Regina Alvarez
Presidente Vargas (MA)
DEU EM O GLOBO (25/10/2009)
Em cidades onde o programa beneficia 71% das famílias, trabalho chega a 1,3% da população
Criado para reduzir a miséria, o Bolsa Família, maior programa social do governo federal, não gerou empregos no interior do país. Em 85 municípios onde o programa atinge em média 71% das famílias, o emprego com carteira assinada só alcança 1,3% da população. Em Presidente Vargas, no Maranhão, onde 80% das famílias são atendidas pelo programa, empregos formais são contados nos dedos de uma mão: 4, para 10,2 mil habitantes, relatam os enviados REGINA ALVAREZ e SÉRGIO MARQUES. Gestores reconhecem que o programa pode levar à acomodação e que é difícil fazer funcionar as chamadas portas de saída. E a baixa escolaridade, aliada à falta de capacitação, dificulta o crescimento profissional.
Onde o emprego formal quase não existe
Nas 85 cidades do país com maior cobertura do Bolsa Família, só 1,3% da população trabalha com carteira assinada
A estrada de chão batido, repleta de buracos e restos de asfalto ordinário, avança no meio do coqueiral e leva a Presidente Vargas, a 190 quilômetros de São Luís. A terra batizada com o nome do pai da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não tem emprego formal. O que se vê é uma legião de apartados, dependentes do auxílio oficial para o sustento da família.
O emprego formal é praticamente inexistente nos municípios no topo da lista de beneficiários do Bolsa Família.
Em Presidente Vargas, contamse nos dedos de uma mão empregos com carteira assinada no setor privado.
O município tem 10 mil habitantes e 2.292 domicílios; 1.832 famílias (80%) recebem o auxílio do governo e só quatro pessoas têm emprego com carteira, segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), do Ministério do Trabalho.
Entre os cem municípios com maior cobertura do programa, 85 têm informações disponíveis sobre emprego formal. Juntos, abrigam um milhão de habitantes e 259 mil domicílios, sendo que 184,3 mil famílias recebem o Bolsa Família — 71%. Já os empregos com carteira assinada no setor privado somam 14,1 mil, o equivalente a 1,3% dessa população.
A precariedade do emprego formal nessas cidades — municípios pobres, com população abaixo de 30 mil habitantes — não tem relação direta com a concessão do Bolsa Família.
Existem barreiras anteriores ao programa que impedem o acesso dos trabalhadores a empregos: a baixa escolaridade e a falta de capacitação profissional.
As parcas vagas com carteira assinada no comércio de Presidente Vargas exigem ensino médio.
“Há interesse, mas falta estudo”
Mês passado, surgiu uma vaga de vendedor “fichado” no Armazém Paraíba, rede de varejo presente em cinco estados do Nordeste. O gerente Raimundo Nonato Cardoso aplicou testes em seis candidatos, mas só um se classificou para a segunda fase. Na loja, que vende móveis e eletrodomésticos, há três funcionários, todos com carteira assinada.
— Há interesse, mas falta estudo. A maioria das lojas não assina carteira. Aqui assinamos, mas exigimos qualificação — afirma Cardoso, que ganha salário mínimo mais comissão, e chega a tirar R$ 800 num mês de boas vendas.
Israelma Uchoa Mendes, de 22 anos, casada, é caixa da Credinorte, loja de móveis e eletrodomésticos, e tem salário de R$ 465 na carteira.
Faz faculdade de Pedagogia.
— Muitas moças daqui que concluíram o ensino médio trabalham em casa de família para ganhar R$ 100.
Não é só emprego formal que falta em Presidente Vargas. Faltam estradas, infraestrutura, presença do Estado e da iniciativa privada na geração de emprego.
Os beneficiários do Bolsa Família não estão no mercado formal nem no informal. O programa mantém as crianças na escola, mas a maioria das famílias está acomodada com o benefício, que varia de R$ 22 a R$ 200. Elas têm medo de perdê-lo ao adicionar outra fonte ao rendimento familiar. Assim, não demonstram interesse em cursos de qualificação profissional.
