Valor Econômico
Enquanto o presidente americano distribui suas tarifas, o Brics se organiza para reduzir ou eliminar os danos causados por Trump
A geopolítica está na moda. O termo foi
criado no início do século XX pelo sociólogo sueco Rudolf Kiellén, que o
definiu como a ciência que estuda os vínculos entre aspectos geográficos e os
acontecimentos políticos dos Estados.
Obviamente, a discussão geopolítica decorre das medidas protecionistas e nacionalistas altamente agressivas da administração Donald Trump nos Estados Unidos. Nesse contexto, quando se realiza a 80ª Assembleia Geral da ONU, é oportuno resumir opiniões de dois grandes economistas americanos - Michael Hudson e Richard Wolff - expostas em live recente, depois da cúpula da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), na China.
Ambos concordam que a mídia ocidental, nos
EUA e na Europa, não fez a avaliação correta nem deu a devida importância aos
eventos de Tianjin e Pequim, que reuniram os presidentes da China, Xi Jinping,
e da Rússia, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro da Índia, Norendra Modi,
além de outros líderes de países da Eurásia e do Sul Global.
Em geral, a mídia passou a informação de que
o foco dos dois eventos seria uma confrontação com o Ocidente, principalmente
em função do desfile militar chinês para comemorar os 80 anos do fim da II
Guerra Mundial. Mas, segundo os dois professores, o objetivo real foi discutir
como países da Eurásia, do Brics e do Sul Global podem seguir um caminho
independente, com o mínimo de contato e exposição em relação ao Ocidente.
A conclusão pode parecer geopoliticamente
ingênua, mas os economistas têm argumentos. “Eles [o bloco liderado pela China]
não estão tentando atacar o Ocidente. Estão tentando se isolar e se libertar do
modelo econômico ocidental do Thatcherismo, da financeirização e do
neoliberalismo que levou o Ocidente à desindustrialização”, disse Hudson. E
Wolff observou que “eles não querem” uma confrontação militar com o Ocidente
porque “não precisam”. Enquanto o Ocidente “quer porque precisa” e essa é uma
situação muito perigosa, uma vez que os EUA mantêm mais de 700 bases militares
pelo mundo.
E por que o grupo da OCX, o Brics e o próprio
Sul Global não precisam de confronto militar? Os professores explicam:
1. Os membros do Brics estariam em posição
muito confortável. Alcançaram os EUA em 2020 e agora os estão deixando para
trás. Juntos, têm mais da metade da população do planeta, um colossal poder de
consumo, enquanto o G7 reúne uns 10%. As economias crescem muito mais
rapidamente do que as do Ocidente (China, 5%, Índia, 7%). Enquanto isso, EUA
avançam 2%, a Alemanha está em recessão, e o Reino Unido, “por um fio”.
2. A desindustrialização, em consequência da
financeirização, estaria em curso em todo o Ocidente. E o suprimento de energia
é fundamental para a reindustrialização. Aí entra a importância do gasoduto
Força da Sibéria 2. O gás que era enviado da Rússia para a Europa pelo gasoduto
Nord Stream, cerca de 50 bilhões de metros cúbicos por ano, agora será desviado
e deverá dar grande impulso industrial à Mongólia e à China. Isso significa que
a Europa ficará dependente das exportações de gás natural liquefeito dos EUA,
com preços muito mais altos. Além disso, haverá o declínio dos suprimentos do
mar do Norte, vindos da Noruega.
3. Os EUA perderam a Índia, como afirmou o
próprio Trump. O país asiático estava tentando manter um pé na economia dos EUA
e outro na do Brics, representando os interesses neoliberais dos Estados dentro
do grupo, mas as tarifas de 50% impostas por Trump mudaram tudo.
4. Enquanto o presidente americano distribui
suas tarifas, o Brics se organiza para reduzir ou eliminar os danos causados
por Trump. O mesmo fazem todas as empresas envolvidas no comércio
internacional, incluindo as americanas com fábricas dentro e fora do país. E
estão fazendo o que a China fez ao criar uma economia mista, que Wolf chama de
“economia de mercado socializada”, também reconhecida como a dinâmica original
do capitalismo industrial: racionalizar a produção e minimizar custos
desnecessários impostos por classes extratoras de renda, como proprietários de
terras, monopolistas e bancos que não desempenhavam papel produtivo no
financiamento da indústria. Essa lógica do capitalismo industrial do século XIX
não é mais seguida por EUA e Europa.
Ao constatar a sua desindustrialização, os
EUA e a Europa, observa Wolff, entendem que podem controlar outros países pela
força militar. Isso explica as agressões à Venezuela e as ameaças à
Groenlândia, por exemplo. A primeira teve três barcos atacados pelos EUA no
Caribe, e em um deles, segundo Trump, 11 pessoas foram sumariamente executadas
porque seriam traficantes de drogas. Na verdade, o interesse americano é pelo
petróleo venezuelano, as maiores reservas do mundo. A segunda tem matérias-primas
que os americanos desejam e posição estratégica favorável para controlar grande
parte do comércio marítimo na região do Ártico.
O conflito com a Venezuela pode parecer coisa
pouco importante, mas não é, diz Hudson. Toda a América Latina sabe agora que
há risco ao enviar um barco com qualquer coisa e para qualquer lugar no mar do
Caribe. Ele pode ser destruído sem que represente nenhuma ameaça a nenhum
americano em lugar nenhum.
Preocupante é que isso pode envolver o
Brasil. Há duas semanas (9/9), ao ser questionada sobre a possibilidade de
Trump impor mais medidas retaliatórias ao Brasil por causa da condenação de
Jair Bolsonaro, a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, respondeu: Trump
não tem medo de usar meios econômicos ou militares para proteger a liberdade de
expressão ao redor do mundo. A novidade e o espanto da declaração, no caso do
Brasil, foi a ameaça com o uso da palavra “militares” pela maior potência
nuclear do mundo.
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