Folha de S. Paulo
Para salvar Bolsonaro, o bolsonarismo se
tornou apoiador incondicional da agenda de defesa da impunidade
Bancada bolsonarista parte para o
tudo-ou-nada em defesa de seu líder máximo em um delírio suicida
Bolsonaro se elegeu em 2018 num tsunami
conservador e antissistema. Dentre outras bandeiras, trazia o amor à pátria
contra a ordem globalista que violava a soberania nacional e a rejeição à velha
política brasileira, vista como corrupta. Brasil acima de tudo e Sergio Moro ministro
da Justiça. Parece que foi um milênio atrás.
Em sua cruzada anti-institucional, Bolsonaro tentou minar a Justiça eleitoral.
Atacou a democracia brasileira, mas foi vencido. Judiciário, Congresso, Forças
Armadas, imprensa; todos tiveram seu papel em limitá-lo. Foi derrotado nas
urnas que tanto tentou deslegitimar e depois investigado, julgado e condenado
pela trama para negar esse resultado.
A partir daí, o bolsonarismo ficou com uma
pauta única: impedir o julgamento e a condenação de seu líder. Nada pode estar
acima disso. Nem mesmo o Brasil.
A partir do momento que a estratégia para livrar Bolsonaro da Justiça passou a
ser provocar sanções americanas, qualquer verniz de defesa da soberania
nacional foi abandonado. Não é à toa que, a partir desse momento, a bandeira
americana tenha substituído a bandeira do Brasil na iconografia bolsonarista.
Ocorre que tarifas, sanções Magnitsky e suspensão de vistos se mostraram
incapazes de dobrar nosso Judiciário e Legislativo. Nem o Supremo abriu mão de
julgar Bolsonaro, nem o Congresso abraçou a anistia ampla, geral e irrestrita.
Seria necessário compor com o centrão para levar a pauta adiante.
Aliar-se ao centrão não é novidade para Bolsonaro. Foi o que ele teve que fazer
a partir de 2020 para garantir a sobrevivência de seu governo, no arranjo que
deu origem ao chamado orçamento secreto. Desta vez, a aliança consistiu numa
troca: o centrão apoia a anistia, o bolsonarismo apoia a PEC da
Blindagem. E assim se enterrou qualquer ilusão de combate à corrupção, de
nova política ou o que o valha. Longe, muito longe estão os dias de Sergio Moro
ministro. Para salvar Bolsonaro, o bolsonarismo se tornou apoiador
incondicional da agenda de defesa da impunidade.
Deputados bolsonaristas encamparam a pauta e
fizeram inclusive sua defesa pública. No discurso bolsonarista, a PEC era
necessária para impedir a chantagem do Supremo contra deputados e senadores que
ousam contrariá-lo. Faltou dizer que, se esse era realmente o objetivo, bastava
defender o fim do foro privilegiado, que tiraria os parlamentares das mãos do
Supremo, mas não os blindaria contra processos criminais. Claro que a
justificativa era falsa. Era apenas uma tentativa discursiva de emprestar aos
interesses do centrão o manto da luta antissistema de enfrentamento ao Supremo.
Não funcionou. A opinião pública tratou de enterrar a PEC da Blindagem. Com
ela, o PL da
anistia —ou, ainda, da ideia mais modesta de reduzir penas— também se
enfraqueceu. Não que isso importe para a bancada bolsonarista, que sonha com
Bolsonaro livre e reeleito numa virada de mesa sob a égide de Trump. Neste
delírio suicida enquanto parte para o tudo-ou-nada em defesa de seu líder
máximo, o movimento que ele capitaneou sacrifica um a um todos os valores que o
alçaram ao protagonismo da política nacional. Não seria hora de superá-lo?
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