— Relutei em aceitar a ideia, mas é a realidade. As famílias estão acomodadas, e não tem sido fácil tirá-las da acomodação. Acreditam que podem se manter com cento e poucos reais — afirma Ivete Pereira de Almeida, secretária de Assistência Social da prefeitura de Presidente Vargas.
Responsável pelo Bolsa Família no município, Ivete organiza cursos de qualificação por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social. Cursos de brinquedos, arranjos, alimentação alternativa foram ministrados, mas as tentativas de inserção no mercado de trabalho foram frustradas.
Exemplo é o esforço de organizar as quebradeiras de coco babaçu em cooperativa e submetê-las a treinamento para aproveitar todas as potencialida des da fruta, abundante na região. Das 70 mulheres que começaram o curso, só três concluíram e conseguiram vender a primeira produção.
— No curso, aprenderiam a retirar o mesocarpo (massa sob a casca do coco), que vale R$ 10 o quilo. Preferem quebrar o coco e vender a amêndoa por R$ 0,90 o quilo — diz Ivete.
— Quebro, uso o azeite e a casca como carvão. O curso era difícil. Dá trabalho tirar esse mesocarpo — diz Maria dos Reis Nascimento, 53 anos, cinco filhos, que vive do Bolsa Família e da pensão do INSS do marido.
Nestor Holanda, de 63 anos, a mulher, filhos e netos moram em uma casa de taipa nos arredores da cidade. A família deixou a roça. Os meninos frequentam a escola, pois se faltarem perdem o benefício. A frequência escolar é uma das condicionalidades do programa, junto com a vacinação das crianças e pré-natal de gestantes.
— A geração de trabalho e renda é opcional (no programa). Como não há condicionalidade, as famílias se acomodam — destaca Ivete.
— Não dá para exigir condicionalidade.
Não há oferta de trabalho, não estamos no mundo do pleno emprego.
Infelizmente, a política de trabalho não é universal — pondera Camile Mesquita, secretária substituta da Secretaria Nacional de Renda da Cidadania.
— Tudo isso está sendo feito. Em alguns lugares com sucesso, outros nem tanto. A preocupação não deve ser só do governo federal, mas também de estados e municípios.
Presidente Vargas (MA)
DEU EM O GLOBO (25/10/2009)
Em cidades onde o programa beneficia 71% das famílias, trabalho chega a 1,3% da população
Criado para reduzir a miséria, o Bolsa Família, maior programa social do governo federal, não gerou empregos no interior do país. Em 85 municípios onde o programa atinge em média 71% das famílias, o emprego com carteira assinada só alcança 1,3% da população. Em Presidente Vargas, no Maranhão, onde 80% das famílias são atendidas pelo programa, empregos formais são contados nos dedos de uma mão: 4, para 10,2 mil habitantes, relatam os enviados REGINA ALVAREZ e SÉRGIO MARQUES. Gestores reconhecem que o programa pode levar à acomodação e que é difícil fazer funcionar as chamadas portas de saída. E a baixa escolaridade, aliada à falta de capacitação, dificulta o crescimento profissional.
Onde o emprego formal quase não existe
Nas 85 cidades do país com maior cobertura do Bolsa Família, só 1,3% da população trabalha com carteira assinada
A estrada de chão batido, repleta de buracos e restos de asfalto ordinário, avança no meio do coqueiral e leva a Presidente Vargas, a 190 quilômetros de São Luís. A terra batizada com o nome do pai da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não tem emprego formal. O que se vê é uma legião de apartados, dependentes do auxílio oficial para o sustento da família.
O emprego formal é praticamente inexistente nos municípios no topo da lista de beneficiários do Bolsa Família.
Em Presidente Vargas, contamse nos dedos de uma mão empregos com carteira assinada no setor privado.
O município tem 10 mil habitantes e 2.292 domicílios; 1.832 famílias (80%) recebem o auxílio do governo e só quatro pessoas têm emprego com carteira, segundo o Cadastro Geral de Emprego e Desemprego (Caged), do Ministério do Trabalho.
Entre os cem municípios com maior cobertura do programa, 85 têm informações disponíveis sobre emprego formal. Juntos, abrigam um milhão de habitantes e 259 mil domicílios, sendo que 184,3 mil famílias recebem o Bolsa Família — 71%. Já os empregos com carteira assinada no setor privado somam 14,1 mil, o equivalente a 1,3% dessa população.
