quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Vinicius Torres Freire: No mercado, eleição acabou

- Folha de S. Paulo

Apesar de alertas de 'cabeças brancas', juros e preços na praça financeira desabam

Os negociantes de dinheiro parecem agir como se houvesse amanhã um programa de governo Jair Bolsonaro pronto e conhecido.

Os números do mercado, pelo menos, sugerem que a eleição terminou. A distensão dos preços nos negócios financeiros impressiona.

Não falta muito para que taxas de juros e dólar indiquem confiança risonha e franca na nova administração, que por vários motivos, no entanto, ainda é incógnita.

Caso persistam tais sintomas, se o candidato do PSL ou seus assessores não pisarem na bola, o começo da vida de um eventual governo bolsonarista será facilitado.

Uma reviravolta petista teria obviamente o efeito muito contrário.

Desde as vésperas do primeiro turno, as taxas de juros de longo prazo levaram um talho grande, voltando a níveis de maio, antes do tumulto e dos paniquitos provocados pelo caminhonaço, uma queda de mais de 0,6 ponto percentual desde o início do mês.

Nem tão grandes, mas significativas, foram as baixas de dólar ou dos juros reais de um ano, que foram a 4,5% ao ano no início de setembro e agora se reaproximam de 3% ao ano.

Para a cidadã que toma empréstimos no varejo, crediário e financiamento, tais variações parecem ninharia. No atacadão de dinheiro, são enormidades.

Para relembrar por onde andou um indicador mais "pop" da finança, a moeda americana bateu em R$ 4,19 na metade de setembro. Anda agora pela casa de R$ 3,70.

Como de costume, o ambiente financeiro lá fora tem ajudado, desde meados de setembro. Mas comparações internacionais mostram que o mercado no Brasil queimou gordura acumulada nos meses eleitorais.

É frequente que tais ondas se revelem marolas passageiras, desnecessário repetir. Mas, na hipótese de melhoria mais duradoura, tende a haver efeitos reais, um prêmio de confiança para Bolsonaro.

O dólar em baixa, juros de curto prazo dando meia-volta e expectativas de inflação amansadas devem adiar o início da campanha de aperto monetário do Banco Central. A alta próxima da Selic já aparecia nos preços e estava em discussão.

Também óbvio, uma baixa passageira das taxas de juros não vai levaria banco algum a mudar orçamento de empréstimos ou incentivar empresas a levantar capital no mercado.

Seriam necessários meses antes que empresas se animassem com um governo novo. No caso de eventual vitória de Bolsonaro, a biruta programática do candidato teria de ficar quieta, para que se mantivesse a calmaria.

A seguir, além de mostrar o esquema tático, seu governo teria de marcar um gol ou quase isso. Ainda assim, é preciso notar que o clima na finança melhorou, o que pouca gente fora desta lida vai notar, dado o ambiente tóxico de morte no restante do país.

Nas internas, em conversas reservadas, "cabeças brancas" do mundo financeiro e empresarial, além de economistas com experiência de vida e governo, ainda se dizem desconfiados. Se sentem no escuro quanto ao que pretende fazer Bolsonaro e quanto à viabilidade política dos planos de Paulo Guedes.

Suspeita-se, por exemplo, de ideias extravagantes e de falta de prioridades, de querer fazer demais quando seria necessário a princípio aplicar o manual, o tratamento de primeiros socorros, que já vai doer e ainda parece intragável para lideranças do Congresso, bolsonaristas inclusive.

No entanto, no mundo real das opiniões financeiras, que fica evidente em preços e taxas, o mercado se move.

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