DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Não há como rememorar a sinuosa política econômica dos últimos oito anos sem começar pela metamorfose por que passou o PT na campanha eleitoral de 2002. Cerca de um ano e meio antes, nas eleições municipais do final de 2000, o partido havia patrocinado um despropositado plebiscito, que indagava se o governo deveria de fato pagar suas dívidas interna e externa. Não se tratava de desatino que pudesse ser atribuído a alas radicais ou ao baixo clero do partido. Muito pelo contrário. A consulta popular contava com o apoio explícito e determinado da elite dirigente do PT e de seus economistas mais proeminentes.
Não foi surpreendente, portanto, que a perspectiva de vitória do PT em 2002 desencadeasse avassaladora onda de desestabilização da economia. Foi o temor de que tal surto de incerteza pudesse botar a perder a vitória de Lula que levou à guinada no seu discurso econômico, a partir de junho de 2002, com a publicação da "Carta ao Povo Brasileiro". O que se seguiu é bem conhecido: a eleição de Lula, a nomeação de Antonio Palocci e Henrique Meirelles e a crise aplacada por uma política econômica que, em meio ao assombro do país e o ranger de dentes de boa parte do PT, apenas seguia e aprimorava o que vinha sendo feito no governo anterior.
Quis a História, com alguma ironia, que coubesse a Lula colher os frutos de 15 anos de penosa mobilização do país com a estabilização macroeconômica. A expansão da economia mundial e o boom de preços de commodities, advindo do rápido crescimento da Ásia, criaram ambiente propício para que a política econômica do novo governo logo redundasse em aceleração do crescimento a partir de 2004.
Ao contrário do que resmunga parte da oposição, foi uma sorte para o país que a política econômica de Lula tivesse logrado resultados tão positivos já em 2004. Não se sabe o que poderia ter ocorrido, se as convicções de Lula e do PT sobre o acerto da política econômica tivessem de ter passado, àquela altura, pelo teste de uma espera mais prolongada pela retomada do crescimento.
Em 2005 a equipe econômica chegou até a propor a adoção de medidas de ajuste fiscal para conter a expansão de gastos do governo. Mas, com a brusca mudança do quadro político que se seguiu à eclosão do escândalo do "mensalão", o cálculo político do Planalto passou a ser dominado pelo imediatismo, especialmente depois da queda de Palocci, em março de 2006.
Na esteira do descabeçamento do PT e da fragilização política do presidente, o governo entendeu que não tinha como se dar ao luxo de conter gastos. O senso de urgência apontava na direção oposta. A prioridade passou a ser fazer o melhor uso possível do círculo virtuoso por que passava a economia para assegurar a reeleição do presidente.
O segundo mandato afigurava-se, de início, bastante promissor: quatro anos de crescimento rápido, em meio a um ambiente externo favorável. O bom desempenho da economia em 2007 reforçou ainda mais esse otimismo. E o governo chegou até a considerar a possibilidade de substituir Henrique Meirelles por um nome mais alinhado ao "desenvolvimentismo". Mas a rápida deterioração do ambiente externo, na esteira da crise financeira de 2008, impôs novo choque de realidade ao Planalto.
A perspectiva de uma crise mundial prolongada foi o ensejo que faltava para que o governo decidisse abrir as comportas do gasto público, com a criação de um orçamento paralelo no BNDES com ligação direta ao Tesouro. A verdade, contudo, é que o impacto da crise no Brasil acabou sendo muito menor do que se temia. Após breve recessão em 2009, a economia voltou à trilha do crescimento rápido. O que não impediu que, ao longo de 2010, o governo insistisse na política fiscal expansionista, fixado no objetivo de garantir a vitória de sua candidata na eleição presidencial.
