sábado, 20 de novembro de 2010

Disputa faz parte do jogo:: Cláudio Gonçalves Couto

DEU NA FOLHA DE S. PAULO

Política é luta. Isso é assim porque a atividade política corresponde à disputa pelo exercício do poder sobre uma dada coletividade.

Caso se trate da luta política no âmbito de um microcosmo da sociedade, como um diretório estudantil, uma associação empresarial ou uma universidade, a contenda será pelo controle e pelo direcionamento daquela organização, já que se visa agir sobre aquela coletividade específica sob os seus auspícios.

Vale notar que os membros de organizações como essas têm uma série de interesses em comum -o que justamente os leva a integrá-las-, mas, mesmo assim, eles competem entre si, não só porque possuem entendimentos distintos sobre os rumos a serem seguidos mas também pelo mero desejo de ocupar posições de poder. Por isso mesmo, seria ingenuidade esperar que, no âmbito das relações políticas mais amplas, que visam o Estado, não houvesse tensões -mesmo entre aliados.

No interior de um partido político eleitoralmente vitorioso, são previsíveis os conflitos entre seus diversos membros, alas e frações, visando influenciar o futuro governo e ocupar posições de poder. E isso ocorre apesar de os atores políticos em conflito pertencerem a uma mesma agremiação, visando interesses comuns e lutando conjuntamente pela vitória eleitoral.

Pode-se afirmar que, apesar de serem sócios da mesma empreitada comum, não deixam de ser indivíduos e agrupamentos com interesses próprios -os quais não pretendem sacrificar em prol do objetivo coletivo para além de certo limite.

Não é à toa que, no atual processo de formação do novo governo, o presidente do PT já tenha ouvido de membros de seu partido queixas de que não estariam sendo escutados pela equipe de transição.

Se isso é verdadeiro para a vida política no interior de uma mesma agremiação, o que não dizer da relação entre aliados de partidos distintos? As atuais escaramuças entre PMDB e PT são, portanto, conflitos naturais entre aliados políticos num processo de distribuição do poder governamental e parlamentar no interior de uma aliança.

Se considerarmos a história recente de nosso presidencialismo de coalizão, veremos que tais embates foram frequentes -e isso não implicou necessariamente a ruptura das alianças, ao menos durante a maior parte dos governos.

Foi assim na relação entre PMDB e PFL no governo Sarney, entre PSDB e PFL no governo Fernando Henrique Cardoso e entre PT e PMDB durante o governo Lula.

Não haveria qualquer motivo para que tudo se tornasse calmo e modorrento daqui para a frente.

O fato de ser o PT um partido com propensão hegemônica, preponderante na distribuição de cargos ministeriais nos últimos oito anos (apesar do peso distinto das várias pastas), que cresceu nas últimas eleições (em particular na Câmara) e que tentou monopolizar a equipe de transição, alertou o PMDB.

Portanto, faz todo o sentido, como estratégia dissuasiva, o anúncio (ou ameaça) da formação de um megabloco parlamentar, visando refrear os ímpetos petistas no Congresso e na formação do ministério.

Daí a supor que os dois partidos viverão conflagrados durante a próxima gestão, e que isso poderá inviabilizar o governo Dilma, vai uma grande distância.

Aliás, é de se esperar que essa tensão não se restrinja à dupla PMDB-PT, mas se espraie por toda a coalizão. O PSB, particularmente, é outro partido que saiu engrandecido das eleições de 2010 e que deverá pressionar por uma ampliação de seu quinhão no governo, acotovelando os parceiros.

Vale notar que tais disputas entre coligados têm efeito positivo num regime democrático: geram limites à concentração e ao abuso do poder no interior da própria coalizão governista, para além de qualquer contribuição prestada pela oposição.

Cláudio Gonçalves Couto, cientista político, é professor do Departamento de Gestão Pública da Fundação Getulio Vargas (SP).

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