Passado o primeiro ano, a senhora presidente apresenta de seu governo um perfil pelo menos estranho e de certa maneira original, seis ministros foram alijados, menos um, porque suposta ou confirmadamente envolvidos em situações nebulosas, e mais dois que, para colocá-los a salvo de qualquer investigação, nem mais nem menos que por ela mesma, foram oficial e publicamente "blindados!", para repetir a expressão adotada pelo Planalto. Concomitantemente, começou a falar-se em reforma ministerial. Sejam quais forem, as reformas podem ser oportunas e até necessárias, anódinas ou inconvenientes, senão funestas; entre nós, muitas não passaram de expedientes, ora para esconder uma realidade, ora para distrair o público e depois de muito falar nelas, dá-las como findas mediante simples mudança de nome da coisa reformada. Pode parecer pilhéria, mas é um expediente tão relevante que poderia ser tema de uma tese acadêmica.
Pois após as sucessivas revelações de supostas ou comprovadas irregularidades ou robustas ilicitudes envolvendo altas figuras oficiais, foi lançada no mercado das novidades milagreiras a reforma do ministério. Seria ampla, mas sem demora, e antes dela começar virou em reforma fatiada, de gota a gota. No juízo de muitos, a variação é pelo menos judiciosa, pois não se reforma um ministério de quase 40 membros em meia dúzia de meses, contando e pesando criteriosamente os méritos e deméritos de cada um; afinal, uma reforma de verdade há de ser feita para valer, ou seja, bem feita, e já se disse filosoficamente que o tempo se vinga do que é feito sem a sua colaboração; daí por que a reforma há de fazer-se sem pressa.
Mas nunca falta um espírito zombeteiro a lembrar fato esclarecedor.
Pois não é que alguém se lembrou da tentativa de compra de um suposto dossiê capaz de liquidar o bom nome de candidato rival à Presidência da República, tendo o Hotel Ibis de São Paulo como cenário da operação, preço ajustado e de contado? Contudo, a fraude seria manifesta, o grupo se dispersou rapidamente e no hotel ficou a soma de R$ 1,7 milhão, até que alguém, decorrido algum tempo, recolheu o dinheiro. Afirma-se que no centro da operação encontrava-se o novo ministro da Educação. E assim começou a reforma regeneradora de fatia em fatia, para festejar o primeiro aniversário da presidência. Enquanto isso, ouvem-se cada vez mais próximos os avisos de borrasca e não será por desfastio que o presidente Obama cortou US$ 450 bilhões nos próximos 10 anos e outros tantos podem ser cortados pelo Congresso; outrossim, o FMI quer US$ 500 bilhões para socorrer apenas países europeus; não é preciso dizer mais.
Enquanto isso, nossos dirigentes parecem ouvir somente a contínua voz das ondas, como se tudo fosse mar bonança, no entanto, o país é tomado por um processo macabro de endividamento generalizado, em virtude do qual mais de metade se encontra perigosamente em estado falencial. O crack, no caso, é o cartão de crédito; não é o único, mas o mais expressivo; é uma beleza, está sempre à disposição de seu possuidor, dia e noite, útil ou feriado; ocorre que o juro é mortal, como o crack. A taxa mensal anda pela casa dos 10%, enquanto o patamar do anual vai além de 230%. Esqueci-me de dizer que os lucros dos bancos vêm sendo astronômicos, e o governo dos pobres nada vê. Isso não pode terminar bem.
*Jurista, ministro aposentado do STF
FONTE: ZERO HORA (RS)
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