quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Aquecimento desafia o ritmo da agenda ambiental: Editorial | Valor Econômico

O ambiente se tornará muito mais hostil à vida se a temperatura do planeta subir acima de 1,5o C em relação ao nível pré-industrial e isso está mais perto de acontecer do que se previa. O alerta lançado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Clímáticas (IPCC), órgão da ONU, mostra a urgência de ações mais contundentes para reduzir as emissões de CO2 e realça a debilidade das medidas tomadas após o Acordo de Paris, alcançado a duras penas em 2015.

O relatório do IPCC afirma que a temperatura na Terra já se elevou entre 0,75 e 0,99o C no período de 2006 a 2015 em relação a 1850-1900 e que a trajetória do aquecimento pode ser muito pior do que o previsto em Paris. O limite de 1,5o C está mais perto de ser atingido e poderá ocorrer em algum momento entre 2030 e 2050. Meio grau adicional, o limiar do Acordo de Paris, trará consequências ainda mais severas. Seria importante não chegar lá, sugere o IPCC.

O silêncio com que foi recebido o relatório indica a baixa temperatura da motivação dos governos em relação ao acordo alcançado em Paris. O maior poluidor mundial, os Estados Unidos, anunciaram que se retiraram dele e não apenas isso, se engajaram a partir daí em uma agenda cujo resultado é mais, e não menos, emissões de CO2. Depois de um furacão e uma devastadora tempestade tropical varrerem Estados da Costa Oeste do país, o presidente Donald Trump admitiu que há algo estranho acontecendo com o clima. "Acho que provavelmente existe uma diferença, mas não sei se é causada pelo homem". A convicção de Trump é que os cientistas que alertam para o perigo têm uma "agenda política" hostil.

A batalha ambiental está sendo perdida após um aparente trunfo em Paris. Se tudo continuar como está, a temperatura subirá além dos 2 graus, com o cortejo de horrores que os cientistas mapearam. A diferença de meio grau, por exemplo, fará o nível do mar se elevar 10 centímetros, o suficiente para que pelo menos 10 milhões de pessoas sejam atingidas e tenham de se deslocar. O que já ocorre se agravará quantitativamente e qualitativamente, com chuvas pesadas e secas extremas em diversas regiões do globo.

Nas latitudes médias, se o aquecimento chegar a 1,5 grau e parar por aí, os dias serão 3o C mais quentes e as noites, nas altas latitudes, 4,5o C mais frias. Com a Terra com mais 2 graus, serão 4 o C mais quentes e 6o C mais frias, respectivamente. Aumentará também a frequência de inundações em ilhas e áreas costeiras baixas e deltas. A temperatura do oceano, sua acidificação e queda do nível de oxigênio se intensificarão, afetando seriamente a biodiversidade marinha. Já se caminha para uma redução pesqueira anual de 1,5 milhão de toneladas, que dobrará se o aquecimento subir a 2o C.

A elevação das temperaturas prejudicará obviamente a produção de alimentos, de forma mais severa no sul da África, na região do Mediterrâneo e Europa Central.

A gravidade da ameaça contrasta com a exiguidade das medidas tomadas. Embora a consciência do problema ambiental tenha se disseminado e as ações de grandes empresas atenuem a irresponsabilidade ou recusa à ação de governos como o dos Estados Unidos, o papel das políticas de Estado é insubstituível. A sensação atual é a de perda de ímpeto político dos países envolvidos no acordo.

O que é preciso ser feito, no entanto, é um corte drástico de 45% nas emissões de CO2, em relação ao nível de 2010, até 2030, segundo o IPCC. Daí em diante há a necessidade de zerar as emissões até 2050. Não é trivial o esforço para evitar até mesmo a ultrapassagem de 2o C - corte de 20% do lançamento de gases de efeito estufa até 2030 e zeragem até 2075. Um empenho significativo teria de ser feito para que as matrizes energéticas colaborassem para isso. O IPCC estima que as fontes renováveis de energia precisam se expandir a ponto de suprir 70% a 80% da oferta até 2050.

O ativismo brasileiro se esvaneceu na arena ambiental global, desde o descaso do governo Dilma Rousseff com o assunto. O próximo governo não promete um avanço, ou até mesmo um retrocesso. O candidato favorito à Presidência, Jair Bolsonaro (PSL), mencionou que pode se retirar do Acordo de Paris, emulando Trump. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad tem mais apreço e familiaridade com o tema, que, no entanto, não foi levado em devida conta pelo seu partido, o PT. Impedir o avanço do desmatamento da Amazônia e estabelecer uma convivência amigável com a floresta, as principais contribuições do Brasil, ainda são desafios longe da superação.

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