Folha de S. Paulo
O americano, mesmo
enfrentando resistência, implementa partes relevantes de sua agenda, e o
argentino caminha na mesma trilha
A ascensão de lideranças da
direita radical tem gerado um paradoxo que desafia explicações tradicionais.
Uma de suas características é a propensão a erros por serem outsiders,
incapazes de construir coalizões, e pelo amadorismo de suas assessorias e projetos
estapafúrdios. Trump,
no entanto, mesmo enfrentando resistência, conseguiu implementar partes
relevantes de sua agenda. Milei caminha
na mesma trilha, embora enfrente obstáculos ainda mais profundos: detém apenas
15% da Câmara dos Deputados.
Trump promoveu desregulação, caça aos imigrantes, reformas fiscais, guerra com as universidades e cortes radicais no orçamento. Na guerra das tarifas, os resultados alcançados até agora seguem –inclusive para o Brasil– um script claro: blefes e ameaças estapafúrdias seguidas de reestruturação radical vantajosa.
Contudo ele ganha perdendo:
o sucesso na implementação da agenda tem sido acompanhado de fiasco político.
Sua popularidade declinou, e a base de apoio se mostrou volátil. Parte de sua
sustentação veio de efeitos conjunturais: após o colapso de mercado em
fevereiro, o índice S&P registrou muito mais que recuperação,
estimulando uma percepção de aumento de bem-estar econômico. No entanto esse
movimento se deu, em parte, pela antecipação de estoques por empresas temendo
as tarifas impostas, efeito de fôlego curto.
O apoio ao partido
republicano caiu cinco pontos percentuais (de 48% para 43%) na primeira
estimativa do agregador Strength in Numbers. Os democratas aparecem com a
perspectiva de fazer a maioria (222 cadeiras) na Câmara dos Deputados (mesmo
descontando possível manipulação dos distritos eleitorais no Texas), e com chances similares de levar o Senado. Tudo
isso a despeito da declinante identificação com os democratas que está em baixa
histórica (negativa para 63% do eleitorado). A brecha voto x aprovação nunca
foi tão alta, segundo G Elliott Morris. Mais importante: os efeitos das tarifas
sobre a atividade econômica e a inflação aparecerão no médio prazo.
Milei apresenta um caso
ainda mais instigante. Hiperminoritário e com enfrentamentos constantes com os
governadores, tem, paradoxalmente, conseguido avançar em sua agenda de ruptura histórica com o passado.
Esse sucesso inicial se deve ao colapso virtual do país,
viabilizando um outsider. Ele se apoia em mecanismo institucional peculiar: Lei Ônibus delegada que equivale a carte blanche
por 12 meses (ao contrário de batalhas por PECs e PLs sucessivos, como no
Brasil).
Aprovada como "última
cartada para evitar colapso do país", ela garantiu trégua. Ele enfrenta,
no entanto, eleições de meio de mandato em outubro, o que
suscitou mais que estremecimento –guerra aberta– das relações como governadores
provinciais e ex-apoiadores, inconformados com a suspensão de transferências
federais em ano eleitoral.
Apesar disso, as pesquisas
apontam que 40% do eleitorado considera votar em candidatos alinhados a Milei,
contra 27% da oposição. Isso pode indicar uma oportunidade de crescimento
legislativo nas eleições seguintes, ainda que não garanta maioria.
Assim, cada família da
direita radical enfrenta infortúnios tolstoianos a sua própria maneira, mas a
de Milei tem tido menos atribulações.
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