- O Estado de S. Paulo
O noticiário sobre nova fase da Lava Jato, a Triplo X, destaca o arpão direcionado a fisgar Lula. Dizer se ele vai acertar o alvo, por ora, é prestidigitação. Mas essa pescaria não cabe em um arpão. Ao grampearem toda comunicação e confiscarem computadores da Mossack & Fonseca, os investigadores da Lava Jato jogaram uma rede tão grande que correm o risco de pescar mais peixes do que são capazes de escamar. Peixes grandes.
A Mossack & Fonseca, cujos funcionários brasileiros foram detidos nesta quarta-feira pela Polícia Federal, é um dos maiores escritórios do mundo dedicado à incorporação e administração de empresas em paraísos fiscais, ou em locais onde a lei requer um mínimo de informação sobre os donos. São lugares como os estados de Nevada e Wyoming, nos EUA, e países ou territórios como o Reino Unido, Panamá, Ilhas Virgens, Samoa, Bahamas, Malta, Nova Zelândia e Holanda, entre outros.
Fundada no Panamá em 1977, pelo alemão Jurgen Mossack e pelo panamenho Ramón Fonseca, a Mossfon – para os íntimos – tem cerca de 500 funcionários dispersos por representações em mais de 40 países. A maioria dos escritórios, como o brasileiro, serve para captar clientes e, depois, atendê-los. Quem faz o serviço de registro das empresas de fachada e cuida da sua burocracia costumam ser a sede no Panamá e os escritórios nos países onde a offshore foi criada, como o das Ilhas Virgens Britânicas (BVI).
Abrir uma offshore não é ilegal, desde que seja declarada por seus donos ou beneficiários às autoridades do seu país. O problema é que esse tipo de empresa de fachada, cujos diretores muitas vezes são funcionários do próprio escritório que a abriu, é também uma maneira comum de ocultar bens e movimentar recursos cuja origem não pode ser explicada totalmente.
Propriedades imóveis, barcos, aviões, contas bancárias, outras empresas e valores costumam ser registrados em nome de offshores. Por pelo menos dois motivos.
O primeiro – e não necessariamente ilegal – é tributário. A alíquota de imposto cobrado sobre pessoas jurídicas é, em regra, menor do que a aplicada às pessoas de carne e osso. Por exemplo: homens e mulheres de bens, que queiram deixar seu patrimônio para os descendentes sem que o Fisco abocanhe boa parte dele, abrem offshores nas quais toda a família é beneficiária. Se um morre, os demais não precisam pagar imposto sobre a herança.
O segundo motivo é que fica muito mais difícil chegar ao reais beneficiários da empresa. A offshore não precisa estar registrada obrigatoriamente em nome de quem vai operá-la. É comum que o dono formal seja um “laranja” ou outras empresas de fachada. Estes concedem uma procuração com plenos poderes para um terceiro – o beneficiário de fato – movimentar as contas e fazer negócios em nome da offshore: comprar, vender, pagar.
No seu despacho autorizando a operação contra a Mossack &Fonseca, o juiz Sergio Moro cita ex-dirigentes da Petrobrás, como Renato Duque e Pedro Barusco, que teriam se beneficiado de contas abertas em nome de offshores criadas com ajuda da Mossfon. Mas isso é só o começo da pescaria.
Uma simples busca no Google pelos nomes dos funcionários da Mossfon presos revela que eles costumavam se reunir, no Brasil, com empresários e advogados – às vezes acompanhados de diplomatas panamenhos. Eram visitas de prospecção de clientes. Como o escritório na Avenida Paulista existe há 30 anos, presume-se que muitos desses contatos resultaram em negócios.
Os investigadores da Lava Jato não precisam presumir. Basta comparar os nomes citados em e-mails e documentos apreendidos na Mossfon Brasil com seus registros na Receita Federal. Investigações similares sobre a Mossack & Fonseca na Alemanha, EUA e Argentina fisgaram balaios de peixes. Peixes grandes.
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