terça-feira, 26 de março de 2019

Governo deveria buscar mais acordos e arejar Mercosul: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro deixou o Chile após, com outros países, enterrar a inerte União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que nasceu com apoio decidido dos governos petistas. Em seu lugar surgiu o Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul). Ainda que declaradamente reticente a acertos multilaterais, o Brasil comprometeu-se com o Chile a intensificar a aproximação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico, e a participar da reunião do clima, a ser realizada em dezembro, a CoP- 25.

Apesar de seus criadores terem dito que o Prosul nasceu essencialmente sem ideologias, é inegável o caráter antibolivariano do foro. Sinal disso é que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, sequer foi convidado para o encontro. Além de Bolsonaro e do presidente do Chile, Sebastián Piñera, assinaram a formação do Prosul os presidentes da Argentina, Mauricio Macri, da Colômbia, Iván Duque, do Paraguai, Mario Abdo Benítez, do Peru, Martín Vizcarra, do Equador, Lenín Moreno, e o embaixador da Guiana, George Talbot. Bolívia, Uruguai e Suriname enviaram representantes que apenas observaram a reunião e não assinaram o documento. A chancelaria do Chile informou que eles podem vir a assinar depois, se o desejarem.

Segundo Piñera, "do Prosul só poderão participar os países que tiverem compromisso com a democracia, com a liberdade e com os direitos humanos". O documento de criação do grupo defende a aproximação comercial e atuação conjunta para a integração do continente; e ainda prevê potencial cooperação em infraestrutura, saúde, defesa, segurança e combate ao crime, prevenção e reações a desastres naturais.

Bolsonaro prometeu trabalhar por uma maior aproximação entre o Mercosul, do qual o Brasil faz parte juntamente com a Argentina, Paraguai e Uruguai - a Venezuela está suspensa temporariamente - e a Aliança do Pacífico, do qual participam Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Peru, para uma provável área de livre comércio. A partir de julho, o Brasil exercerá a presidência-pro tempore do Mercosul e o Chile estará à frente da Aliança do Pacífico. Diferentemente do Mercosul, a Aliança do Pacífico tem feito progresso em acordos multilaterais.

Brasil e Chile pretendem construir um corredor rodoviário para unir a região Centro-Oeste e os portos marítimos no norte do Chile, passando pela ponte a ser construída entre Porto Murtinho e Carmelo Peralta, pelo Chaco paraguaio e o noroeste argentino. Ratificaram também acordo de livre comércio bilateral que já havia sido delineado no governo do ex-presidente Michel Temer e pode ser aprovado pelo parlamento dos dois países até o fim de 2019, e deram andamento às negociações para melhorar os mecanismos que visam evitar a dupla tributação.

As novas frentes comerciais são desbravadas em um momento em que a Argentina, tradicional parceiro do Brasil na região, enfrenta severos problemas econômicos. O Produto Interno Bruto (PIB) argentino encolheu 2,5% em 2018, na pior crise econômica do país desde 2001, afetado pela seca mais severa em 50 anos, inflação em alta e crise cambial, que levou à busca de ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apenas no quarto trimestre, a queda do PIB argentino foi de 6,2% em comparação com o mesmo período de 2017. Os ajustes para atender as metas do FMI adiam as perspectivas de recuperação e comprometem os planos de reeleição de Macri.

A crise argentina prejudicou o desempenho da América Latina como um todo, especialmente a indústria e o PIB brasileiros. Já o México foi afetado pelas incertezas quanto à renegociação do acordo comercial com os EUA e o Canadá. Brasil e México, as duas maiores economias da região, cresceram 2% e 1,1%, respectivamente, menos do que o esperado. Chile e Peru foram os destaques da região com expansão de 4% cada em 2018.

As primeiras viagens do presidente - EUA e Chile - demonstraram que o Mercosul não deve ser sua prioridade, o que é um erro. O bloco precisa de uma injeção de energia e algumas reformas que o dinamizem. A prometida abertura da economia pode fazer com que os ventos de liberalização comercial derrubem barreiras ainda vigentes, em especial argentinas, e abram caminho para um acordo com a Aliança do Pacífico, bloco com inspiração mais liberal desde que foi formado. A integração do continente está ao alcance das mãos e precisaria ser levada mais a sério do que disputas ideológicas, um leitmotiv de uma não estruturada política externa do novo governo.

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