A “blackmail democracy”
opera por meio da intimidação, do uso seletivo de sanções e da manipulação de
instrumentos legais como ferramentas de guerra ideológica. O que está em jogo
não é apenas a soberania de países como o Brasil, mas a integridade do próprio
regime democrático internacional. •
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