segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Cada um por si no confronto com Trump - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

Tarifaço desalinha os países, desmonta associações. Não há grupo de nações negociando coletivamente

O tarifaço de Trump não apenas desarruma o comércio mundial — como se isso fosse pouco. Há um outro efeito, geopolítico: desalinha os países, desmonta associações. Não há grupo de nações negociando coletivamente com o governo americano. Trump deixa cada um por si.

Pois a China, a maior economia do Brics, negocia diretamente com os Estados Unidos. Não consta que defenda os interesses de seus pares. Ao contrário, age como potência emergente.

O Brics é um grupo que estabeleceu como objetivo o estreitamento das relações políticas e econômicas, formando o Sul Global, para falar alto no cenário mundial, especialmente com o Ocidente.

A Índia, a segunda economia do grupo, também se virou por conta própria. Ao contrário de Lula, o primeiro-ministro Narendra Modi foi a Washington, apertou as mãos de Trump.

Conseguiu pouco. Na primeira lista de Trump, a Índia aparecia com uma tarifa de 26% para colocar seus produtos nos Estados Unidos. Na última lista, 25% — circunstância que gerou críticas a Modi. Tanta conversa por tão pouco?

Já o presidente da Indonésia, Prabowo Subianto, integrante recente do Brics, conseguiu mais. Conversou pessoalmente com Trump e reduziu o seu tarifaço de 32% para 19%. Rússia e Irã, outros dois integrantes do Brics, estão sob sanções impostas pelo Ocidente. EgitoArábia Saudita e Emirados Árabes Unidos são aliados estratégicos dos Estados Unidos no Oriente Médio, mas também aderiram recentemente ao Brics. Valeu mais a aliança com Washington. Os três países ficaram com a tarifa mínima de 10%.

Já o Brasil ficou com a maior tarifa, os 50% — excetuada uma lista de produtos especialmente importantes para a economia americana.

Lula é a voz mais insistente do Brics. É ele que mais fala em substituir o dólar como moeda global. Já o primeiro-ministro da Índia, questionado sobre o tema, disse que não tem o menor interesse nisso. A China tem, mas quer negociar com sua própria moeda.

De todo modo, ninguém, nem o Brasil, colocou o tema nas negociações mais ou menos diretas com os Estados Unidos. Nenhum dos membros tentou uma negociação coletiva e abrangente.

Foi cada um por si, situação que Trump impõe com seu modo autoritário sem limites e sem escrúpulos, baseado no imenso poderio econômico, militar e político. Vale para todos, amigos ou não, todos colocados na posição de aceitar as “ofertas” americanas ou pegar o pior.

Só a China parece ter condições de falar quase de igual para igual. Mesmo a União Europeia, a segunda economia mundial quando somados os PIBs de todos os seus integrantes, foi obrigada a aceitar as condições de Trump.

E como ficará o mundo quando o tarifaço estiver totalmente implantado? Pior para todos. Levará a uma redução do comércio global, cuja expansão em décadas recentes foi base do crescimento da maior parte dos países.

Será ruim para os Estados Unidos, que, aliás, já começam a perceber os efeitos de mais inflação e menos crescimento. Os últimos dados de geração de empregos mostram uma queda acentuada, como se as empresas já estivessem se preparando para um ritmo menor dos negócios.

O que os países deixam de exportar faz falta para os dois lados. O exportador perde mercados e, pois, produção e empregos. As empresas e os consumidores americanos ficam sem os produtos ou têm de pagar muito mais caro — tudo levando a uma queda da atividade nos exportadores e no importador.

Pode ocorrer uma reorganização global do comércio?

Será uma tarefa necessária, porém difícil. Nenhum país pode substituir o tamanho do mercado americano. A China é grande importadora, mas principalmente de commodities, alimentos e alta tecnologia.

Os países emergentes têm comércios parecidos — exportam mais commodities e importam mais produtos industrializados e tecnologia. Fica difícil, se não impossível, encontrar complementaridade entre eles. Mesmo porque todos os que deixam de vender para os Estados Unidos buscarão outros mercados. A competição será dura.

Mas não há outra opção. Para o Brasil, a atitude mais sábia seria fazer o contrário do que fazem os Estados Unidos. Abrir a economia, buscar uma industrialização competitiva globalmente. O problema é que ideologias não costumam ser sábias.

 

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