• Em 12 anos, fundações acumulam prejuízos bilionários
José Casado, Danielle Nogueira, Ramona Ordoñez e Bruno Rosa - O Globo
Fundador de uma empresa que recebeu R$ 3 bilhões em investimentos dos fundos de pensão da Petrobras, da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil, João Carlos Ferraz inquietou-se na cadeira ao ouvir as perguntas:
— O senhor disse que num momento de fraqueza recebeu propina milionária no exterior? Também prometeu devolver uma parte e repatriar outra?
O antigo presidente da Sete Brasil respondeu quase sussurrando: — Gostaria de reafirmar que eu vou permanecer em silêncio.
Uma voz alta surgiu no plenário da CPI dos Fundos de Pensão, ironizando: — Se é verdade, vai tomar um baita prejuízo, porque levou propina com o dólar a dois reais e pouco e vai devolver a quatro e pouco... Talvez seja um dos bons investimentos que a Petrobras fez nos últimos tempos.
Os fundos de previdência estatais ainda se encontram no lado menos visível das investigações sobre corrupção nos negócios da Petrobras. Mas as evidências dos enlaces em negócios suspeitos se espraiam por diferentes inquéritos. E são realçadas pelo acervo de prejuízos bilionários que as fundações acumularam nos últimos 12 anos.
O caso da Sete Brasil é exemplar. Criada no governo Lula, dentro de uma Petrobras eufórica com o pré-sal, previa construir 28 navios-sondas para a petroleira. Os fundos Petros e Funcef compraram 18% das cotas do empreendimento. A Previ se limitou a 3,5%.
Propinas para gerentes da Petrobras
Após meia década, empresa e sondas só existem no papel. O dinheiro das aposentadorias virou pó: Petros e Funcef já perderam R$ 828 milhões, e Previ, R$ 161 milhões. Os fundos justificam o fracasso indicando as “perspectivas favoráveis” do projeto em 2010, quando o barril de petróleo custava US$ 100 (fechou a semana a US$ 33).
Sobraram propinas, como as recebidas por João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, ex- gerentes da Petrobras que montaram o projeto, se aposentaram na estatal e viraram executivos da Sete Brasil. Na Justiça fizeram acordos de delação, prometendo devolver os subornos: Barusco contabilizou US$ 97 milhões (R$ 388 milhões); Ferraz declarou US$ 1,9 milhão (R$ 7,6 milhões), e batalha para evitar o sequestro judicial dos bônus recebidos (R$ 11,5 milhões) na presidência da companhia.
Os déficits nas fundações públicas têm origem em atos típicos de gestão temerária, em negócios obscuros e nos frágeis sistemas de controle.
— É notável que os fundos de pensão estatais integrem um circuito bilionário de negócios sem controle efetivo — diz o deputado federal Raul Jugmann (PPSPE). — Os dirigentes não respeitam as regras, a fiscalização faz vista grossa, a Comissão de Valores Mobiliários não tem poder para punir, e o Congresso não entende, só se interessa pelo assunto episodicamente.
Organismos de fiscalização recebem apelos constantes para intervenção nos fundos estatais deficitários. Responsável pela supervisão setorial, a Previc, do Ministério da Previdência, responde com a lembrança “dos limites legais de sua competência”, e a necessidade de “avaliar tecnicamente pressupostos, necessidade e consequências”.
O histórico recente dos investimentos desses fundos de previdência indica que apostas de alto risco, como a realizada na Sete Brasil, não foram acidentais. Havia um grupo de sindicalistas-gestores trabalhando de forma coordenada. Em agosto de 2003, eles se reuniram com Lula na sede da Petrobras, no Rio. Saíram convencidos de que deveriam apoiar integralmente todos os projetos governamentais de infraestrutura.
O alinhamento com o Palácio do Planalto, orientado pelo secretário de Comunicação Luiz Gushiken, intensificouse a partir da autorização para confrontar parceiros privados — como o grupo Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas—, considerados impeditivos à participação mais direta no controle de empresas de telefonia, privatizadas no governo anterior.
Estabeleceram uma rotina de reuniões, uniram recursos e partiram para a batalha societária.
Venceram. Desde então, com respaldo do Planalto, houve uma escalada nas aplicações de alto risco com o dinheiro das aposentadorias, a despeito de contra-indicações jurídicas internas ou da oposição no conselho fiscal.
— Na Petros adotou-se um estilo extremamente autoritário, invertendo-se a lógica da governança— conta Fernando Siqueira, ex-representante eleito nos conselhos fiscal e deliberativo.
Apesar das perdas e danos, o legado do loteamento político é defendido pelos atuais diretores dessas fundações, também originários desse proceso. A Funcef, por exemplo, admite “resultados deficitários”, mas os atribui ao “fraco desempenho das economias nacional e internacional”. Acha que se constitui num “modelo" de governança. A Petros se afirma empenhada em “continuar reforçando” controles. No Postalis rejeita-se a palavra “déficit”. Diz-se apenas que “não há previsão de superávit”.
Para aposentados como Livaldo Pereira de Souza, sócio da Petros, Maria do Socorro Ramalho, da Funcef, e Jackson Mendes, do Postalis, resta uma certeza: sua renda será reduzida. Com sorte, talvez consigam recuperá-la antes do Carnaval de 2035.
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