quinta-feira, 11 de dezembro de 2025

O Supremo se afunda na crise do Master. Por Malu Gaspar

O Globo

Quando o ministro Dias Toffoli chamou para si o caso do Banco Master e decretou sigilo absoluto, muita gente em Brasília dormiu aliviada. Acreditou-se que a decisão era suficiente para conter as revelações que poderiam emergir do inquérito que estava na primeira instância.

De fato, ela fez parar tudo, das oitivas à abertura de novos inquéritos, assim como as perícias no material apreendido pela Polícia Federal no dia da prisão do dono do Master, Daniel Vorcaro, e dos outros alvos da Operação Compliance Zero.

A investigação que começou com a venda fraudulenta de créditos de R$ 12,2 bilhões do Master ao estatal BRB ameaçava se espraiar por outros ramos dos negócios de Vorcaro e seus parceiros da política, mas a decisão de Toffoli parecia ter levado os potenciais envolvidos a porto seguro.

Logo se viu que a blindagem tinha furos. Só que os primeiros atingidos não foram os suspeitos habituais do Congresso, e sim os próprios ministros do Supremo. A revelação de que o próprio Toffoli viajou para o Peru com o advogado de um dos investigados no jato de um empresário amigo para assistir à final da Libertadores, horas antes de decretar o “sigilo master” sobre o processo, jogou por terra a pretensão de controlá-lo.

Dias depois, soubemos que Alexandre de Moraes também tinha muito a perder com o escrutínio sobre o Master.

Já era público que o escritório de sua mulher e de seus filhos, o Barci de Moraes Associados, tinha um contrato com o banco. O que não se conhecia era o valor: R$ 3,6 milhões ao mês por três anos, ou R$ 129,6 milhões ao todo.

O objeto da contratação é amplo. Prevê desde a defesa do banco e de seus controladores na Justiça até o “acompanhamento de projetos de lei de interesse” do Master no Senado e na Câmara Federal.

Que projetos são esses e que tipo de acompanhamento? Isso ainda é mistério, já que nem Moraes nem sua mulher, Viviane, se manifestaram até agora. Mas não precisa ter carteira da OAB para saber que a remuneração está muito acima dos parâmetros de mercado, mesmo o das grandes estrelas da advocacia.

Os defensores de Toffoli, Moraes e Viviane dizem que não há regra que impeça ministros de viajar em jatos e que não é ilegal seus parentes prestarem serviços a clientes privados — é verdade, assim como também é fato que o próprio Supremo liberou seus magistrados para julgar processos de escritórios de seus parentes.

Se fosse um argumento aceitável, porém, já teria aparecido algum acólito de plantão para defendê-lo em público. Antes, até havia quem dissesse que o sigilo de Toffoli era necessário para impedir vazamentos ou que o caso do Master poderia se transformar em Lava-Jato 2.0 e levar ao surgimento de novos outsiders como Bolsonaro, na linha do “se investigar o Master, o fascismo volta”. Agora, até esse pessoal anda calado.

No Supremo, o constrangimento pelo que já se sabe só não é maior que o pavor do que ainda pode vir à tona. Quem conhece bem as entranhas do Master reconhece que o abalo pode ser gigante.

A nova esperança de Toffoli, Moraes e companhia é que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, mantenha o processo com o Supremo, endosse o sigilo e ajude a dificultar o andamento da investigação. Não é uma expectativa descabida, dado que Moraes foi um dos principais padrinhos da indicação de Gonet ao cargo. Com Gilmar Mendes, ambos formam uma trinca azeitada.

Mesmo que o caso venha a ser abafado pela PGR, porém, o estrago já está feito. Os requintes de promiscuidade com o Master são o coroamento de uma degradação que vem de longe — e resulta da simbiose entre a onipotência alienada dos ministros e a conivência de amplos setores da sociedade.

O temor de Moraes e seu modus operandi faz com que muita gente prefira não dizer em público o que fala todo dia em Brasília, na Faria Lima, ou na Central do Brasil: o STF, fundamental para assegurar a estabilidade democrática e proteger a Constituição, desmoralizou a si próprio ao se afundar na geleia moral dos centrões da vida.

A escolha que os ministros têm diante de si, agora, não é entre matar ou não o inquérito do Master, e sim entre aceitar que não são intocáveis e devem satisfação ao público ou se preparar para um futuro descrito de forma bastante crua nesta semana pelo senador Alessandro Vieira na CPI do Crime Organizado:

— Este é um país que já teve presidente preso, já teve ministro preso, senador preso, deputado preso, prefeito, vereador, mas ainda não teve ministros de tribunais superiores. E me parece que esse momento se avizinha.

Pode parecer exagero, mas talvez seja melhor não pagar para ver.

 

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