terça-feira, 23 de setembro de 2025

Por que países do Ocidente precisam de guerra. Por Pedro Cafardo

Valor Econômico

Enquanto o presidente americano distribui suas tarifas, o Brics se organiza para reduzir ou eliminar os danos causados por Trump

A geopolítica está na moda. O termo foi criado no início do século XX pelo sociólogo sueco Rudolf Kiellén, que o definiu como a ciência que estuda os vínculos entre aspectos geográficos e os acontecimentos políticos dos Estados.

Obviamente, a discussão geopolítica decorre das medidas protecionistas e nacionalistas altamente agressivas da administração Donald Trump nos Estados Unidos. Nesse contexto, quando se realiza a 80ª Assembleia Geral da ONU, é oportuno resumir opiniões de dois grandes economistas americanos - Michael Hudson e Richard Wolff - expostas em live recente, depois da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), na China.

Ambos concordam que a mídia ocidental, nos EUA e na Europa, não fez a avaliação correta nem deu a devida importância aos eventos de Tianjin e Pequim, que reuniram os presidentes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Índia, Norendra Modi, além de outros líderes de países da Eurásia e do Sul Global.

Em geral, a mídia passou a informação de que o foco dos dois eventos seria uma confrontação com o Ocidente, principalmente em função do desfile militar chinês para comemorar os 80 anos do fim da II Guerra Mundial. Mas, segundo os dois professores, o objetivo real foi discutir como países da Eurásia, do Brics e do Sul Global podem seguir um caminho independente, com o mínimo de contato e exposição em relação ao Ocidente.

A conclusão pode parecer geopoliticamente ingênua, mas os economistas têm argumentos. “Eles [o bloco liderado pela China] não estão tentando atacar o Ocidente. Estão tentando se isolar e se libertar do modelo econômico ocidental do Thatcherismo, da financeirização e do neoliberalismo que levou o Ocidente à desindustrialização”, disse Hudson. E Wolff observou que “eles não querem” uma confrontação militar com o Ocidente porque “não precisam”. Enquanto o Ocidente “quer porque precisa” e essa é uma situação muito perigosa, uma vez que os EUA mantêm mais de 700 bases militares pelo mundo.

E por que o grupo da OCX, o Brics e o próprio Sul Global não precisam de confronto militar? Os professores explicam:

1. Os membros do Brics estariam em posição muito confortável. Alcançaram os EUA em 2020 e agora os estão deixando para trás. Juntos, têm mais da metade da população do planeta, um colossal poder de consumo, enquanto o G7 reúne uns 10%. As economias crescem muito mais rapidamente do que as do Ocidente (China, 5%, Índia, 7%). Enquanto isso, EUA avançam 2%, a Alemanha está em recessão, e o Reino Unido, “por um fio”.

2. A desindustrialização, em consequência da financeirização, estaria em curso em todo o Ocidente. E o suprimento de energia é fundamental para a reindustrialização. Aí entra a importância do gasoduto Força da Sibéria 2. O gás que era enviado da Rússia para a Europa pelo gasoduto Nord Stream, cerca de 50 bilhões de metros cúbicos por ano, agora será desviado e deverá dar grande impulso industrial à Mongólia e à China. Isso significa que a Europa ficará dependente das exportações de gás natural liquefeito dos EUA, com preços muito mais altos. Além disso, haverá o declínio dos suprimentos do mar do Norte, vindos da Noruega.

3. Os EUA perderam a Índia, como afirmou o próprio Trump. O país asiático estava tentando manter um pé na economia dos EUA e outro na do Brics, representando os interesses neoliberais dos Estados dentro do grupo, mas as tarifas de 50% impostas por Trump mudaram tudo.

4. Enquanto o presidente americano distribui suas tarifas, o Brics se organiza para reduzir ou eliminar os danos causados por Trump. O mesmo fazem todas as empresas envolvidas no comércio internacional, incluindo as americanas com fábricas dentro e fora do país. E estão fazendo o que a China fez ao criar uma economia mista, que Wolf chama de “economia de mercado socializada”, também reconhecida como a dinâmica original do capitalismo industrial: racionalizar a produção e minimizar custos desnecessários impostos por classes extratoras de renda, como proprietários de terras, monopolistas e bancos que não desempenhavam papel produtivo no financiamento da indústria. Essa lógica do capitalismo industrial do século XIX não é mais seguida por EUA e Europa.

Ao constatar a sua desindustrialização, os EUA e a Europa, observa Wolff, entendem que podem controlar outros países pela força militar. Isso explica as agressões à Venezuela e as ameaças à Groenlândia, por exemplo. A primeira teve três barcos atacados pelos EUA no Caribe, e em um deles, segundo Trump, 11 pessoas foram sumariamente executadas porque seriam traficantes de drogas. Na verdade, o interesse americano é pelo petróleo venezuelano, as maiores reservas do mundo. A segunda tem matérias-primas que os americanos desejam e posição estratégica favorável para controlar grande parte do comércio marítimo na região do Ártico.

O conflito com a Venezuela pode parecer coisa pouco importante, mas não é, diz Hudson. Toda a América Latina sabe agora que há risco ao enviar um barco com qualquer coisa e para qualquer lugar no mar do Caribe. Ele pode ser destruído sem que represente nenhuma ameaça a nenhum americano em lugar nenhum.

Preocupante é que isso pode envolver o Brasil. Há duas semanas (9/9), ao ser questionada sobre a possibilidade de Trump impor mais medidas retaliatórias ao Brasil por causa da condenação de Jair Bolsonaro, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, respondeu: Trump não tem medo de usar meios econômicos ou militares para proteger a liberdade de expressão ao redor do mundo. A novidade e o espanto da declaração, no caso do Brasil, foi a ameaça com o uso da palavra “militares” pela maior potência nuclear do mundo.

 

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