DEU NO VALOR ECONÔMICO
Na coluna do mês passado - O Ovo da Serpente - (02/07) fiz algumas reflexões sobre a forma de atuar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nestes últimos anos. Desde então tivemos um intenso debate sobre essa questão na mídia brasileira. Inclusive a revista "The Economist" dedicou um longo espaço - para os padrões dessa importante publicação - para repercutir o tema. O próprio Valor publicou detalhada matéria sobre as operações mais recentes desse banco público. Creio ser oportuno voltar a esse debate, com algumas considerações que são importantes para que se faça um julgamento isento.
Em primeiro lugar é preciso entender que o BNDES é um banco público e que, em seu estatuto, está estabelecido ser sua função realizar operações de crédito que viabilizem os objetivos do governo federal. Por isso, em seus quase 60 anos de vida, sempre buscou seguir as orientações oficiais, ressalvados os limites estabelecidos pela boa prática bancária e a preservação do capital da instituição. Outros limites de sua ação derivam de valores intrínsecos à democracia brasileira, como a transparência de suas operações, a impessoalidade de suas decisões e a legalidade de seus atos.
O BNDES tem como fontes principais de recursos o capital próprio da instituição, acumulado ao longo de várias décadas, e parte da arrecadação do chamado Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Criado na Constituinte de 1988, o FAT é o mecanismo que suporta o apoio financeiro ao trabalhador brasileiro desempregado. Como todo fundo dessa natureza, seus recursos são aplicados para gerar renda para financiar seus gastos. A destinação de 40% de sua arrecadação para o BNDES tem, além desse objetivo, também o de estimular o crescimento da economia e do emprego via o financiamento de investimentos produtivos.
Os recursos do FAT são limitados e aplicados a taxas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em níveis bem abaixo do mercado bancário privado e mesmo da Selic. Esse fato tem levado à crítica de que existe um subsidio implícito nessas operações. Mas é preciso entender que o subsídio neste caso é suportado pelas empresas que recolhem o tributo e pelos trabalhadores desempregados que poderiam ter um apoio mais elevado, se o FAT recebesse os juros iguais à Selic por exemplo.
Entretanto a racionalidade de juros mais baixos para que o BNDES seja capaz de estimular investimentos produtivos e aumentar o emprego, que é a base do sistema atual, me parece correta. Principalmente porque ainda não temos no Brasil um mercado de capitais capaz de realizar operações de prazos mais longos. Somente agora a colocação de bônus em dólares no exterior tem permitido uma margem maior de manobra pelas empresas brasileiras. Mas, independente dessas questões, as operações do FAT a juros mais baixos não geram prejuízos ao Tesouro Nacional. Isso é um fato.
Com a expansão dos investimentos nos últimos anos, principalmente em novas áreas como o chamado pré-sal, essa sensação de escassez de recursos ficou ainda mais forte. O presidente Lula aproveitou a crise econômica que vivemos em 2009 para aumentar o orçamento de crédito do BNDES com a alocação de quase R$ 200 bilhões em títulos federais.
Essa decisão rompe com a tradição de independência financeira da instituição com relação ao Tesouro e que prevaleceu nos últimos 22 anos. Da forma como foi operacionalizado esse canal financeiro, passa a haver um mecanismo de subsídio direto do Tesouro ao setor produtivo, seja ele privado ou público, sem discussão mais ampla na sociedade. Inclusive foi levantado um questionamento legal sobre não estar esse subsídio explicitado no Orçamento Federal aprovado pelo Congresso.
Uma segunda mudança radical na ação do BNDES foi a introdução em suas prioridades, também sem a necessária discussão pública, de um programa de apoio para a criação de grandes grupos nacionais para que sejam atores internacionais importantes. Essa visão faz parte das ideias de um grupo de economistas vinculados ao PT e que acham necessário um redesenho do capitalismo brasileiro, chamado por eles de Capitalismo Tardio.
Nesse programa já foram aprovadas vultosas operações de crédito para a consolidação de uma grande empresa de telecomunicações com capital nacional e de um grande frigorífico de carnes de dimensão mundial. Sabemos também que existe um projeto de estimular a fusão de laboratórios nacionais para a criação de uma empresa capaz de concorrer com os grandes gigantes americanos, suíços e ingleses.
Reafirmo que o governo tem direito de introduzir mudanças nas prioridades do BNDES, por mais megalomaníacas e irracionais que pareçam, mas tem que atender duas condições básicas da democracia: transparência nos seus objetivos e respeitar as críticas que eventualmente venha receber. Não me parece que isso esteja ocorrendo nessa mudança de rumos da forma de trabalhar do BNDES. A direção do banco nunca explicitou de forma clara suas ideias, objetivos e prioridades na criação dos chamados atores internacionais. E, quando questionados sobre as operações já realizadas, a reação é sempre agressiva e pouco esclarecedora.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas-feiras.
