segunda-feira, 4 de agosto de 2025

Trump e Milei: O inesperado sucesso da nova direita radical - Marcus André Melo

Folha de S. Paulo

O americano, mesmo enfrentando resistência, implementa partes relevantes de sua agenda, e o argentino caminha na mesma trilha

A ascensão de lideranças da direita radical tem gerado um paradoxo que desafia explicações tradicionais. Uma de suas características é a propensão a erros por serem outsiders, incapazes de construir coalizões, e pelo amadorismo de suas assessorias e projetos estapafúrdios. Trump, no entanto, mesmo enfrentando resistência, conseguiu implementar partes relevantes de sua agenda. Milei caminha na mesma trilha, embora enfrente obstáculos ainda mais profundos: detém apenas 15% da Câmara dos Deputados.

Trump promoveu desregulação, caça aos imigrantes, reformas fiscais, guerra com as universidades e cortes radicais no orçamento. Na guerra das tarifas, os resultados alcançados até agora seguem –inclusive para o Brasil– um script claro: blefes e ameaças estapafúrdias seguidas de reestruturação radical vantajosa.

Contudo ele ganha perdendo: o sucesso na implementação da agenda tem sido acompanhado de fiasco político. Sua popularidade declinou, e a base de apoio se mostrou volátil. Parte de sua sustentação veio de efeitos conjunturais: após o colapso de mercado em fevereiro, o índice S&P registrou muito mais que recuperação, estimulando uma percepção de aumento de bem-estar econômico. No entanto esse movimento se deu, em parte, pela antecipação de estoques por empresas temendo as tarifas impostas, efeito de fôlego curto.

O apoio ao partido republicano caiu cinco pontos percentuais (de 48% para 43%) na primeira estimativa do agregador Strength in Numbers. Os democratas aparecem com a perspectiva de fazer a maioria (222 cadeiras) na Câmara dos Deputados (mesmo descontando possível manipulação dos distritos eleitorais no Texas), e com chances similares de levar o Senado. Tudo isso a despeito da declinante identificação com os democratas que está em baixa histórica (negativa para 63% do eleitorado). A brecha voto x aprovação nunca foi tão alta, segundo G Elliott Morris. Mais importante: os efeitos das tarifas sobre a atividade econômica e a inflação aparecerão no médio prazo.

Milei apresenta um caso ainda mais instigante. Hiperminoritário e com enfrentamentos constantes com os governadores, tem, paradoxalmente, conseguido avançar em sua agenda de ruptura histórica com o passado. Esse sucesso inicial se deve ao colapso virtual do país, viabilizando um outsider. Ele se apoia em mecanismo institucional peculiar: Lei Ônibus delegada que equivale a carte blanche por 12 meses (ao contrário de batalhas por PECs e PLs sucessivos, como no Brasil).

Aprovada como "última cartada para evitar colapso do país", ela garantiu trégua. Ele enfrenta, no entanto, eleições de meio de mandato em outubro, o que suscitou mais que estremecimento –guerra aberta– das relações como governadores provinciais e ex-apoiadores, inconformados com a suspensão de transferências federais em ano eleitoral.

Apesar disso, as pesquisas apontam que 40% do eleitorado considera votar em candidatos alinhados a Milei, contra 27% da oposição. Isso pode indicar uma oportunidade de crescimento legislativo nas eleições seguintes, ainda que não garanta maioria.

Assim, cada família da direita radical enfrenta infortúnios tolstoianos a sua própria maneira, mas a de Milei tem tido menos atribulações.

 

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