domingo, 6 de setembro de 2015

Temer desembarcou – Editorial / O Estado de S. Paulo

O vice-presidente Michel Temer já age como se não fizesse mais parte do governo. Em encontro com empresários e movimentos de oposição, Temer comportou-se como um analista político, e não como o companheiro de chapa de Dilma Rousseff, ao dizer que a presidente dificilmente chegará ao final de seu mandato se mantiver uma popularidade de apenas um dígito. “Hoje o índice (de aprovação) é realmente muito baixo. Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice baixo. Se continuar assim, 7% de popularidade, de fato fica difícil passar de três anos.”

O comentário de Temer confirma o entendimento – a essa altura, geral – de que ele não se sente mais ligado a Dilma, muito menos a seu destino. Ciente de que essa percepção poderia levar alguém a concluir que ele está se preparando para assumir a Presidência, Temer correu a esclarecer que não moverá “uma palha” para tomar o lugar de Dilma. Nem precisa – o experiente político sabe que a natureza segue seu curso quando um presidente continua cavando o buraco em que se meteu, como a petista vem fazendo com esmero.

O afastamento de Temer já havia ficado claro no início da semana, quando Dilma voltou a lhe pedir socorro na esperança de dar algum sentido político a um governo que só existe no papel. Ouviu dele um sonoro “não”. Pudera: no desgoverno de Dilma, todos aqueles a quem ela atribuiu a “articulação política” ou são desastrados crônicos ou, como Temer, acabam sucumbindo às incríveis trapalhadas da presidente.

Dilma procurou Temer depois de ter constatado que o pouco que lhe restava de apoio fiel no Congresso havia sido abalado pelo desastroso encaminhamento do Orçamento de 2016. Como se sabe, a presidente desistiu de fazer os cortes necessários para equilibrar as contas e jogou no colo do Legislativo a responsabilidade de fazer as escolhas difíceis e impopulares. Os parlamentares informaram à presidente que não seriam sócios de sua falência.

Não se sabe ao certo quem foi o gênio que criou essa situação embaraçosa, inédita na história republicana brasileira, mas estão claras as digitais da própria Dilma, cuja incompetência vem estabelecendo um novo paradigma de má administração pública no País. A esta altura, Temer, calejado, já percebeu que esse governo não tem mais salvação.

No almoço em que a presidente tornou a pedir seus préstimos de articulador, Temer desfiou-lhe um rosário de críticas, em clima tenso. Queixou-se, por exemplo, de que só ficou sabendo pelos jornais da intenção de Dilma de recriar a CPMF. Reclamou também que foi deixado no escuro sobre as conversas que a petista teve com dois dos principais líderes do PMDB, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, e o líder do partido na Câmara, Leonardo Picciani. Afinal, Temer ainda é o presidente nacional do PMDB e, conforme a etiqueta política, deveria ter sido ao menos consultado.

Dilma também não ouviu Temer sobre a proposta de reforma administrativa, mesmo sabendo que, para cortar Ministérios, seria necessário negociar com a base aliada – tarefa que também deveria caber ao vice-presidente. Mas não é de hoje que Temer é tratado por Dilma como se fosse um funcionário de segundo escalão.

A presidente descumpriu quase todos os acordos que Temer havia negociado com parlamentares na tentativa de reconstruir a base aliada e ainda permitiu que o poder de articulação do vice fosse erodido graças à ação predatória de ministros petistas, particularmente Aloizio Mercadante, da Casa Civil, interessados em minar a influência do PMDB no governo. Foi graças a essa estratégia do Planalto que Temer, ciente da impossibilidade de conciliar a base aliada com um governo que sistematicamente o hostiliza e não lhe tem consideração, deixou a função de articulador no final de agosto, disposto a nunca mais voltar. Ele disse à presidente que esse assunto está “encerrado”.

A seu modo, Dilma tenta agora assumir ela mesma as negociações com o Congresso, não apenas para aprovar as medidas que ela julga necessárias para melhorar a economia do País, como também – e talvez principalmente – para sobreviver no cargo. Dada a sua comprovada inabilidade política, trata-se provavelmente do passo que lhe faltava dar na direção do abismo.

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