O Globo
Tarifaço desalinha os
países, desmonta associações. Não há grupo de nações negociando coletivamente
O tarifaço de Trump não
apenas desarruma o comércio mundial — como se isso fosse pouco. Há um outro
efeito, geopolítico: desalinha os países, desmonta associações. Não há grupo de
nações negociando coletivamente com o governo americano. Trump deixa cada um
por si.
Pois a China, a maior
economia do Brics,
negocia diretamente com os Estados
Unidos. Não consta que defenda os interesses de seus pares. Ao
contrário, age como potência emergente.
O Brics é um grupo que
estabeleceu como objetivo o estreitamento das relações políticas e econômicas,
formando o Sul Global, para falar alto no cenário mundial, especialmente com o
Ocidente.
A Índia, a segunda economia do grupo, também se virou por conta própria. Ao contrário de Lula, o primeiro-ministro Narendra Modi foi a Washington, apertou as mãos de Trump.
Conseguiu pouco. Na primeira
lista de Trump, a Índia aparecia com uma tarifa de 26% para colocar seus
produtos nos Estados Unidos. Na última lista, 25% — circunstância que gerou
críticas a Modi. Tanta conversa por tão pouco?
Já o presidente da Indonésia,
Prabowo Subianto, integrante recente do Brics, conseguiu mais. Conversou
pessoalmente com Trump e reduziu o seu tarifaço de 32% para 19%. Rússia e Irã,
outros dois integrantes do Brics, estão sob sanções impostas pelo
Ocidente. Egito, Arábia
Saudita e Emirados
Árabes Unidos são aliados estratégicos dos Estados Unidos no
Oriente Médio, mas também aderiram recentemente ao Brics. Valeu mais a aliança
com Washington. Os três países ficaram com a tarifa mínima de 10%.
Já o Brasil ficou com a
maior tarifa, os 50% — excetuada uma lista de produtos especialmente
importantes para a economia americana.
Lula é a voz mais insistente
do Brics. É ele que mais fala em substituir o dólar como
moeda global. Já o primeiro-ministro da Índia, questionado sobre o tema, disse
que não tem o menor interesse nisso. A China tem, mas quer negociar com sua
própria moeda.
De todo modo, ninguém, nem o
Brasil, colocou o tema nas negociações mais ou menos diretas com os Estados
Unidos. Nenhum dos membros tentou uma negociação coletiva e abrangente.
Foi cada um por si, situação
que Trump impõe com seu modo autoritário sem limites e sem escrúpulos, baseado
no imenso poderio econômico, militar e político. Vale para todos, amigos ou
não, todos colocados na posição de aceitar as “ofertas” americanas ou pegar o
pior.
Só a China parece ter
condições de falar quase de igual para igual. Mesmo a União Europeia, a segunda
economia mundial quando somados os PIBs de todos os seus integrantes, foi
obrigada a aceitar as condições de Trump.
E como ficará o mundo quando
o tarifaço estiver totalmente implantado? Pior para todos. Levará a uma redução
do comércio global, cuja expansão em décadas recentes foi base do crescimento
da maior parte dos países.
Será ruim para os Estados
Unidos, que, aliás, já começam a perceber os efeitos de mais inflação e menos
crescimento. Os últimos dados de geração de empregos mostram uma queda
acentuada, como se as empresas já estivessem se preparando para um ritmo menor dos
negócios.
O que os países deixam de
exportar faz falta para os dois lados. O exportador perde mercados e, pois,
produção e empregos. As empresas e os consumidores americanos ficam sem os
produtos ou têm de pagar muito mais caro — tudo levando a uma queda da atividade
nos exportadores e no importador.
Pode ocorrer uma
reorganização global do comércio?
Será uma tarefa necessária,
porém difícil. Nenhum país pode substituir o tamanho do mercado americano. A
China é grande importadora, mas principalmente de commodities, alimentos e alta
tecnologia.
Os países emergentes têm
comércios parecidos — exportam mais commodities e importam mais produtos
industrializados e tecnologia. Fica difícil, se não impossível, encontrar
complementaridade entre eles. Mesmo porque todos os que deixam de vender para
os Estados Unidos buscarão outros mercados. A competição será dura.
Mas não há outra opção. Para
o Brasil, a atitude mais sábia seria fazer o contrário do que fazem os Estados
Unidos. Abrir a economia, buscar uma industrialização competitiva globalmente.
O problema é que ideologias não costumam ser sábias.
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