- The New York Times | O Estado de S.Paulo
Receita de anúncios que sustenta o jornalismo foi capturada por Google e Facebook e parte do dinheiro dissemina notícias falsas
À medida que a eleição dos EUA se aproxima, as rachaduras na fachada digital começam a aparecer de novo. O Facebook acaba de remover uma página, “Eu amo os EUA”, comandada por ucranianos, que enviou imagens pró-Trump recicladas da Internet Research Agency, grupo russo que tentou influenciar a eleição de 2016.
Acontece que “I Love America” não era patrocinada pelo governo. Os ucranianos apenas administravam a página pelo dinheiro da publicidade. Uma página semelhante com conteúdo falsificado, “Vidas de Policiais Importa”, agora está sendo feita em Kosovo.
Essas duas páginas falsas do Facebook ilustram a crise da imprensa livre e da democracia: a receita de publicidade que costumava ir para o jornalismo de qualidade agora é capturada por grandes intermediários de tecnologia, e parte desse dinheiro é dedicado a conteúdo desonesto, de baixa qualidade e fraudulento.
Esta é a primeira eleição presidencial após o colapso do modelo de negócios para o jornalismo. A receita de publicidade de jornais impressos caiu dois terços desde 2006. De 2008 a 2018, o número de repórteres de jornais caiu 47%. Dois terços dos municípios dos EUA não têm um jornal diário e 1.300 comunidades perderam toda a cobertura local. Até estabelecimentos nativos da web, como o BuzzFeed e o HuffPost, demitiram repórteres. Esse problema é global. Por exemplo, na Austrália, de 2014 a 2018, o número de jornalistas em publicações impressas tradicionais caiu 20%.
A sinalização de novas marcas e as barreiras culturais destinadas a proteger dos efeitos distorcidos da publicidade foram destruídas. Em seu lugar, surgiu um ecossistema de informações disfuncionais, caracterizado pelas teorias de polarização, dependência e conspiração. Na Europa e nos EUA, os jovens aprendem ciência racial pelo YouTube.
No Brasil, cidadãos aprendem que a zika é transmitida por vacinas. Como o Center for Humane Technology afirma: “As plataformas tecnológicas de hoje estão presas em uma corrida até o fundo do tronco cerebral para atrair a atenção humana. É uma corrida que todos estamos perdendo.”
Crise tem dois vetores
Existem dois vetores dessa crise. O primeiro é a concentração da receita de publicidade online nas mãos do Google e do Facebook, monopólios globais montados no discurso público, desviando o dinheiro que costumava ir para as editoras. O segundo é um colapso ético – consequência natural do fato de a publicidade financiar um utilitário de informações como uma rede social ou mecanismo de busca –, que eu chamo de “comunicações conflituosas”.
É tentador culpar a internet por tudo isso, mas é importante reconhecer que a tecnologia é moldada pela lei. Publicidade, editoração e distribuição de informações operam em mercados estruturados. Nos últimos 40 anos, as regras subjacentes a esses mercados passaram por uma reorganização radical.
Como diz o historiador Richard John, por 200 anos (a partir da criação dos Correios, em 1791), os americanos formuladores de políticas tentaram descentralizar o poder dos meios de comunicação e manter neutras as redes de comunicação. No fim dos anos 70, os formuladores de políticas reverteram suas presunções. Eles atenuaram a lei antitruste, eliminaram a doutrina da imparcialidade e permitiram a criação de grandes conglomerados de mídia.
Habilitado por uma política de fusão imprecisa, o espaço da internet passou por sucessivas aquisições. De 2004 a 2014, o Google gastou US$ 23 bilhões comprando 145 empresas, incluindo a gigante da publicidade DoubleClick. E, desde 2004, o Facebook gastou quantia semelhante adquirindo 66 empresas, permitindo-lhe dominar as redes sociais. Nenhuma dessas aquisições foi bloqueada como anticompetitiva.
Os dados agora são a entrada principal da publicidade: se você sabe quem está visualizando um anúncio, esse espaço se torna muito mais valioso. Google e Facebook agora sabem quem está vendo cada um dos anúncios, e seus concorrentes – os jornais –, não. Além disso, agora, os jornais também precisam contar com Google e Facebook para chegar a seus clientes e repassar a eles valiosos dados de assinantes. Quando o Wall Street Journal rejeitou respeitar os termos de formatação, o Google o removeu de suas fileiras de pesquisa e o tráfego do jornal caiu 44%.
