O Globo
Historiador judeu agitou
Flip ao acusar governo israelense de promover limpeza étnica em Gaza:
"Palestinos moram numa grande prisão"
Ilan Pappe é filho de judeus
alemães que escaparam da perseguição do nazismo. Nasceu em Haifa em 1954, seis
anos após a criação do Estado de Israel. “Tive a infância típica de uma criança
israelense”, contou na sexta-feira, na Festa Literária de Paraty. Ao escolher o
ofício de historiador, ele começou a ter contato com fatos que não eram
ensinados na escola. “Tudo o que encontrava nas minhas pesquisas contradizia o
que havia ouvido dos meus pais e dos professores. Fui exposto a uma história
bem diferente de Israel e da Palestina”, disse.
Depois de uma temporada de estudos no exterior, Pappe voltou a Israel para mostrar o que havia garimpado em livros e arquivos oficiais. Sua visão crítica do sionismo desagradou amigos, parentes e colegas de academia. “Fui ingênuo. Achei que seria recebido de braços abertos”, comentou. “Não me dei conta de que desafiar a narrativa histórica do meu próprio país seria considerado uma traição. Isso foi um choque para mim”, admitiu.
O historiador disse ter
vivido um dilema comum a quem rema contra a maré. Ou se mantinha fiel às suas
convicções ou “cedia à pressão e escrevia o que as pessoas queriam ler”.
“Decidi continuar com a minha verdade, sabendo o preço que precisaria pagar”, contou.
O mais caro foi a demissão da Universidade de Haifa, em 2006. Sem espaço para
trabalhar em Israel, ele aceitou convite para dirigir o centro de estudos
palestinos da Universidade de Exeter, no Reino Unido.
Autor de mais de 20 livros,
Pappe veio ao Brasil lançar os dois mais recentes: “Brevíssima história do
conflito Israel-Palestina” e “A maior prisão do mundo”, cujo título resume sua
visão da atualidade em Gaza. “Os palestinos moram numa grande prisão desde
1967. Israel controla tudo em suas vidas. Eles vivem como detentos”, disse na
Flip.
“Israel lançou mais bombas
sobre a Faixa de Gaza desde 2007 do que os aliados lançaram sobre a Alemanha na
Segunda Guerra”, prosseguiu. Ele comparou a situação atual do território à de
um campo de extermínio. “É o genocídio mais televisionado da História”,
sentenciou.
Na visão de Pappe, os
palestinos são alvo de um processo de limpeza étnica, com a cumplicidade das
potências que dão armas e apoio político ao governo de Israel. Ele disse que a
promessa de França e Reino Unido de reconhecerem a Palestina como Estado é um
“pequeno passo”. Mas defendeu que só sanções econômicas, como as aplicadas à
Àfrica do Sul na época do apartheid, seriam capazes de frear o massacre em
Gaza. “Se o Ocidente fizesse 50% do que está fazendo com a Rússia (após a
invasão da Ucrânia), criaria um grande problema para Israel”, disse.
Ao apresentar a mesa, a
curadora Ana Lima Cecilio disse que o convite a Pappe foi a “decisão mais
importante” da 23ª edição da Flip. “Houve pressão para impedir que eu falasse a
vocês”, agradeceu o historiador, sob aplausos e gritos de apoio. Ele afirmou
que suas críticas não demonizam Israel nem os israelenses. “Eu falo em
hebraico, sonho em hebraico”, comentou, antes de lembrar que mais da metade da
população de Gaza tem menos de 20 anos de idade. “Esses jovens só conheceram
uma realidade: viver sob cerco, bombardeio e destruição permanente.”
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