O decantado compromisso com a coerência da política macroeconômica que Lula exibiu de início não durou muito. Esvaiu-se aos poucos, a partir de 2005, ao sabor das circunstâncias políticas, e acabou no vale-tudo fiscal deste ano.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
Não há como rememorar a sinuosa política econômica dos últimos oito anos sem começar pela metamorfose por que passou o PT na campanha eleitoral de 2002. Cerca de um ano e meio antes, nas eleições municipais do final de 2000, o partido havia patrocinado um despropositado plebiscito, que indagava se o governo deveria de fato pagar suas dívidas interna e externa. Não se tratava de desatino que pudesse ser atribuído a alas radicais ou ao baixo clero do partido. Muito pelo contrário. A consulta popular contava com o apoio explícito e determinado da elite dirigente do PT e de seus economistas mais proeminentes.
Não foi surpreendente, portanto, que a perspectiva de vitória do PT em 2002 desencadeasse avassaladora onda de desestabilização da economia. Foi o temor de que tal surto de incerteza pudesse botar a perder a vitória de Lula que levou à guinada no seu discurso econômico, a partir de junho de 2002, com a publicação da "Carta ao Povo Brasileiro". O que se seguiu é bem conhecido: a eleição de Lula, a nomeação de Antonio Palocci e Henrique Meirelles e a crise aplacada por uma política econômica que, em meio ao assombro do país e o ranger de dentes de boa parte do PT, apenas seguia e aprimorava o que vinha sendo feito no governo anterior.
Quis a História, com alguma ironia, que coubesse a Lula colher os frutos de 15 anos de penosa mobilização do país com a estabilização macroeconômica. A expansão da economia mundial e o boom de preços de commodities, advindo do rápido crescimento da Ásia, criaram ambiente propício para que a política econômica do novo governo logo redundasse em aceleração do crescimento a partir de 2004.
Ao contrário do que resmunga parte da oposição, foi uma sorte para o país que a política econômica de Lula tivesse logrado resultados tão positivos já em 2004. Não se sabe o que poderia ter ocorrido, se as convicções de Lula e do PT sobre o acerto da política econômica tivessem de ter passado, àquela altura, pelo teste de uma espera mais prolongada pela retomada do crescimento.
Em 2005 a equipe econômica chegou até a propor a adoção de medidas de ajuste fiscal para conter a expansão de gastos do governo. Mas, com a brusca mudança do quadro político que se seguiu à eclosão do escândalo do "mensalão", o cálculo político do Planalto passou a ser dominado pelo imediatismo, especialmente depois da queda de Palocci, em março de 2006.
Na esteira do descabeçamento do PT e da fragilização política do presidente, o governo entendeu que não tinha como se dar ao luxo de conter gastos. O senso de urgência apontava na direção oposta. A prioridade passou a ser fazer o melhor uso possível do círculo virtuoso por que passava a economia para assegurar a reeleição do presidente.
O segundo mandato afigurava-se, de início, bastante promissor: quatro anos de crescimento rápido, em meio a um ambiente externo favorável. O bom desempenho da economia em 2007 reforçou ainda mais esse otimismo. E o governo chegou até a considerar a possibilidade de substituir Henrique Meirelles por um nome mais alinhado ao "desenvolvimentismo". Mas a rápida deterioração do ambiente externo, na esteira da crise financeira de 2008, impôs novo choque de realidade ao Planalto.
A perspectiva de uma crise mundial prolongada foi o ensejo que faltava para que o governo decidisse abrir as comportas do gasto público, com a criação de um orçamento paralelo no BNDES com ligação direta ao Tesouro. A verdade, contudo, é que o impacto da crise no Brasil acabou sendo muito menor do que se temia. Após breve recessão em 2009, a economia voltou à trilha do crescimento rápido. O que não impediu que, ao longo de 2010, o governo insistisse na política fiscal expansionista, fixado no objetivo de garantir a vitória de sua candidata na eleição presidencial.
O decantado compromisso com a coerência da política macroeconômica que Lula exibiu de início não durou muito. Esvaiu-se aos poucos, a partir de 2005, ao sabor das circunstâncias políticas, e acabou no vale-tudo fiscal deste ano.
Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio.
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