Filosofia favorável à concentração ajudou a moldar revolução da informação
Em outras palavras, não foi apenas a tecnologia, mas também uma filosofia favorável à concentração que moldou a revolução da informação, nos anos 1990 e 2000. Google e Facebook cresceram para controlar utilitários de informação, como pesquisa geral, redes sociais e mapeamento. Novas formas de publicidade – sustentadas pelo uso não regulamentado de dados e vendidas por meio de leilões não transparentes e complexos – minaram a barganha das editoras e permitiram novas formas de fraude usando bots e conteúdo falso.
Um resultado dessas mudanças é a centralização radical do poder sobre o fluxo de informações. As plataformas tecnológicas agora controlam a receita de publicidade online, que é a principal fonte de financiamento da notícias. Mas este não é apenas um problema da monopolização de uma indústria. Google e Facebook não estão no ramo do jornalismo. Eles estão no setor de comunicações, executando utilitários de informação com uma receita que costumava ir para o jornalismo.
O financiamento da publicidade apresenta um conflito de interesses, pois a publicidade é uma terceira parte pagando para manipular alguém. Na mídia tradicional, ela pode influenciar escolhas editoriais. Há uma série de estruturas éticas projetadas para inibir o controle excessivo de anunciantes sobre os meios de comunicação, resultado de debates por centenas de anos entre figuras públicas sobre a natureza da publicidade e da editoração.
Algumas delas incluem os efeitos da sinalização de marcas de notícias, uma diversidade de meios de comunicação, a separação dos departamentos de publicidade e a parte editorial e corporações para proteger a integridade jornalística da publicação dos interesses comerciais. Mas tais debates éticos ainda precisam ocorrer em torno dos utilitários de informação.
Consequentemente, a deturpação da publicidade – dependência, manipulação, fraude, ruptura de um tecido social – foi recebida com pouca imunidade cultural, respostas políticas ou defesas institucionais.
Antes de o Google virar uma enorme empresa de publicidade, seus fundadores – Sergey Brin e Larry Page – notaram esse problema. Eles analisaram o mercado de mecanismos de pesquisa da década de 90 – com empresas oferecendo aos anunciantes a chance de pagar para serem listados como resultado de uma pesquisa orgânica – e argumentaram que o financiamento de um mecanismo de pesquisa por meio da publicidade era fundamentalmente imoral.
Esses utilitários de informações teriam um incentivo para manter os usuários em suas propriedades para que eles continuassem vendendo mais anúncios. Eles também teriam um incentivo à autonegociação, colocando um conteúdo diante dos usuários que beneficia o utilitário – e não do usuário final. E eles teriam um incentivo para vigiar seus usuários, para que eles pudessem segmentá-los de maneira mais eficaz.
Uma crise para a democracia
Brin e Page estavam certos quanto à influência corruptora da publicidade. Esse modelo de negócios de comunicações conflitantes é de onde vêm o vício, a vigilância, a fraude e a ‘isca de cliques’. Infelizmente, estamos vivendo no mundo que eles previram.
A combinação dessas dinâmicas – concentração de poder e novos dilemas éticos apresentados pelo financiamento das redes de informação pela publicidade – criou uma crise para a democracia. A monopolização da receita publicitária tira o financiamento de instituições legítimas. A sinalização das novas marcas e as barreiras culturais destinadas a se proteger dos efeitos distorcidos da publicidade foram destruídas. A tarefa dos formuladores de políticas agora é montar as estruturas éticas para mitigar tais conflitos.
O colapso do jornalismo e da democracia não é inevitável. Para salvar a democracia e a imprensa livre, precisamos eliminar o controle do Google e do Facebook sobre o bem comum. Isso significa descentralizar esses mercados e separar os utilitários de informação, para que pesquisa, mapeamento, o YouTube e outras subsidiárias do Google sejam empresas separadas, e Instagram, WhatsApp e Facebook voltem a competir. Também significa restringir ou limitar a publicidade nessas plataformas.
A receita publicitária deve voltar a fluir para o jornalismo e a arte. E as pessoas deveriam pagar diretamente pelos serviços de comunicação, em vez de pagar indiretamente pela renúncia à democracia. / Tradução de Claudia Bozzo
*É pesquisador do Open Markets Institute
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