quarta-feira, 16 de maio de 2018

Cristiano Romero: O peso da incerteza eleitoral nos juros

- Valor Econômico

Custo já cresceu para operações de crédito de médio prazo

A baixa institucionalidade da democracia brasileira faz com que, mesmo em momentos de estabilidade política e econômica, a transição de governo seja vista com enorme desconfiança por cidadãos e mercado. A incerteza em relação à eleição presidencial está refletida nos contratos futuros de juros. Mesmo com a taxa básica (Selic) hoje em 6,5% ao ano, com possibilidade de queda nesta quarta-feira para 6,25%, os contratos de 2019, 2020 e 2021 mostram taxas bem mais elevadas - respectivamente, 7,91%, 10,31% e 11,20% ao ano.

Juro de contrato futuro não é abstração, palpite, chute. É preço, custo do dinheiro. Mostra que as operações de crédito nos prazos mencionados já estão mais caras, apesar de a Selic estar no menor nível da história. Em outras palavras: já está bem mais caro financiar investimento de médio prazo. Evidentemente, isso faz o empresário adiar novos projetos. Sem investimento, a economia não cresce ou cresce muito pouco.

Os números refletem dúvidas sobre quem vencerá a eleição de outubro - se um candidato disposto a levar ao Congresso uma agenda de reformas "impopulares", a da Previdência antes de todas as outras, ou alguém que ainda acredite que o déficit do INSS e do regime de aposentadoria dos funcionários públicos, que no ano passado foi a R$ 269 bilhões, é uma invenção de neoliberais rentistas e malvados, traidores da pátria associados a gente do FMI e da Casa Branca.

Na hipótese de que ganhe um reformista - na verdade, o único com esse perfil, Henrique Meirelles, ex-ministro da Fazenda, parece ter poucas chances de chegar lá; na pesquisa CNT-Ibope, apareceu com 0,5% das intenções de voto -, a pergunta é: ele terá condições de formar maioria parlamentar para aprovar emendas constitucionais, algo que exige 308 votos (3/5 do total) na Câmara e 49 no Senado, em duas votações em cada casa?

A necessidade de aprovação de medidas na área fiscal é urgente. Entre 2008 e 2015, quando Dilma Rousseff mandou em Brasília - primeiro, como ministra da Casa Civil do governo Lula, depois, como presidente da República -, os gastos da União cresceram insondáveis 50% acima da inflação, enquanto, no mesmo período, as receitas avançaram, em termos reais, 17%. O descompasso entre uma coisa e outra se transformou em dívida.

Em 2013, Dilma interrompeu a política de geração de superávits primários (resultado que não inclui a despesa com juros) nas contas públicas, iniciada em 1998 durante o governo Fernando Henrique Cardoso e reforçada na gestão Lula. Essa política foi crucial para reduzir a dívida pública como proporção do PIB, principal indicador de solvência de um país.

O esforço fiscal fez com que, em 2008, o Brasil recebesse das agências de classificação de risco o grau de investimento, isto é, o selo de bom pagador, distinção que reduz o custo de financiamento, nos mercados doméstico e externo, tanto do governo quanto das empresas. A promoção foi um marco. Significou, na verdade, a superação da crise da dívida, que em 1982 quebrou o país, jogando-o num longo inverno, caracterizado por hiperinflação, falência do Estado, precarização da infraestrutura e dos serviços públicos, baixo crescimento, maxidesvalorizações moeda, calote na dívida, fracasso de planos de estabilização...

Lula entregou o país à sucessora com dívida bruta de 51,77% do PIB (posição em 2010). Dilma, cujo mandato foi de janeiro de 2011 a maio de 2016, aumentou a dívida, nesse período, para 69,95% do PIB (dado de 2016). Na verdade, embora a dívida tenha crescido nos dois anos do governo Michel Temer, isso ocorreu graças a políticas adotadas pela ex-presidente - em 2017, chegou a 74% do PIB e, neste ano, deve ficar em torno de 75% do PIB, a mais alta do mundo em desenvolvimento. Só não vai a 80% porque a atual equipe econômica fez cortes drásticos em subsídios e obrigou o BNDES a antecipar parte do que deve ao Tesouro.

Como "as consequências vêm depois" - famoso chiste usado pelo ex-senador Marco Maciel, e atribuído ao Barão de Itararé, para advertir políticos incautos quanto ao risco embutido em suas decisões -, Dilma fez o Brasil perder, em 2015, o grau de investimento obtido havia apenas sete anos. Sem exagero, a ex-presidente, eleita pela enorme popularidade de seu antecessor, destruiu a política econômica que domou a inflação, diminuiu a vulnerabilidade fiscal e externa do país, criou as bases para dobrar o ritmo de crescimento do PIB e permitiu a ampliação dos gastos sociais, entre outros ganhos.

O atual governo iniciou, com sucesso, a rearrumação da casa, mas, desde maio de 2017, quando o presidente Temer foi atingido por denúncias do empresário Joesley Batista, não conseguiu avançar no restante da agenda, que incluía a reforma da Previdência, a privatização da Eletrobras, a concessão de autonomia formal ao Banco Central etc. Os avanços obtidos - por exemplo, a criação de teto constitucional para impedir que as despesas públicas tenham aumento real - melhoraram as condições financeiras, mas, sem a reforma da Previdência, em 2020 o governo não conseguirá respeitar o teto e, aí, os investidores, sem distinção, punirão o país.

A punição não é um ato arbitrário, fruto da perversão de estrangeiros desalmados e brasileiros despatriotas. É automática. Decorre do medo de quem tem capital para investir. Se o governo de um país gasta muito mais do que arrecada em impostos, a dívida é crescente e o custo de financiamento, mais alto que o de outras nações porque é maior a probabilidade de haver calote. O passado condena o Brasil: na história da República, foram 11 calotes na dívida.

Com exceção de Guilherme Boulos, do PSOL, os aspirantes a presidente não inspiram preocupação quanto à adoção da agenda econômica a ser adotada em 2019. Em geral, os economistas que os assessoram são ajuizados. Ciro Gomes, do PDT, tem feito discurso à esquerda dos demais porque quer conquistar os votos de Lula, que não disputará o pleito, e de Joaquim Barbosa, que desistiu. Em 2002, quando Ciro disputou a eleição, teve como mentores três liberais convictos - Marcos Lisboa, José Alexandre Scheinkman e Francisco Gros - e um professor de Harvard nacionalista - Mangabeira Unger - que não rasga dinheiro. Apesar disso, o mercado vê enorme incerteza no horizonte.

A história mostra, porém, que, no Brasil, o fim do mundo é frequentemente anunciado, mas nunca acontece. Sina do país cujo futuro (sinônimo de paraíso) também não chega jamais.

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