Valor Econômico
A vantagem em 2026 será de quem conseguir
surfar o desalento com mais habilidade
Desde quando o então presidente Jair
Bolsonaro falava com seus apoiadores em frente do Palácio do Alvorada, entrou
para o dicionário político a expressão “falar para o cercadinho”. O termo se
aplica à situação em que uma liderança política fala somente para seus
apoiadores fiéis, sem preocupação em atingir um público mais amplo, mais
moderado ou de centro.
No governo Bolsonaro, os temas do cercadinho incluíam principalmente ataques à mídia e ao Judiciário e as pautas de costume, em falas dirigidas exclusivamente à sua base leal. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva supostamente estabeleceu seu próprio “cercadinho” retórico: durante a campanha presidencial de 2022 e logo após eleito, focou seu discurso em aumentar gastos, levando a uma desvalorização do câmbio. Suas críticas aos ricos e empresários, usadas para justificar o gasto, foram vistas como um abandono do “centro”. Esse mesmo diagnóstico foi feito por comentaristas em maio deste ano, quando o governo justificou a taxação dos ricos como meio de beneficiar trabalhadores e a população de baixa renda.
O governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, também foi acusado recentemente de focar em sua própria bolha.
Editoriais de vários jornais criticaram seu “erro” de gastar capital político
para aprovar um projeto amplo de anistia e criticar duramente o Supremo
Tribunal Federal na Avenida Paulista no dia 7 de setembro. Ao falar só para o
“cercadinho” da direita, vários analistas argumentaram que ele teria queimado
pontes com um suposto centro político mais moderado.
Estariam Bolsonaro, Lula e Tarcísio se
equivocando ao abandonar o centro mais moderado? Provavelmente não. A hipótese
mais crível é que essas lideranças estejam reagindo a um eleitor mediano que dá
fortes sinais de desalento e revolta. Quem hoje está no “cercadinho” — e se
tornou minoria — é o centro mais moderado.
Há bastante evidência para essa afirmação. A
Ipsos Public Affairs publica anualmente uma pesquisa de opinião pública que
mensura os graus de populismo e a percepção de que o “sistema está quebrado”,
incluindo 31 países. O Brasil ocupa o quinto lugar entre os com maior sinal de
desalento: 69% acreditam que a sociedade está quebrada; 62%, que o país está em
declínio; 58% dizem que é preciso um líder disposto a quebrar as regras se for
necessário; e 71% acreditam que é necessário um líder forte para retomar o país
das mãos dos ricos e poderosos.
Cada vez mais, tanto aqui quanto globalmente,
lideranças têm êxito nas urnas ao se projetarem como pessoas que lutam contra o
sistema. Elas mantêm apoio popular ao nutrir essa imagem. Erram os analistas
que caracterizam o bolsonarismo como um movimento antipetista. Bolsonaro
encontrou eco entre eleitores que acreditam que a sociedade está quebrada, e
que é preciso um governo que lute contra a mídia e o Judiciário e que imponha
ordem. Ao mesmo tempo, Lula fez campanha em 2022 bradando contra os ricos e
poderosos porque os eleitores mostraram essa revolta. É de se esperar,
portanto, que a justiça tributária seja um tema dominante na campanha petista
em 2026.
Olhando esse ambiente de opinião pública, a
estratégia de Tarcísio é totalmente racional. É claro que críticas mais
ferrenhas à Justiça têm como objetivo obter o apoio do ex-presidente para uma
candidatura presidencial no próximo ano. Mas olhando dados de opinião pública,
ele dificilmente pagará um preço político pelo seu posicionamento.
Em média, 42% dos eleitores acreditam que a
condenação e a sentença do ex-presidente foram injustas, enquanto 52% veem a
condenação como sendo justa. Criticar os tribunais e defender a anistia é
importante para a base de apoio da direita. E, mesmo que uma maioria modesta
defenda a decisão do Supremo, esse dificilmente será um tema relevante para a
fatia de 10% da população que será decisiva em 2026.
Mas tudo isso não significa que a eleição de
2026 estará presa entre lulismo e bolsonarismo. O desalento entre o eleitorado
começa a afetar também as principais forças políticas do país. Tanto Lula
quanto Bolsonaro pode ser vítimas desse desalento mais profundo.
Uma pesquisa da Quaest, por exemplo, mostra
que 61% dos brasileiros acham que Lula “perdeu sua conexão” com o povo e 50%
consideram o governo pior do que o esperado. Ao mesmo tempo, 76% acreditam que
Bolsonaro não deveria disputar o cargo no ano que vem, e 54% concordam que ele
participou do plano de tentativa de golpe. E as manifestações pelo Brasil no
último fim de semana contra a PEC da Blindagem mostram que a revolta contra a
classe política permanece viva e não restrita a um lado do espectro político.
Assim, há espaço para uma liderança nova no
pleito de 2026, particularmente se Bolsonaro não optar por apoiar o governador
de São Paulo.
De todo modo, qualquer candidato terá que
surfar esse desalento e essa revolta contra o sistema. Seja contra os ricos,
poderosos e corruptos, ou contra o Judiciário e a mídia tradicional. Esse é o
“novo normal” de eleições no Brasil e em vários países e o requisito para
governar. O raciocínio de lideranças políticas já não segue a linha de ir a um
suposto centro moderado. A vantagem em 2026 será de quem conseguir surfar esse
desalento com mais habilidade.
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