Na coluna do mês passado - O Ovo da Serpente - (02/07) fiz algumas reflexões sobre a forma de atuar do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) nestes últimos anos. Desde então tivemos um intenso debate sobre essa questão na mídia brasileira. Inclusive a revista "The Economist" dedicou um longo espaço - para os padrões dessa importante publicação - para repercutir o tema. O próprio Valor publicou detalhada matéria sobre as operações mais recentes desse banco público. Creio ser oportuno voltar a esse debate, com algumas considerações que são importantes para que se faça um julgamento isento.
Em primeiro lugar é preciso entender que o BNDES é um banco público e que, em seu estatuto, está estabelecido ser sua função realizar operações de crédito que viabilizem os objetivos do governo federal. Por isso, em seus quase 60 anos de vida, sempre buscou seguir as orientações oficiais, ressalvados os limites estabelecidos pela boa prática bancária e a preservação do capital da instituição. Outros limites de sua ação derivam de valores intrínsecos à democracia brasileira, como a transparência de suas operações, a impessoalidade de suas decisões e a legalidade de seus atos.
O BNDES tem como fontes principais de recursos o capital próprio da instituição, acumulado ao longo de várias décadas, e parte da arrecadação do chamado Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Criado na Constituinte de 1988, o FAT é o mecanismo que suporta o apoio financeiro ao trabalhador brasileiro desempregado. Como todo fundo dessa natureza, seus recursos são aplicados para gerar renda para financiar seus gastos. A destinação de 40% de sua arrecadação para o BNDES tem, além desse objetivo, também o de estimular o crescimento da economia e do emprego via o financiamento de investimentos produtivos.
Os recursos do FAT são limitados e aplicados a taxas fixadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em níveis bem abaixo do mercado bancário privado e mesmo da Selic. Esse fato tem levado à crítica de que existe um subsidio implícito nessas operações. Mas é preciso entender que o subsídio neste caso é suportado pelas empresas que recolhem o tributo e pelos trabalhadores desempregados que poderiam ter um apoio mais elevado, se o FAT recebesse os juros iguais à Selic por exemplo.
Entretanto a racionalidade de juros mais baixos para que o BNDES seja capaz de estimular investimentos produtivos e aumentar o emprego, que é a base do sistema atual, me parece correta. Principalmente porque ainda não temos no Brasil um mercado de capitais capaz de realizar operações de prazos mais longos. Somente agora a colocação de bônus em dólares no exterior tem permitido uma margem maior de manobra pelas empresas brasileiras. Mas, independente dessas questões, as operações do FAT a juros mais baixos não geram prejuízos ao Tesouro Nacional. Isso é um fato.
Com a expansão dos investimentos nos últimos anos, principalmente em novas áreas como o chamado pré-sal, essa sensação de escassez de recursos ficou ainda mais forte. O presidente Lula aproveitou a crise econômica que vivemos em 2009 para aumentar o orçamento de crédito do BNDES com a alocação de quase R$ 200 bilhões em títulos federais.
Essa decisão rompe com a tradição de independência financeira da instituição com relação ao Tesouro e que prevaleceu nos últimos 22 anos. Da forma como foi operacionalizado esse canal financeiro, passa a haver um mecanismo de subsídio direto do Tesouro ao setor produtivo, seja ele privado ou público, sem discussão mais ampla na sociedade. Inclusive foi levantado um questionamento legal sobre não estar esse subsídio explicitado no Orçamento Federal aprovado pelo Congresso.
Uma segunda mudança radical na ação do BNDES foi a introdução em suas prioridades, também sem a necessária discussão pública, de um programa de apoio para a criação de grandes grupos nacionais para que sejam atores internacionais importantes. Essa visão faz parte das ideias de um grupo de economistas vinculados ao PT e que acham necessário um redesenho do capitalismo brasileiro, chamado por eles de Capitalismo Tardio.
Nesse programa já foram aprovadas vultosas operações de crédito para a consolidação de uma grande empresa de telecomunicações com capital nacional e de um grande frigorífico de carnes de dimensão mundial. Sabemos também que existe um projeto de estimular a fusão de laboratórios nacionais para a criação de uma empresa capaz de concorrer com os grandes gigantes americanos, suíços e ingleses.
Reafirmo que o governo tem direito de introduzir mudanças nas prioridades do BNDES, por mais megalomaníacas e irracionais que pareçam, mas tem que atender duas condições básicas da democracia: transparência nos seus objetivos e respeitar as críticas que eventualmente venha receber. Não me parece que isso esteja ocorrendo nessa mudança de rumos da forma de trabalhar do BNDES. A direção do banco nunca explicitou de forma clara suas ideias, objetivos e prioridades na criação dos chamados atores internacionais. E, quando questionados sobre as operações já realizadas, a reação é sempre agressiva e pouco esclarecedora.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações. Escreve mensalmente às segundas-feiras.
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