Graciliano Rocha, Mario Cesar Carvalho – Folha de S. Paulo
CURITIBA, SÃO PAULO - A decisão do Supremo que autoriza prisões a partir da condenação em segunda instância, na semana passada, deverá estimular o surgimento de novos delatores na Operação Lava Jato.
O diagnóstico é feito por procuradores e advogados de defesa, um raro caso de concordância entre antagonistas.
Representantes do Ministério Público ouvidos pela Folha dizem que o fim da era dos recursos a perder de vista poderá dar à Lava Jato destino diferente ao de casos como o escândalo do Banestado, que teve quase cem condenações na Justiça do Paraná e, em apenas três casos, a sentença foi executada.
A maioria prescreveu quando os recursos eram debatidos no STJ.
"Vai ter de haver uma mudança de atitude de muitos advogados. O STF mostrou que não vai aceitar o abuso recursal, de manobras meramente protelatórias visando que a prescrição livre o réu daquilo que a prova o condena", afirma Vladimir Aras, secretário de cooperação internacional da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Integrante do grupo da PGR que investiga o envolvimento de políticos com foro com o petrolão, Aras diz que réus condenados em duas instâncias dispõem atualmente de três meios para não cumprirem a pena por seus crimes: a prescrição, a fuga e a colaboração premiada.
"Agora, a porta da prescrição foi fechada", diz.
Potencial afetado
Para os advogados, o entendimento do Supremo fere a Constituição. Edward Carvalho, que defende o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro, condenado a 16 anos de prisão, prevê que o recurso deve ser julgado em seis meses pelo Tribunal Regional Federal de Porto Alegre. Se for negado, Pinheiro irá para a prisão.
"Acho que a decisão do Supremo vai estimular delações e pode levar os executivos condenados mais rapidamente à prisão. Mas isso é um absurdo. O Supremo rasgou a Constituição. Os ministros agiram como legítimos representantes do desejo popular de punição. Não posso chamar de corte constitucional um Supremo que age assim", declara Carvalho.
A Constituição e o Código de Processo Penal dizem que um réu só pode ser preso quando houver uma sentença "transitada em julgado", ou seja, quando não houver mais recursos possíveis.
Carvalho considera a decisão do Supremo estapafúrdia e prevê que ela não perdurar por muito tempo.
O advogado Alberto Toron, que defende Fernando Bittar, sócio do sítio frequentado por Lula em Atibaia, diz que as delações devem aumentar porque sempre que o sistema penal "mostra seus dentes", cresce a possibilidade de delações e confissões.
A decisão do Supremo, segundo ele, equivale a uma estratégia usada pela Inquisição nos séculos 16 e 17. "Bastava os inquisidores mostrarem os instrumentos de tortura para um investigado confessar", afirma.
Ele conta que o historiador Ronaldo Vainfas relata um caso assim no livro "A Traição": um religioso confessa crimes só ao vislumbrar os rituais de tortura pelos quais passaria.
O argumento de que prisões são realizadas, mesmo preventivamente, para forçar delações é veementemente refutado pelos integrantes da força-tarefa da Lava Jato, no Paraná.
Dos 179 acusados por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, 62 foram condenados em primeira instância.
A decisão também deverá ter impacto sobre a recuperação de ativos no exterior. De acordo com Aras, da PGR, o Brasil tem US$ 230 milhões bloqueados em outros países.
"Com as certidões de trânsito em julgado a partir dos TRFs ou dos Tribunais de Justiça, será possível recolher os valores bloqueados, em alguns casos há mais de uma década, e depositá-los no Tesouro Nacional", afirma Aras.
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