O Globo
Quando o ministro Dias
Toffoli chamou para si o caso do Banco Master e decretou sigilo
absoluto, muita gente em Brasília dormiu aliviada. Acreditou-se que a decisão
era suficiente para conter as revelações que poderiam emergir do inquérito que
estava na primeira instância.
De fato, ela fez parar tudo, das oitivas à
abertura de novos inquéritos, assim como as perícias no material apreendido
pela Polícia
Federal no dia da prisão do dono do Master, Daniel Vorcaro, e dos
outros alvos da Operação Compliance Zero.
A investigação que começou com a venda fraudulenta de créditos de R$ 12,2 bilhões do Master ao estatal BRB ameaçava se espraiar por outros ramos dos negócios de Vorcaro e seus parceiros da política, mas a decisão de Toffoli parecia ter levado os potenciais envolvidos a porto seguro.
Logo se viu que a blindagem tinha furos. Só
que os primeiros atingidos não foram os suspeitos habituais do Congresso, e sim
os próprios ministros do Supremo. A revelação de que o próprio Toffoli viajou para
o Peru com o advogado de um dos investigados no jato de um empresário amigo
para assistir à final da Libertadores, horas antes de decretar o “sigilo
master” sobre o processo, jogou por terra a pretensão de controlá-lo.
Dias depois, soubemos que Alexandre
de Moraes também tinha muito a perder com o escrutínio sobre o Master.
Já era público que o escritório de sua mulher
e de seus filhos, o Barci de Moraes Associados, tinha um contrato com o banco.
O que não se conhecia era o valor: R$ 3,6 milhões ao mês por três anos, ou R$
129,6 milhões ao todo.
O objeto da contratação é amplo. Prevê desde
a defesa do banco e de seus controladores na Justiça até o “acompanhamento de
projetos de lei de interesse” do Master no Senado e na Câmara Federal.
Que projetos são esses e que tipo de
acompanhamento? Isso ainda é mistério, já que nem Moraes nem sua mulher,
Viviane, se manifestaram até agora. Mas não precisa ter carteira da OAB para
saber que a remuneração está muito acima dos parâmetros de mercado, mesmo o das
grandes estrelas da advocacia.
Os defensores de Toffoli, Moraes e Viviane
dizem que não há regra que impeça ministros de viajar em jatos e que não é
ilegal seus parentes prestarem serviços a clientes privados — é verdade, assim
como também é fato que o próprio Supremo liberou seus magistrados para julgar
processos de escritórios de seus parentes.
Se fosse um argumento aceitável, porém, já
teria aparecido algum acólito de plantão para defendê-lo em público. Antes, até
havia quem dissesse que o sigilo de Toffoli era necessário para impedir
vazamentos ou que o caso do Master poderia se transformar em Lava-Jato 2.0 e
levar ao surgimento de novos outsiders como Bolsonaro, na linha do “se
investigar o Master, o fascismo volta”. Agora, até esse pessoal anda calado.
No Supremo, o constrangimento pelo que já se
sabe só não é maior que o pavor do que ainda pode vir à tona. Quem conhece bem
as entranhas do Master reconhece que o abalo pode ser gigante.
A nova esperança de Toffoli, Moraes e
companhia é que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, mantenha o
processo com o Supremo, endosse o sigilo e ajude a dificultar o andamento da
investigação. Não é uma expectativa descabida, dado que Moraes foi um dos
principais padrinhos da indicação de Gonet ao cargo. Com Gilmar Mendes, ambos
formam uma trinca azeitada.
Mesmo que o caso venha a ser abafado pela
PGR, porém, o estrago já está feito. Os requintes de promiscuidade com o Master
são o coroamento de uma degradação que vem de longe — e resulta da simbiose
entre a onipotência alienada dos ministros e a conivência de amplos setores da
sociedade.
O temor de Moraes e seu modus operandi faz
com que muita gente prefira não dizer em público o que fala todo dia em
Brasília, na Faria Lima, ou na Central do Brasil: o STF, fundamental para
assegurar a estabilidade democrática e proteger a Constituição, desmoralizou a
si próprio ao se afundar na geleia moral dos centrões da vida.
A escolha que os ministros têm diante de si,
agora, não é entre matar ou não o inquérito do Master, e sim entre aceitar que
não são intocáveis e devem satisfação ao público ou se preparar para um futuro
descrito de forma bastante crua nesta semana pelo senador Alessandro Vieira na CPI
do Crime Organizado:
— Este é um país que já teve presidente
preso, já teve ministro preso, senador preso, deputado preso, prefeito,
vereador, mas ainda não teve ministros de tribunais superiores. E me parece que
esse momento se avizinha.
Pode parecer exagero, mas talvez seja melhor
não pagar para ver.

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