quarta-feira, 16 de maio de 2018

Luiz Carlos Azedo: Uma vírgula

- Correio Braziliense

Doa a quem doer, o combate à corrupção pela Lava-Jato se tornou uma prioridade para a sociedade, como foi a luta contra a inflação no Plano Real

Quando a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) completou 100 anos, em 7 de abril de 2008, lançou uma campanha em parceria com o Grupo ABC que tinha a “vírgula” como protagonista. Com produção da agência África, de Nizan Guanaes, e narração do ator Matheus Nachtergaele, a campanha fez enorme sucesso: “Vírgula pode ser uma pausa… Ou não. Não, espere. Não espere… Ela pode sumir com seu dinheiro. 23,4. 2,34. Pode criar heróis… Isso só, ele resolve. Isso só ele resolve. Ela pode ser a solução. Vamos perder, nada foi resolvido. Vamos perder nada, foi resolvido. A vírgula muda uma opinião. Não queremos saber. Não, queremos saber. A vírgula pode condenar ou salvar. Não tenha clemência! Não, tenha clemência! Uma vírgula muda tudo. ABI: 100 anos lutando para que ninguém mude uma vírgula da sua informação.”

O presidente Michel Temer é a nova vítima da vírgula. A peça antológica, que virou case nas escolas de propaganda e marketing, foi ignorada pelo Palácio do Planalto, ao lançar o slogan comemorativo dos 24 meses de seu governo: “O Brasil voltou, 20 anos em 2”, em tempos de fake news, virou um tremendo tiro no pé, porque basta retirar a vírgula para mudar radicalmente o sentido da frase. O que era pra ser uma afirmação das realizações de sua administração virou objeto de piada. É óbvio que Temer não passou recibo da mancada, ao fazer um balanço de suas realizações, mas o assunto mais comentado no Palácio do Planalto ontem era a danada da vírgula.

Temer forçou a barra ao comparar seu governo com o de Juscelino Kubitschek, o construtor de Brasília, cujo slogan de governo foi “50 anos em 5”. O Plano de Metas de JK era um projeto de desenvolvimento nacional com 31 objetivos, um dos quais a transferência da capital federal. Baseava-se em estudos realizados pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos entre os anos de 1951 e 1953, cuja missão foi identificar os pontos cruciais de estagnação da economia brasileira que inviabilizavam o crescimento econômico do país em um viés capitalista e liberal.

Para promover “50 anos de progresso em 5 anos de realizações”, Juscelino escolheu cinco setores: energia, transportes, indústrias de base, alimentação e educação. Os três primeiros receberam 93% dos recursos, e educação e alimentação contaram apenas com 7%. Houve crescimento de 100% na indústria de base nacional, mas também um grande desequilíbrio monetário. Em contrapartida, o país esbanjou otimismo, num ambiente de liberdade, sem estado de sítio nem censura à imprensa, apesar da guerra fria.

O saldo de realizações do governo JK foi positivo, mas nem por isso ele deixou de ser atacado pela esquerda, após a renúncia de seu sucessor, Jânio Quadros, e a posse do trabalhista João Goulart, que acabou deposto por um golpe militar, em 1964. Liberal conservador, o PSD de Juscelino, Amaral Peixoto e Tancredo Neves é que dava equilíbrio de centro-esquerda à aliança com trabalhistas e comunistas que garantiu a posse de Jango, que logo se rompeu.

Juscelino era considerado entreguista pela esquerda e sua política de conciliação, uma ameaça de retrocesso, caso voltasse ao poder em 1965. Isso jogou o ex-presidente da República no colo das forças que depuseram João Goulart; quando se arrependeu do apoio aos militares, que suspenderam as eleições presidenciais, já era tarde: foi cassado e obrigado a se exilar. Morreu num desastre de automóvel, em 1976.

Futebol e política
Outra mancada foi misturar o velho slogan reciclado com o grito das torcidas de futebol em “O Brasil voltou”, uma alusão à entrada em campo de jogadores que estavam contundidos ou foram recontratados por suas equipes. Há certo mito em relação ao impacto do desempenho da seleção brasileira em copas do mundo nos anos de eleição. Isso vem da Copa de 1970, no México, quando o Brasil foi tricampeão e a Arena, partido governista do regime militar, obteve uma esmagadora vitória eleitoral. O slogan “Pra frente, Brasil” fez enorme sucesso àquela época, na qual o país vivia a euforia provocada pelas altas de taxas de crescimento do chamado “milagre brasileiro”, acima de 10%. Tanto que na Copa do Mundo de 2014, o traumático vexame da seleção, que perdeu por 7 a 1 para a Alemanha, não impediu a reeleição da presidente Dilma Rousseff.

Não faltam os “causos” de insucesso em relação à mistura de futebol com política. No antigo estado do Rio de Janeiro, um dos mais conhecidos era o da entrega de uniformes completos para um dos times de Niterói, pelo então candidato a governador do PSD, Getúlio de Moura. Depois que começou a partida, a charanga da torcida atacou: “Roberto Silveira, deu camisa e deu chuteira!”. O político trabalhista é que se elegeu governador, mas morreu precocemente num desastre de helicóptero, em 1961.

Voltando ao tema original, há que se reconhecer: diante da recessão que herdou de Dilma Rousseff, o presidente Temer realmente recolocou a economia do país nos trilhos, com o controle da inflação, a redução dos juros e a retomada do crescimento. Mas não resolveu o problema fiscal, porque a reforma da Previdência não foi aprovada, e o governo continua transbordando a Esplanada dos Ministérios. O maior problema do governo, porém, não é nem o desemprego. É a crise ética. Quem quiser que se iluda, doa a quem doer, o combate à corrupção se tornou uma prioridade para a sociedade, como foi a luta contra a inflação no Plano Real.

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