O discurso de Obama sobre o Oriente Médio nessa quinta foi um dos movimentos mais audaciosos num tabuleiro de xadrez montado em cima de um barril de pólvora com pavio aceso há mais de uma década. O pronunciamento relaciona-se diretamente com a execução de Bin Laden, também com os avanços do mundo árabe em direção da democracia e, claro, com o quadro eleitoral, neste momento claramente favorável à reeleição.
Pode ser considerado o mais duro safanão num aliado histórico dos últimos 55 anos, desde quando o presidente Eisenhower condenou a ocupação do Canal de Suez e exigiu a imediata retirada das tropas da Inglaterra, França e Israel, a única ação militar israelense não defensiva. O governo de Jerusalém merece a advertência de Obama: sempre acusou os adversários árabes de não perder uma oportunidade enquanto apostava na tática do impasse e na possibilidade de ganhar tempo.
O premiê Netanyahu com toda a sua aparência de modernidade é um típico político levantino, maroto. Imaginava render Washington quando chegasse sexta para um encontro na Casa Branca e pronunciar um candente discurso perante o Congresso. Obama desarmou-o com elegância ao antecipar o seu discurso para a quinta e obrigou o visitante a descer do avião na defensiva.
O presidente americano reiterou todos os compromissos dos EUA com a existência de Israel, mas pela primeira vez além de apoiar a criação de um Estado palestino, fixou um mapa sobre o qual deverão debruçar-se os negociadores: as fronteiras anteriores a 6 de junho de 1967 com alterações aceitas pelas partes.
Na Casa Branca, o premiê israelense não escondeu a sua irritação. Não contava com a determinação de um presidente-candidato que em meio à campanha eleitoral ousasse desafiar o imenso eleitorado pró-Israel composto não apenas pela ativíssima comunidade judaica, mas também pelos evangélicos, tão "sionistas" quanto esta. Para preservar os fartos dividendos acumulados com a operação em Abbotabad, estava evidente que Obama não poderia aturar a postergação adotada pelo governo de Israel.
Evidente para todos, menos para o chefe da diplomacia israelense, Avigdor Lieberman, um brutamontes sem qualquer dos atributos de predecessores do porte de Golda Meir, por exemplo. Israel desperdiçou os quatro meses da primavera árabe sem tomar qualquer iniciativa para atenuar as tensões regionais pelas quais não é responsável, mas alimenta. Imaginou que a eliminação do líder da Al-Qaeda eliminaria a insegurança e no último dia 15 foi surpreendido com inédita manifestação de simpatizantes palestinos na Faixa de Gaza, Líbano, Síria e Jordânia. O líder americano não tem tempo a perder.
Precisa encerrar os conflitos no Iraque e Afeganistão que drenam o poder econômico e comprometem o prestígio dos EUA. Ao forçar a retomada das negociações entre israelenses e palestinos, Obama exibe um trunfo que republicano algum poderá arrebatar. Israel é um milagre em matéria militar, política, econômica, científica e cultural.
Para preservar e multiplicar este milagre é indispensável o apoio internacional. Este é um dado essencial que escapa à direita e aos religiosos israelenses.
Alberto Dines é jornalista
FONTE JORNAL DO COMMERCIO (PE)
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