O Estado de S. Paulo
Presidente americano não tem
incentivos para reduzir tensões com o Brasil enquanto Lula for presidente, pois
tem pouco a perder e muito a ganhar
A redução das tensões
comerciais e políticas entre Estados Unidos e Brasil dependem basicamente da
vontade do presidente americano Donald
Trump — que em questão de dias, com o tarifaço
de 50% (ainda
que cheio de exceções) e as sanções contra o ministro
Alexandre
de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF), colocou as relações entre os dois países no
patamar mais baixo dentre todos aqueles que não são inimigos declarados da
superpotência. Do lado brasileiro, vontade não falta para resolver o impasse.
Lula pode até ser criticado por ter elevado o tom acima do necessário para surfar na onda patriótica despertada pelas ameaças de Trump à soberania brasileira, mas até aqui o governo brasileiro tem se mostrado disposto a negociar com Washington o que é possível de ser negociado. Isso significa deixar claro que não será aceita qualquer ingerência de Trump na política ou nas instituições brasileiras.
Não há, porém, muitos
incentivos para Trump reduzir as tensões com o Brasil. Ele pode até ceder
ao lobby
de setores empresariais americanos que sofrerão demais com a absurda tarifa de
50% sobre alguns produtos que não entraram na lista de isenções anunciada
na semana passada, junto com o decreto confirmando o tarifaço.
Seria uma repetição da
tática TACO
(sigla em inglês que pode ser traduzida para “Trump Sempre Amarela”),
que consiste em elevar demais as exigências e depois voltar atrás. Mas é bom
lembrar que, no fim das contas, mesmo com os recuos, as tarifas sempre
permanecem mais altas do que eram antes. E com o Brasil o problema é mais
embaixo.
Trump vai manter uma relação
conflituosa com o Brasil enquanto Lula for presidente, mesmo que em um momento
ou outro ele dê sinais de distensão ou aproximação. Isso porque o Brasil é o
laboratório perfeito para Trump testar sua capacidade de influenciar na
política interna e externa de outro país por meio de dois instrumentos de
pressão: a tática mercantilista e o assédio a autoridades.
O Brasil é o laboratório
ideal para Trump por dois motivos. Primeiro, porque já existe no País uma
narrativa pronta para justificar seus atos de agressão: um presidente de
esquerda e instituições que supostamente perseguem um líder político alinhado a
Trump. Segundo, porque os possíveis danos para a economia americana de uma
escalada comercial com o Brasil são baixos. Os produtos brasileiros representam
menos de 2% de tudo o que os Estados Unidos importam.
Já os potenciais ganhos,
principalmente políticos, são altos. Primeiro, afastar o Brasil do Brics,
enfraquecendo um grupo de países liderado pela China e que vem atraindo a
adesão de novos membros, alguns inimigos, outros aliados dos Estados Unidos.
Segundo, jogar água no chope do plano do Brics de encontrar uma alternativa ao
dólar no comércio externo.
Terceiro, frear as
iniciativas do Brasil de regular
as grandes empresas de tecnologia digital (muitas das quais são americanas),
de forma a desestimular outros países emergentes a fazer o mesmo. Quarto,
colocar lenha na fogueira da polarização dentro do Brasil, com o intuito de
facilitar o retorno do bolsonarismo ao poder.
Esse objetivo de Trump está
implícito em diversas declarações que ele deu sobre Bolsonaro e sobre a
política brasileira. Além disso, como demonstra a relação que Trump tem com a
Argentina de Javier Milei, o presidente americano está disposto a dar vantagens
a governantes que o bajulam e comem na sua mão. A Argentina ficou com a menor
tarifa de importação imposta por Trump, dentre todas que entram em vigor no dia
7 de agosto (10%). O Brasil ficou com a mais alta (50%).
Daqui até a eleição
presidencial, em outubro do ano que vem, os atritos entre Trump e Lula (direta
ou indiretamente, via sanções a autoridades do Judiciário) vão pautar o debate
político no Brasil, ainda que a questão tarifária seja superada ou esquecida. A
oposição bolsonarista — mesmo aquela ala que diz não concordar com as sanções
comerciais de Trump ao Brasil — vai tentar mostrar que é a mais apta a dialogar
com o presidente americano. E é possível que ele procure endossar essa ideia. O
Brasil tornou-se cobaia das ferramentas trumpistas de manutenção de hegemonia
global — e as eleições de 2026 vão fazer parte da experiência.
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