sábado, 20 de novembro de 2010

A inflação ganha altura :: Celso Ming

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO

Não dá mais para sustentar impunemente a posição de que a inflação não é problema no Brasil.

Dá para dizer mais: vai-se desmontando a arquitetura inicial, de juros baixos, câmbio alto e superávit menor, que a presidente eleita, Dilma Rousseff, vinha desenhando para o início do seu governo.

A puxada do IGP-M apontada na segunda prévia de novembro, de 1,2% em 30 dias, é prenúncio de escalada. Reflete aumento rápido dos preços dos alimentos e demais matérias-primas que só em parte tem a ver com choque de oferta (falta) ou com a desvalorização do dólar. Em 12 meses, o IGP-M já avançou 10,0%. Convém lembrar que este é o indexador utilizado para o reajuste dos aluguéis, de um grande número de contratos financeiros e da maioria das tarifas. Ou seja, um IGP-M disparado é injeção de inflação na veia.

O consumo está correndo na frente da produção em consequência do forte avanço das despesas públicas (mais de 17% em 12 meses) e é agora inevitável que o salto dos preços no atacado revelado pelo IGP-M acabe sendo repassado para o custo de vida.

É uma situação que pede alta dos juros já na próxima reunião do Copom, agendada para o dia 8 de dezembro, se o Banco Central quiser manter os preços sob controle. Esse "se" é muito importante porque o próximo governo vai acomodar muita gente da administração anterior para a qual o combate à inflação não deve ser tão rígido. É o velho argumento - furado - de que uma inflaçãozinha a mais não dói. Brincar com uma coisa tão séria cobra inevitavelmente um preço alto demais logo à frente. E não vai ser apenas em perda de poder aquisitivo do trabalhador. Será principalmente em redução de crescimento econômico e nível de emprego.

A exigência técnica para que seja preservada a meta de inflação de 4,5% ao ano vai na contramão da retórica da presidente eleita. Ela vem anunciando queda rápida dos juros, de maneira a evitar especulação no câmbio e mais entrada de moeda estrangeira e, ao mesmo tempo, reduzir os custos de produção dos quais os juros são componente importante.

É claro que se pode perfeitamente obter queda rápida dos juros. Mas, para isso, será preciso mais colaboração da política fiscal (gastos do governo federal). E não é o que se vê com a decisão anunciada quinta-feira de que o superávit primário (sobra de arrecadação para pagamento da dívida) vai, mais uma vez, ser reduzido, de 3,3% para 3,1% do PIB.

A corrida dos preços vem num momento complicado, em que o consumo se mantém forte, a produção avança mais lentamente, o câmbio não ajuda e a política fiscal continua frouxa demais.

Toda a política econômica parece desconjuntar-se, o que de resto é compreensível em final de mandato. A hora é de volta à consistência. No entanto, o discurso da presidente eleita vai em outra direção. A maioria dos sinais é de flacidez no controle dos gastos e de possível falta de firmeza na condução da política monetária. Por enquanto, os agentes econômicos ainda estão dando um desconto pelo período de transição. Mas, se for consolidada a percepção de descostura nos fundamentos e insuficiência de ancoragem, as expectativas podem se deteriorar mais rapidamente e os preços, pular ainda mais alto.

Mau sinal

A exclusão da Eletrobrás do cálculo do superávit primário é outro mau sinal. Se for confirmada, significará que os seus investimentos deixarão de ser considerados despesa pública. Alguém vai dizer que investimento em potência energética não pode ser considerado gasto, porque é mais energia lá na frente. Errado.

Sorvedouro

É errado porque a gente já sabe como são os tais investimentos em novas unidades produtoras de energia. São enormes sorvedouros de recursos públicos. Se fosse possível separar o que é investimento propriamente dito dos superfaturamentos e outras despesas esquisitas, nada haveria a objetar. Mas não é assim...

Déficit nominal zero

É ótima a ideia do ministro Mantega de deixar de empregar o conceito de superávit primário e passar a trabalhar com o de déficit nominal zero. Este segundo significa que as despesas com juros estão incluídas na conta. É como no resto do mundo se medem as finanças públicas.

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