A precariedade do emprego formal nessas cidades — municípios pobres, com população abaixo de 30 mil habitantes — não tem relação direta com a concessão do Bolsa Família.
Existem barreiras anteriores ao programa que impedem o acesso dos trabalhadores a empregos: a baixa escolaridade e a falta de capacitação profissional.
As parcas vagas com carteira assinada no comércio de Presidente Vargas exigem ensino médio.
“Há interesse, mas falta estudo”
Mês passado, surgiu uma vaga de vendedor “fichado” no Armazém Paraíba, rede de varejo presente em cinco estados do Nordeste. O gerente Raimundo Nonato Cardoso aplicou testes em seis candidatos, mas só um se classificou para a segunda fase. Na loja, que vende móveis e eletrodomésticos, há três funcionários, todos com carteira assinada.
— Há interesse, mas falta estudo. A maioria das lojas não assina carteira. Aqui assinamos, mas exigimos qualificação — afirma Cardoso, que ganha salário mínimo mais comissão, e chega a tirar R$ 800 num mês de boas vendas.
Israelma Uchoa Mendes, de 22 anos, casada, é caixa da Credinorte, loja de móveis e eletrodomésticos, e tem salário de R$ 465 na carteira.
Faz faculdade de Pedagogia.
— Muitas moças daqui que concluíram o ensino médio trabalham em casa de família para ganhar R$ 100.
Não é só emprego formal que falta em Presidente Vargas. Faltam estradas, infraestrutura, presença do Estado e da iniciativa privada na geração de emprego.
Os beneficiários do Bolsa Família não estão no mercado formal nem no informal. O programa mantém as crianças na escola, mas a maioria das famílias está acomodada com o benefício, que varia de R$ 22 a R$ 200. Elas têm medo de perdê-lo ao adicionar outra fonte ao rendimento familiar. Assim, não demonstram interesse em cursos de qualificação profissional.
— Relutei em aceitar a ideia, mas é a realidade. As famílias estão acomodadas, e não tem sido fácil tirá-las da acomodação. Acreditam que podem se manter com cento e poucos reais — afirma Ivete Pereira de Almeida, secretária de Assistência Social da prefeitura de Presidente Vargas.
Responsável pelo Bolsa Família no município, Ivete organiza cursos de qualificação por meio do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), com apoio do Ministério do Desenvolvimento Social. Cursos de brinquedos, arranjos, alimentação alternativa foram ministrados, mas as tentativas de inserção no mercado de trabalho foram frustradas.
Exemplo é o esforço de organizar as quebradeiras de coco babaçu em cooperativa e submetê-las a treinamento para aproveitar todas as potencialida des da fruta, abundante na região. Das 70 mulheres que começaram o curso, só três concluíram e conseguiram vender a primeira produção.
— No curso, aprenderiam a retirar o mesocarpo (massa sob a casca do coco), que vale R$ 10 o quilo. Preferem quebrar o coco e vender a amêndoa por R$ 0,90 o quilo — diz Ivete.
— Quebro, uso o azeite e a casca como carvão. O curso era difícil. Dá trabalho tirar esse mesocarpo — diz Maria dos Reis Nascimento, 53 anos, cinco filhos, que vive do Bolsa Família e da pensão do INSS do marido.
Nestor Holanda, de 63 anos, a mulher, filhos e netos moram em uma casa de taipa nos arredores da cidade. A família deixou a roça. Os meninos frequentam a escola, pois se faltarem perdem o benefício. A frequência escolar é uma das condicionalidades do programa, junto com a vacinação das crianças e pré-natal de gestantes.
— A geração de trabalho e renda é opcional (no programa). Como não há condicionalidade, as famílias se acomodam — destaca Ivete.
— Não dá para exigir condicionalidade.
Não há oferta de trabalho, não estamos no mundo do pleno emprego.
Infelizmente, a política de trabalho não é universal — pondera Camile Mesquita, secretária substituta da Secretaria Nacional de Renda da Cidadania.
— Tudo isso está sendo feito. Em alguns lugares com sucesso, outros nem tanto. A preocupação não deve ser só do governo federal, mas também de estados e municípios.
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