Não é possível governar sem fazer política, o que não pode ser entendido como corrupção
Não se tem notícia de um presidente como Jair Bolsonaro, que tenha demorado tanto tempo para descer do palanque. Vitorioso numa campanha em que se valeu muito das redes sociais, território adequado a mensagens curtas, quase sempre agressivas, e de pouca reflexão, o presidente demonstra dificuldades em mudar o tom e passar a governar, o que implica, numa democracia, negociar.
O pior será se o presidente entender que a maneira mais eficaz de enfrentar os enormes problemas que escolheu enfrentar, ao se lançar candidato, é pelo voluntarismo, no ataque violento à “velha política” , com o apoio de milicianos digitais.
O choque entre Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é fórmula infalível para o fracasso da reforma da Previdência e, consequentemente, de seu governo. Maia, desde a posse, por entender a importância das mudanças, se colocou ao lado do projeto. Porém, ele não pode acumular sua função com a de líder do governo na Casa, tampouco de ministro da Casa Civil, suposto coordenador político do Planalto.
Na visão maniqueísta demonstrada até agora por Bolsonaro, filhos e seu grupo, o político deseja apenas “verbas e vagas” e nada mais. Em entrevista publicada no GLOBO de sábado, Maia — depois de ser atacado com ironia por Carlos Bolsonaro, usando o fato de Moreira Franco, preso junto com Temer, ser casado com a sogra do presidente da Câmara —, foi direto ao ponto ao dizer que Bolsonaro precisa se envolver no convencimento de parlamentares, para que a PEC da Previdência consiga o mínimo de 308 votos na Câmara e 49 no Senado.
Não há caminho alternativo — como exemplificaram FH e Lula, na votação de projetos de seu interesse no Congresso —, nem negociação política deve ser confundida com fisiologismo. Política não é sinônimo de corrupção. Nomear indicados tecnicamente qualificados, sem que haja licença para roubar, é normal em qualquer grande democracia. A presidente Dilma Rousseff fez vista grossa à roubalheira na Petrobras, mas usou o estilo Bolsonaro de se distanciar dos políticos. Seu destino é conhecido.
Bolsonaro diz que cumpriu sua missão ao enviar o projeto para a Câmara, e que agora é com Maia e os deputados. Engana-se. Pode ter ficado bem com suas bases ao patrocinar uma reforma previdenciária para os militares apenas como pretexto para aumentar soldos e benefícios. O melhor que os militares fazem é negociar com o Congresso o aperfeiçoamento do projeto, que, da maneira como está, apenas fortalece a resistência de castas do funcionalismo civil às mudanças. Queira ou não, o presidente será chamado a conversar. E que comece logo.
Em reunião ontem pela amanhã, no Planalto, Bolsonaro contemporizou . Disse que o foco do governo é a reforma da Previdência e que deseja uma relação harmoniosa com o Legislativo. O risco agora são os tuítes.
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